Lá vai lua alta
Mais alta vai a Senhora
Que para o céu subia
Madalena vai detrás
Alcançá-la não podia
Alcançou-a em Belém
Onde Jesus Cristo lhe assistia
Nossa Senhora era tão pobre
Que nem um paninho lá trazia
Lançou as mãos à cabeça
Era um véu que trazia
Partiu em quatro quartos
Jesus Cristo embrulharia
Desceu um anjo do céu à terra
Paninho de ouro lá trazia
São José lhe perguntou
Como ficou lá Maria
Maria ficou bem
Na sua salinha metida
Cantando Avé Maria
As paredes são de ouro
Lavradas de prata fina
Quem também as lavraria
Foi o filho da Virgem Maria
Nota: Oração recolhida e publicada em trabalho escolar, por Maria Isabel dos Santos Teodoro, na década de 1980.
Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
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domingo, 25 de dezembro de 2011
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Os amores da azeitona...
Eram sobretudo canções de amor, estas da campanha da azeitona:
(Uma voz) Os amores da azeitona
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) São como os da cotovia
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Uma voz) Acabada a azeitona
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Vai-te com Deus ó Maria
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão - Coro)
Vai de lá ó Maria
Tudo é um bem querer
Está um ar amoroso
Não te posso ir a ver
S´o meu amor fosse António
Ai solidão, solidão
Mandavó ingarrafar
Ai, ai, ai, ai, ai
Em garrafinhas de vidro
Ai solidão, solidão
Para o sol não o queimar
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
O meu amor não me fala
Ai solidão, solidão
Tudo é que lhe fale eu
Ai, ai, ai, ai, ai
S´ele se leva no seu brio
Ai solidão, solidão
Também eu me levo no meu
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Meu amor se fores à missa
Ai solidão, solidão
Fica em sítio que te veja
Ai, ai, ai, ai, ai
Não faças andar meus olhos
Ai solidão, solidão
Em leilão pela Igreja
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Cantigas ao desafio
Ai solidão, solidão
Comigo ninguém mas cante
Ai, ai, ai, ai, ai
Eu tenho quem mas ensine
Ai solidão, solidão
Meu amor é estudante
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Sei um saco de cantigas
Ai solidão, solidão
Ainda mais um guardanapo
Ai, ai, ai, ai, ai
Se me fazes atentar
Ai solidão, solidão
Eu vou desatar o saco
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Não me namora teu ouro
Ai solidão, solidão
Nem a tua branquidão
Ai, ai, ai, ai, ai
Só me namora teus olhos
Ai solidão, solidão
Que tão fagueirinhos são
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Os olhos do meu amor
Ai solidão, solidão
São duas azeitoninhas pretas
Ai, ai, ai, ai, ai
Eles foram escolhidos
Ai solidão, solidão
No jardim das violetas
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Da janela do meu quarto
Ai solidão, solidão
Vejo a cama do meu sogro
Ai, ai, ai, ai, ai
Vejo o sogro, lembra-me o filho
Ai solidão, solidão
Pelo filho é qu´eu morro
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Da minha janela à tua
Ai solidão, solidão
É um salto duma cobra
Ai, ai, ai, ai, ai
Quem me dera já chamar
Ai solidão, solidão
À tua mãe minha sogra
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
A oliveira da serra
Ai solidão, solidão
Que azeitona pode dar
Ai, ai, ai, ai, ai
Dará uma, dará duas
Ai solidão, solidão
Dará três se carregar
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Se a oliveira a falasse
Ai solidão, solidão
Ela diria o que viu
Ai, ai, ai, ai, ai
Debaixo da sua rama
Ai solidão, solidão
Dois amantes encobriu
Ai, ai, ai, ai, ai
(…)
Além das lembradas pelos meus pais (António Teodoro e Maria da Luz), registadas pela minha irmã Isabel dos Santos Teodoro, incluí ainda as que o Ernesto Hipólito enviou para a publicação anterior.
(Uma voz) Os amores da azeitona
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) São como os da cotovia
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Uma voz) Acabada a azeitona
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Vai-te com Deus ó Maria
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão - Coro)
Vai de lá ó Maria
Tudo é um bem querer
Está um ar amoroso
Não te posso ir a ver
S´o meu amor fosse António
Ai solidão, solidão
Mandavó ingarrafar
Ai, ai, ai, ai, ai
Em garrafinhas de vidro
Ai solidão, solidão
Para o sol não o queimar
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
O meu amor não me fala
Ai solidão, solidão
Tudo é que lhe fale eu
Ai, ai, ai, ai, ai
S´ele se leva no seu brio
Ai solidão, solidão
Também eu me levo no meu
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Meu amor se fores à missa
Ai solidão, solidão
Fica em sítio que te veja
Ai, ai, ai, ai, ai
Não faças andar meus olhos
Ai solidão, solidão
Em leilão pela Igreja
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Cantigas ao desafio
Ai solidão, solidão
Comigo ninguém mas cante
Ai, ai, ai, ai, ai
Eu tenho quem mas ensine
Ai solidão, solidão
Meu amor é estudante
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Sei um saco de cantigas
Ai solidão, solidão
Ainda mais um guardanapo
Ai, ai, ai, ai, ai
Se me fazes atentar
Ai solidão, solidão
Eu vou desatar o saco
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Não me namora teu ouro
Ai solidão, solidão
Nem a tua branquidão
Ai, ai, ai, ai, ai
Só me namora teus olhos
Ai solidão, solidão
Que tão fagueirinhos são
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Os olhos do meu amor
Ai solidão, solidão
São duas azeitoninhas pretas
Ai, ai, ai, ai, ai
Eles foram escolhidos
Ai solidão, solidão
No jardim das violetas
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Da janela do meu quarto
Ai solidão, solidão
Vejo a cama do meu sogro
Ai, ai, ai, ai, ai
Vejo o sogro, lembra-me o filho
Ai solidão, solidão
Pelo filho é qu´eu morro
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Da minha janela à tua
Ai solidão, solidão
É um salto duma cobra
Ai, ai, ai, ai, ai
Quem me dera já chamar
Ai solidão, solidão
À tua mãe minha sogra
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
A oliveira da serra
Ai solidão, solidão
Que azeitona pode dar
Ai, ai, ai, ai, ai
Dará uma, dará duas
Ai solidão, solidão
Dará três se carregar
Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Se a oliveira a falasse
Ai solidão, solidão
Ela diria o que viu
Ai, ai, ai, ai, ai
Debaixo da sua rama
Ai solidão, solidão
Dois amantes encobriu
Ai, ai, ai, ai, ai
(…)
Além das lembradas pelos meus pais (António Teodoro e Maria da Luz), registadas pela minha irmã Isabel dos Santos Teodoro, incluí ainda as que o Ernesto Hipólito enviou para a publicação anterior.
domingo, 27 de novembro de 2011
Se a oliveira falasse…
Por volta de 1940, as terras de S. Vicente da Beira pertenciam, em grande parte, a três casas agrícolas: Casa Conde, Casa Cunha e Visconde de Tinalhas. Na altura da azeitona, contratavam camaradas para a colheita. Uma camarada era um grupo de homens e mulheres, dois homens por cada mulher, que colhia a azeitona para um médio ou grande agricultor, a troco de um décimo da produção: de cada dez alqueires de azeite, um alqueire (13,5 litros) era da camarada. No final da campanha (colheita), o azeite era distribuído por todos os membros.
Ao cantar do galo mais madrugador, às 5 horas da manhã, um homem da camarada ia à Praça tocar a corneta para que as mulheres se levantassem a fazer o almoço (pequeno almoço) aos seus homens: batatas ou feijão. Mais a merenda para um dia de trabalho.
Duas horas depois, confluíam para a Fonte Velha, chamados pelo toque do búzio da camarada, que partia depois em direção do seu olival, longe ou perto.
A colheita fazia-se a ritmo acelerado, pois tinham de colher azeitona suficiente para fazer o ordenado de cada membro da camarada. Os corpos magros e enregelados subiam e desciam escadas e as mulheres acorriam aos gritos de “Fato”. Os dedos frios das mulheres mal conseguiam catar as bolinhas negras no meio de ervas e terra. No início, o lume era mais fumo que fogo e uma passagem breve por lá apenas iludia o corpo.
Cantava-se para esquecer. Os homens desafiavam as camaradas que passavam ou andavam por perto. O diálogo gritado envolvia dois homens:
- Ó João, dá cá o podão!
- P´ra quê?
- P´ra malhar aqueles que além vão.
E torna-o cá a dar,
- P´ra quê?
- P´ra os tornar a malhar!
Os da outra camarada respondiam à letra:
- Ó João!
- O que é?
- Dá cá a navalha.
- P´ra quê?
- P´ra malhar aqueles canalhas.
E torna-a cá a dar.
- P´ra quê?
- P´ra os tornar a malhar!
As mulheres, alheias a estes rituais guerreiros, entoavam canções melodiosas com letras ligadas à tarefa que as ocupava:
(Uma voz) A oliveira da serra
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Que azeitona pode dar
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Uma voz) Dará uma, dará duas
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Dará três se carregar
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Vai de lá ó Maria
Tudo é um bem querer
Está um ar amoroso
Não te posso ir a ver
Se a oliveira a falasse
Ai solidão, solidão
Ela diria o que viu
Ai, ai, ai, ai, ai
Debaixo da sua rama
Ai solidão, solidão
Dois amantes encobriu
Ai, ai, ai, ai, ai
E continuavam com outras quadras…
Mas o ganho era sempre magro, mesmo com muito trabalho. Por isso, à passagem de algum rico ou na ida do patrão ao olival, colhia-se um ramo de oliveira e oferecia-se:
Tome lá este raminho
Da minha mão se oferece
Ainda não é tão delicado
Como o senhor o merece
Ou
Tome lá este raminho
Todo cheio de alegria
Onde vão meus cumprimentos
E de toda a companhia
A simpatia pagava-se com dinheiro, para terem vinho a acompanhar o jantar (almoço).
Se encontrassem duas folhas pegadas, aproveitavam para reforçar os laços. Um rapaz e uma rapariga pegavam cada um num lado e rasgavam-nas, dizendo:
(Um) - Como se chama o menino?
(Outro) - Raminho de bem querer.
(Davam um aperto de mão)
(Ambos) - Vamos ser compadres até morrer!
No último dia da colheita, faziam um jantar ou ceia com bacalhau, batatas e couves. O patrão dava o vinho e o azeite.
Depois iam ao lagar do patrão buscar a paga. E comiam uma taborna (tiborna): pão torrado embebido no azeite novo. O ganho era dividido por toda a camarada e corria-se à procura de mais trabalho, na esperança conseguir azeite para todo o ano.
Como habitualmente, nestas tradições mais antigas, baseei-me num trabalho escolar da minha irmã Maria Isabel dos Santos Teodoro. Ela ouviu-as da boca dos nossos pais António Teodoro e Maria da Luz (Prata).
Ao cantar do galo mais madrugador, às 5 horas da manhã, um homem da camarada ia à Praça tocar a corneta para que as mulheres se levantassem a fazer o almoço (pequeno almoço) aos seus homens: batatas ou feijão. Mais a merenda para um dia de trabalho.
Duas horas depois, confluíam para a Fonte Velha, chamados pelo toque do búzio da camarada, que partia depois em direção do seu olival, longe ou perto.
A colheita fazia-se a ritmo acelerado, pois tinham de colher azeitona suficiente para fazer o ordenado de cada membro da camarada. Os corpos magros e enregelados subiam e desciam escadas e as mulheres acorriam aos gritos de “Fato”. Os dedos frios das mulheres mal conseguiam catar as bolinhas negras no meio de ervas e terra. No início, o lume era mais fumo que fogo e uma passagem breve por lá apenas iludia o corpo.
Cantava-se para esquecer. Os homens desafiavam as camaradas que passavam ou andavam por perto. O diálogo gritado envolvia dois homens:
- Ó João, dá cá o podão!
- P´ra quê?
- P´ra malhar aqueles que além vão.
E torna-o cá a dar,
- P´ra quê?
- P´ra os tornar a malhar!
Os da outra camarada respondiam à letra:
- Ó João!
- O que é?
- Dá cá a navalha.
- P´ra quê?
- P´ra malhar aqueles canalhas.
E torna-a cá a dar.
- P´ra quê?
- P´ra os tornar a malhar!
As mulheres, alheias a estes rituais guerreiros, entoavam canções melodiosas com letras ligadas à tarefa que as ocupava:
(Uma voz) A oliveira da serra
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Que azeitona pode dar
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Uma voz) Dará uma, dará duas
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Dará três se carregar
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Refrão)
Vai de lá ó Maria
Tudo é um bem querer
Está um ar amoroso
Não te posso ir a ver
Se a oliveira a falasse
Ai solidão, solidão
Ela diria o que viu
Ai, ai, ai, ai, ai
Debaixo da sua rama
Ai solidão, solidão
Dois amantes encobriu
Ai, ai, ai, ai, ai
E continuavam com outras quadras…
Mas o ganho era sempre magro, mesmo com muito trabalho. Por isso, à passagem de algum rico ou na ida do patrão ao olival, colhia-se um ramo de oliveira e oferecia-se:
Tome lá este raminho
Da minha mão se oferece
Ainda não é tão delicado
Como o senhor o merece
Ou
Tome lá este raminho
Todo cheio de alegria
Onde vão meus cumprimentos
E de toda a companhia
A simpatia pagava-se com dinheiro, para terem vinho a acompanhar o jantar (almoço).
Se encontrassem duas folhas pegadas, aproveitavam para reforçar os laços. Um rapaz e uma rapariga pegavam cada um num lado e rasgavam-nas, dizendo:
(Um) - Como se chama o menino?
(Outro) - Raminho de bem querer.
(Davam um aperto de mão)
(Ambos) - Vamos ser compadres até morrer!
No último dia da colheita, faziam um jantar ou ceia com bacalhau, batatas e couves. O patrão dava o vinho e o azeite.
Depois iam ao lagar do patrão buscar a paga. E comiam uma taborna (tiborna): pão torrado embebido no azeite novo. O ganho era dividido por toda a camarada e corria-se à procura de mais trabalho, na esperança conseguir azeite para todo o ano.
Como habitualmente, nestas tradições mais antigas, baseei-me num trabalho escolar da minha irmã Maria Isabel dos Santos Teodoro. Ela ouviu-as da boca dos nossos pais António Teodoro e Maria da Luz (Prata).
sexta-feira, 11 de março de 2011
Padrinhos e afilhados
O batismo é um dos sete sacramentos da Igreja Católica.
Em São Vicente da Beira, nos anos 60, o batizado realizava-se em qualquer dia, à hora marcada pelo Vigário. Não era necessariamente num domingo, nem tinha de se integrar numa missa.
A parteira é que levava o recém-nascido à Igreja. Era esse o costume. A mãe ficava em casa a preparar o lanche: doces feitos no dia anterior, pôr o chá ao lume e preparar a mesa, enfeitada com um vaso de flores.
O bebé trajava de vestido branco, capa e touca, tudo de seda. A acompanhar, o pai e os padrinhos, mais outros familiares da casa ou próximos.
Ao fundo da Igreja, na pia batismal, o padre tirava um pouco de água benta e derramava-a na cabeça da criança, reclinada sobre a pia. Depois, colocava-lhe sal na boca. Normalmente, este gesto acalmava o bebé, antes choroso pela surpresa da água fria.
Eram os padrinhos que escolhiam o nome do novo ser e só o davam a conhecer no momento do batismo. Em casa, a mãe esperava ansiosa por saber que nome fora dado ao seu menino ou à sua menina.
À saída da Igreja, o sino repicava à festa e os garotos corriam atrás do cortejo, a apanhar rebuçados que os padrinhos atiravam.
Chegados a casa, a mãe podia finalmente tratar o seu bebé pelo nome. Às vezes, para ela, a festa ficava estragada, ao imaginar que o seu mais querido ser teria de carregar toda a vida com um nome tão detestável. Mas que remédio!
Não foi o meu caso. Chamo-me José, porque sou afilhado do meu tio José Candeias. Não herdei nenhum dos nomes mais comuns da família: António, João, Guilherme, Francisco… Mas já havia tios José e, ter em casa um filho com nome bíblico, dava sempre jeito!
Texto composto a partir da recolha de Maria Isabel dos Santos Teodoro, trabalho manuscrito, Escola Secundária de Alcains, 1985.
Em São Vicente da Beira, nos anos 60, o batizado realizava-se em qualquer dia, à hora marcada pelo Vigário. Não era necessariamente num domingo, nem tinha de se integrar numa missa.
A parteira é que levava o recém-nascido à Igreja. Era esse o costume. A mãe ficava em casa a preparar o lanche: doces feitos no dia anterior, pôr o chá ao lume e preparar a mesa, enfeitada com um vaso de flores.
O bebé trajava de vestido branco, capa e touca, tudo de seda. A acompanhar, o pai e os padrinhos, mais outros familiares da casa ou próximos.
Ao fundo da Igreja, na pia batismal, o padre tirava um pouco de água benta e derramava-a na cabeça da criança, reclinada sobre a pia. Depois, colocava-lhe sal na boca. Normalmente, este gesto acalmava o bebé, antes choroso pela surpresa da água fria.
Eram os padrinhos que escolhiam o nome do novo ser e só o davam a conhecer no momento do batismo. Em casa, a mãe esperava ansiosa por saber que nome fora dado ao seu menino ou à sua menina.
À saída da Igreja, o sino repicava à festa e os garotos corriam atrás do cortejo, a apanhar rebuçados que os padrinhos atiravam.
Chegados a casa, a mãe podia finalmente tratar o seu bebé pelo nome. Às vezes, para ela, a festa ficava estragada, ao imaginar que o seu mais querido ser teria de carregar toda a vida com um nome tão detestável. Mas que remédio!
Não foi o meu caso. Chamo-me José, porque sou afilhado do meu tio José Candeias. Não herdei nenhum dos nomes mais comuns da família: António, João, Guilherme, Francisco… Mas já havia tios José e, ter em casa um filho com nome bíblico, dava sempre jeito!
Texto composto a partir da recolha de Maria Isabel dos Santos Teodoro, trabalho manuscrito, Escola Secundária de Alcains, 1985.
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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Venho pedir à menina…
Os rapazes trabalhavam quase todos à jorna. Depois de largarem, confluíam para a fonte e ali ficavam, em roda, enxadas e sachos de lado, a comer as merendas. Só faltavam as raparigas, a razão daquele ajuntamento. Elas chegavam, com o cântaro debaixo do braço. Vinham à água para a ceia, a mando das mães.
À passagem de uma moça, atiravam-se as boas tardes ou uns piropos, a espreitar um brilhozinho no olhar ou um sorriso reprimido. Ela não parava, direita à bica da água. O interessado seguia-a, chamava-a, na esperança de um estugar dos passos, de um virar de cabeça, de umas palavras mais. Se a rapariga dava esperanças ou porque o rapaz era dos afoitos, ele atirava à moça:
“Por que venho, venho
E porque digo, digo
Venho dizer à menina
Se quer casar comigo”
A resposta adivinhava-se pela reação da pretendida, não por palavras, que não ficavam bem, ali, a uma moça com juízo. Isso seria mais tarde, noutro tempo e noutro local, se ela aceitasse passar aos rituais seguintes.
Em terra de filarmónica, também se faziam serenatas. Músico ou não, o pretendente podia rodear-se de amigos que soubessem tocar os instrumentos da banda ou outros. À noite, em frente à casa da sua amada, cantavam e tocavam, tentando derreter aquele coração empedernido.
Com muita lábia e passadas se chegava ao namoro, se os dois estivessem para aí virados. Primeiro na rua, para se conhecerem melhor e dar tempo à vizinhança e à família. Se o amor resistisse a este primeiro teste de controlo social, o rapaz pedia licença aos pais da namorada, para começar a namorar em casa dela. Mas sempre vigiada pelos irmãos mais novos ou pela mãe. E o namoro não se arrastava até tarde, para que a rapariga não ficasse falada.
Se o rapaz fosse de fora, pagava um cântaro de vinho, tremoços e sardinhas assadas, aos rapazes solteiros de São Vicente. Fazia-se uma patuscada e o forasteiro era aceite na comunidade.
Quem namora quer casar e por isso, rapaz e rapariga, cada um por seu lado, tratava de arranjar o que era costume cada um levar. Precisava-se, no mínimo, de um ano. O rapaz tinha de poupar dinheiro para comprar as mobílias do quarto (cama) e da sala (mesa e cadeiras). À rapariga, cabia a mobília da cozinha (cantareira, bancos, masseira, tabuleiro) e o enxoval (lençóis, fronhas, travesseiros, mantas, toalhas de rosto e de mesa), com a respectiva arca.
Numa casa de lavoura, a família plantava o linho, trabalhava-o até ser fio que a noiva tecia no tear da loja. As peças de pano de linho eram depois cortadas, cosidas e bordadas. As mantas faziam-se com fitas de panos velhos, também no tear.
Cerca de três meses antes do casamento, os pais do noivo iam a casa dos pais da noiva a pedir a mão da rapariga para o filho e a combinar a boda. Quantos convidados de cada parte, que cozinheira contratar, quantas reses e aves de capoeira seriam precisos e se comprados ou de produção própria. Tudo a meias. E o local da boda, em casa de um deles, se fosse grande, ou alugada.
Os convites faziam-se um mês antes do casamento e, na última semana, as duas famílias mobilizavam-se na feitura de bolos e doces: biscoitos, bolos de leite, esquecidos, cavacas e pães-de-ló. Eram para oferecer aos não convidados (vizinhos, amigos e pessoas ricas), agregando-os também à festa. O retorno esperado eram prendas para os noivos.
E chegava o dia do casamento. O noivo, acompanhado pelos convidados, dirigia-se à casa da noiva, onde era aguardado por ela e pelos seus convidados. Depois, em cortejo, seguiam para a Igreja, ele com a madrinha e ela com o padrinho.
O noivo vestia fato preto, camisa branca, gravata cinzenta, lenço branco no bolso do casaco e chapéu. A noiva trajava de fato de saia e casaco, preto ou de outra cor, ou vestido, que não tinha de ser branco, xaile e lenço na cabeça ou véu.
A cerimónia podia incluir missa ou não, conforme fosse dia de semana ou domingo. À saída da Igreja, saudavam-se os noivos com pétalas de flores.
Seguia-se a boda e as iguarias eram de estalo:
- Canja
- Carne assada e guisada
- Bifes com batatas fritas
- Arroz com carne
- Iscas de fígado
- Pastéis de carne
- Arroz-doce
- Vinho
- Chá
- Doces
Era o tirar a barriga de misérias, em tempos de muitas carências.
E começava uma nova vida, gerando outras, muitas vidas.
A foto é de um casamento na Meimoa (Penamacor), em 1933. Embora não pareça, a noiva tinha apenas 24 anos!
Em São Vicente da Beira, os jovens já se casavam por amor, na primeira metade do século XX. Os meus pais, António Teodoro e Maria da Luz (Prata), casaram há precisamente 60 anos, tal como Luís Rodrigues (Prata) e Tomázia da Conceição e ainda Joaquim Leitão e Emília Rosalina do Casal da Serra. O dia 30 de Dezembro calhou num sábado, em 1950. Só puderam casar depois do Natal, pois no Advento não se realizavam casamentos.
Esta crónica é uma homenagem aos pais e avós que viveram os rituais de amor aqui descritos.
Texto composto a partir da recolha de Maria Isabel dos Santos Teodoro, trabalho manuscrito, Escola Secundária de Alcains, 1985.
À passagem de uma moça, atiravam-se as boas tardes ou uns piropos, a espreitar um brilhozinho no olhar ou um sorriso reprimido. Ela não parava, direita à bica da água. O interessado seguia-a, chamava-a, na esperança de um estugar dos passos, de um virar de cabeça, de umas palavras mais. Se a rapariga dava esperanças ou porque o rapaz era dos afoitos, ele atirava à moça:
“Por que venho, venho
E porque digo, digo
Venho dizer à menina
Se quer casar comigo”
A resposta adivinhava-se pela reação da pretendida, não por palavras, que não ficavam bem, ali, a uma moça com juízo. Isso seria mais tarde, noutro tempo e noutro local, se ela aceitasse passar aos rituais seguintes.
Em terra de filarmónica, também se faziam serenatas. Músico ou não, o pretendente podia rodear-se de amigos que soubessem tocar os instrumentos da banda ou outros. À noite, em frente à casa da sua amada, cantavam e tocavam, tentando derreter aquele coração empedernido.
Com muita lábia e passadas se chegava ao namoro, se os dois estivessem para aí virados. Primeiro na rua, para se conhecerem melhor e dar tempo à vizinhança e à família. Se o amor resistisse a este primeiro teste de controlo social, o rapaz pedia licença aos pais da namorada, para começar a namorar em casa dela. Mas sempre vigiada pelos irmãos mais novos ou pela mãe. E o namoro não se arrastava até tarde, para que a rapariga não ficasse falada.
Se o rapaz fosse de fora, pagava um cântaro de vinho, tremoços e sardinhas assadas, aos rapazes solteiros de São Vicente. Fazia-se uma patuscada e o forasteiro era aceite na comunidade.
Quem namora quer casar e por isso, rapaz e rapariga, cada um por seu lado, tratava de arranjar o que era costume cada um levar. Precisava-se, no mínimo, de um ano. O rapaz tinha de poupar dinheiro para comprar as mobílias do quarto (cama) e da sala (mesa e cadeiras). À rapariga, cabia a mobília da cozinha (cantareira, bancos, masseira, tabuleiro) e o enxoval (lençóis, fronhas, travesseiros, mantas, toalhas de rosto e de mesa), com a respectiva arca.
Numa casa de lavoura, a família plantava o linho, trabalhava-o até ser fio que a noiva tecia no tear da loja. As peças de pano de linho eram depois cortadas, cosidas e bordadas. As mantas faziam-se com fitas de panos velhos, também no tear.
Cerca de três meses antes do casamento, os pais do noivo iam a casa dos pais da noiva a pedir a mão da rapariga para o filho e a combinar a boda. Quantos convidados de cada parte, que cozinheira contratar, quantas reses e aves de capoeira seriam precisos e se comprados ou de produção própria. Tudo a meias. E o local da boda, em casa de um deles, se fosse grande, ou alugada.
Os convites faziam-se um mês antes do casamento e, na última semana, as duas famílias mobilizavam-se na feitura de bolos e doces: biscoitos, bolos de leite, esquecidos, cavacas e pães-de-ló. Eram para oferecer aos não convidados (vizinhos, amigos e pessoas ricas), agregando-os também à festa. O retorno esperado eram prendas para os noivos.
E chegava o dia do casamento. O noivo, acompanhado pelos convidados, dirigia-se à casa da noiva, onde era aguardado por ela e pelos seus convidados. Depois, em cortejo, seguiam para a Igreja, ele com a madrinha e ela com o padrinho.
O noivo vestia fato preto, camisa branca, gravata cinzenta, lenço branco no bolso do casaco e chapéu. A noiva trajava de fato de saia e casaco, preto ou de outra cor, ou vestido, que não tinha de ser branco, xaile e lenço na cabeça ou véu.
A cerimónia podia incluir missa ou não, conforme fosse dia de semana ou domingo. À saída da Igreja, saudavam-se os noivos com pétalas de flores.
Seguia-se a boda e as iguarias eram de estalo:
- Canja
- Carne assada e guisada
- Bifes com batatas fritas
- Arroz com carne
- Iscas de fígado
- Pastéis de carne
- Arroz-doce
- Vinho
- Chá
- Doces
Era o tirar a barriga de misérias, em tempos de muitas carências.
E começava uma nova vida, gerando outras, muitas vidas.
A foto é de um casamento na Meimoa (Penamacor), em 1933. Embora não pareça, a noiva tinha apenas 24 anos!
Em São Vicente da Beira, os jovens já se casavam por amor, na primeira metade do século XX. Os meus pais, António Teodoro e Maria da Luz (Prata), casaram há precisamente 60 anos, tal como Luís Rodrigues (Prata) e Tomázia da Conceição e ainda Joaquim Leitão e Emília Rosalina do Casal da Serra. O dia 30 de Dezembro calhou num sábado, em 1950. Só puderam casar depois do Natal, pois no Advento não se realizavam casamentos.
Esta crónica é uma homenagem aos pais e avós que viveram os rituais de amor aqui descritos.
Texto composto a partir da recolha de Maria Isabel dos Santos Teodoro, trabalho manuscrito, Escola Secundária de Alcains, 1985.
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quinta-feira, 1 de abril de 2010
Os Martírios
Cantavam-se no escuro da noite, no tempo em que ainda não havia electricidade. Um grupo de pessoas, homens e mulheres, param nos locais de onde se podem ouvir bem, em toda a povoação, e cantam em coro. No passado, às vezes eram acompanhados por um pífaro.
Habitualmente, os locais são a Fonte Velha, a Praça, a Corredoura, (entroncamento com a Rua do Eiró e/ou com a Rua da Cruz), o cruzamento da Rua Velha com a Rua Nicolau Veloso, a Fonte de Santo António e o Calvário. A escolha dos locais depende do gosto dos cantores, mas o Calvário é fixo, pois ali terminam os Martírios, à meia noite. Em cada paragem, entoam-se três ou quatro estrofes.
Corredoura, no entroncamento com a Rua do Eiró. Era aqui que, nos anos 70, começávamos a cantar os Martírios. Subíamos as escadas e cantávamos de frente para a povoação. Acompanhavam-me o Ernesto Hipólito (o maestro), o Francisco Barroso, o Joaquim Trindade, o João Maria e outros.
Bendito e louvado seja
A Paixão do Redentor
P´ra nos livrar das culpas
Que morreu pelo nosso amor
Sofreu tão grandes tormentos
Duros martírios na cruz
P´ra nos livrar das culpas
Morreu por nós ó Jesus
Vossos divinos cabelos
Em sangue foram ensopados
Sangue que foi remido
Pelos nossos feios pecados
Vossos divinos cabelos
São mais finos que o próprio ouro
De onde ele tem a raiz
Tem a minha alma o tesouro
Vosso divino nome
É Jesus de Nazaré
Quero viver e morrer
Pela Vossa santa fé
Vossa santa cabeça
Coroa de espinhos cravados
Por grandes dores incríveis
Fontes de sangue derramaram
Vossos divinos olhos
Sofreram lágrimas internas
P´ra livrar as nossas almas
Do fogo e penas eternas
Vosso divino nariz
É um lindo diamante
É o cravo mais bonito
Que se cria no mirante
Vossa divina boca
Vinagre e fel amargoso provou
Poupando as nossas almas
Do castigo eterno horroroso
Vossas divinas faces
Sofreram mil bofetadas
Por duros ferros algares
Escarnecidas pisadas
Vossos sagrados ouvidos
Estão ouvindo os meus pecados
E lá, no dia do Juízo
Eles serão perdoados
O vosso puríssimo rosto
Cheio de escarros nojentos
Por nossos duros pecados
Senhor de tantos tormentos
O vosso divino pescoço
Grossas cordas o ligaram
De rua em rua com ele
Como réus o arrastaram
Vossos divinos ombros
Pesada cruz conduziu
De rua em rua com ele
Ainda mais chagas se abriram
As vossas mãos puras divinas
Pregadas nesse madeiro
Nele ficaste pendente
Bom Jesus verdadeiro
Os vossos divinos pés
Foram com ferros ofendidos
Mas foi rasgada a sentença
Contra milhões de perdidos
O vosso divino peito
Foi cruelmente rasgado
Todos nos dizem quanto horrendo
Quanto medonho é o pecado
Vossa sagrada cruz
É de pau de oliveira
É a rosa mais bonita
Que se cria na roseira
Quem me dera estar na fonte
Quando o Senhor pediu água
Eu lhe dera de beber
Dava-lhe bem a minha alma
Ó almas que tendes sede
Vinde ao Calvário beber
O Senhor tem cinco fontes
Todas cinco a correr
Ó almas que estais dormindo
Nesse sono tão profundo
Rezemos um Padre Nosso
Pelas almas do outro mundo
Estas duas últimas cantam-se no Calvário, onde terminam os Martírios.
É curioso que os momentos altos da religiosidade, em S. Vicente da Beira, sejam o Natal, a Páscoa e o Santo Cristo, nas festas de Verão. No primeiro, comemora-se o nascimento de Jesus e nos outros dois sofremos com a sua morte, para depois nos alegrarmos com a ressurreição. É Deus na sua humanidade que nós melhor entendemos, porque mais se parece connosco.
Recolha de Maria Isabel dos Santos Teodoro, trabalho manuscrito, Escola Secundária de Alcains, 1985
Habitualmente, os locais são a Fonte Velha, a Praça, a Corredoura, (entroncamento com a Rua do Eiró e/ou com a Rua da Cruz), o cruzamento da Rua Velha com a Rua Nicolau Veloso, a Fonte de Santo António e o Calvário. A escolha dos locais depende do gosto dos cantores, mas o Calvário é fixo, pois ali terminam os Martírios, à meia noite. Em cada paragem, entoam-se três ou quatro estrofes.
Corredoura, no entroncamento com a Rua do Eiró. Era aqui que, nos anos 70, começávamos a cantar os Martírios. Subíamos as escadas e cantávamos de frente para a povoação. Acompanhavam-me o Ernesto Hipólito (o maestro), o Francisco Barroso, o Joaquim Trindade, o João Maria e outros.
Bendito e louvado seja
A Paixão do Redentor
P´ra nos livrar das culpas
Que morreu pelo nosso amor
Sofreu tão grandes tormentos
Duros martírios na cruz
P´ra nos livrar das culpas
Morreu por nós ó Jesus
Vossos divinos cabelos
Em sangue foram ensopados
Sangue que foi remido
Pelos nossos feios pecados
Vossos divinos cabelos
São mais finos que o próprio ouro
De onde ele tem a raiz
Tem a minha alma o tesouro
Vosso divino nome
É Jesus de Nazaré
Quero viver e morrer
Pela Vossa santa fé
Vossa santa cabeça
Coroa de espinhos cravados
Por grandes dores incríveis
Fontes de sangue derramaram
Vossos divinos olhos
Sofreram lágrimas internas
P´ra livrar as nossas almas
Do fogo e penas eternas
Vosso divino nariz
É um lindo diamante
É o cravo mais bonito
Que se cria no mirante
Vossa divina boca
Vinagre e fel amargoso provou
Poupando as nossas almas
Do castigo eterno horroroso
Vossas divinas faces
Sofreram mil bofetadas
Por duros ferros algares
Escarnecidas pisadas
Vossos sagrados ouvidos
Estão ouvindo os meus pecados
E lá, no dia do Juízo
Eles serão perdoados
O vosso puríssimo rosto
Cheio de escarros nojentos
Por nossos duros pecados
Senhor de tantos tormentos
O vosso divino pescoço
Grossas cordas o ligaram
De rua em rua com ele
Como réus o arrastaram
Vossos divinos ombros
Pesada cruz conduziu
De rua em rua com ele
Ainda mais chagas se abriram
As vossas mãos puras divinas
Pregadas nesse madeiro
Nele ficaste pendente
Bom Jesus verdadeiro
Os vossos divinos pés
Foram com ferros ofendidos
Mas foi rasgada a sentença
Contra milhões de perdidos
O vosso divino peito
Foi cruelmente rasgado
Todos nos dizem quanto horrendo
Quanto medonho é o pecado
Vossa sagrada cruz
É de pau de oliveira
É a rosa mais bonita
Que se cria na roseira
Quem me dera estar na fonte
Quando o Senhor pediu água
Eu lhe dera de beber
Dava-lhe bem a minha alma
Ó almas que tendes sede
Vinde ao Calvário beber
O Senhor tem cinco fontes
Todas cinco a correr
Ó almas que estais dormindo
Nesse sono tão profundo
Rezemos um Padre Nosso
Pelas almas do outro mundo
Estas duas últimas cantam-se no Calvário, onde terminam os Martírios.
É curioso que os momentos altos da religiosidade, em S. Vicente da Beira, sejam o Natal, a Páscoa e o Santo Cristo, nas festas de Verão. No primeiro, comemora-se o nascimento de Jesus e nos outros dois sofremos com a sua morte, para depois nos alegrarmos com a ressurreição. É Deus na sua humanidade que nós melhor entendemos, porque mais se parece connosco.
Recolha de Maria Isabel dos Santos Teodoro, trabalho manuscrito, Escola Secundária de Alcains, 1985
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sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
Projecto NINHO
É um projecto de Miguel Carvalhinho, um músico desta nossa Beira, a residir no Ninho do Açor.
O CD já está à venda e o espectáculo é amanhã, 23 de Janeiro, às 21.30h, no Cine-Teatro Avenida, em Castelo Branco.
Os músicos que produziram o CD e vão estar em palco são da Escola Superior de Artes de Castelo Branco.
O Jornal do Fundão (07/01/2010) entrevistou Miguel Carvalhinho:
«Como a nossa linha de investigação prevê a comparação e a interacção entre os povos, perceber o que se passou em termos de música ao longo dos tempos, decidimos trabalhar em oito povoações da Gardunha, para tentar saber até que ponto existem músicas comuns ou não. Trabalhei assim em Alpedrinha, Soalheira, Castelo Novo, Casal da Serra, Louriçal do Campo, São Vicente da Beira, Souto da Casa e Alcongosta.»
E continua:
«Sabe-se que existiam músicas para determinados tipos de funções… cantava-se até para matar a fome. Por exemplo, músicas que tenham a ver com a Nossa Senhora da Serra ou das Necessidades ou da Orada, têm muito a ver com um cântico que se canta em todo o lado que é o Cântico da Aleluia, no sábado que antecede o domingo de Páscoa. Tinha acabado a penitência e o jejum.»
Os interessados em adquirir o CD (10 euros) devem fazê-lo através do endereço de correio electrónico: migcarva@gmail.com.
Ouçam o 1.º tema ("Viradinho ao Norte"), no Reconquista de hoje (22/01/2010) ou em www.myspace.com/ninhomusica
Ainda não conheço a versão da Senhora da Orada, das Necessidades ou da Serra que vem no CD, mas tem razão Miguel Carvalhinho.
Tentem cantar o poema que se segue, com a música de José Afonso, Oh! Que calma vai caindo, recolhida em Malpica do Tejo e publicada no album Contos Velhos, Rumos Novos, de 1969.
É a mesma música, cantada em duas povoações que distam entre si cerca de 60 quilómetros, com letras diferentes:
Ó que calma vai caindo
Ai, para quem anda no campo
Meu amor que por lá andas
Ai, enconsta-te o lírio branco
Abaixa-te ó serra alta
Ai, que eu quero ver a Lardosa
Quero ver o meu amor
Ai, que anda na folha da rosa
Abaixa-te o serra alta
Ai, que eu quero ver o Fundão
Quero ver o meu amor
Ai, que anda na ceifa do pão
ó Idanha, ó Idanha
Ó Idanha roubadora
Se tu nunca fosses Idanha
Ai, nunca o meu amor lá fora
Era um canto de trabalho, das mulheres que andavam na sacha do milho ou na ceifa do pão. Ainda se cantava nos campos da nossa terra, nos anos 70.
Recolha de Maria Isabel dos Santos Teodoro, trabalho manuscrito, Escola Secundária de Alcains, 1985
sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
Cantar as Janeiras
Finda a ceia, sai-se para o negro enregelado da noite, ao encontro dos que também querem desejar um bom ano novo aos vizinhos da terra.
Cada um leva o que tem: uma pandeireta, um realejo ou tão só a voz, que é quanto basta.
Gorra ou boné para os homens, e o casaco mais quente, com a gola levantada. As mulheres embrulham-se nos casacos, meias grossas nas pernas e xailes pelas cabeças.
Acertam as quadras, combinam quem começa e avança-se.
Antes de cada porta, adapta-se a letra às pessoas que ali moram. Se forem muitas, improvisam-se mais umas estrofes. E começam:
Glória a Deus dizem os Anjos
Todos cheios de alegria
Já nasceu o Deus Menino
Filha da Virgem Maria
Este é o refrão, que depois se repete no fim de cada quadra. Primeiro, recorda-se o Natal ainda fresco, também ele a anunciar um tempo novo:
S. José se levantou
Uma vela se acendeu
P´ra adorar o Deus Menino
Que à meia-noite nasceu
Depois, saúdam-se os da casa:
De quem é aquele chapéu
Que além está dependurado?
Ai é do senhor …
Que é um homem muito honrado
De quem é aquele anel
Que além está a reluzir?
Ai é da senhora …
Que para o céu vai a subir
De quem é aquela tesoura
Que está naquela cadeira?
Ai é da menina …
Que é uma grande costureira
Menina …
Meu raminho de salsa crua
Quando sai da sua casa
Alumia toda a rua
Viva lá menina …
Meu raminho de oliveira
Ainda anda neste mundo
Já no céu tem a cadeira
São estas ou outras quadras, ao gosto dos cantores. Família lisonjeada, é hora de pedir a paga:
Levante-se senhora …
Desse banco de cortiça
Venha-nos dar as Janeiras
Uma morcela ou uma chouriça
Levante-se senhor …
Desse banco de prata
Venha-nos dar as Janeiras
Que está um frio que mata
Esta em desespero, pois as caras já avermelham, queimadas do frio, e os pingos quase gelam nos narizes. Em desespero, para apressar quem de dentro não se decide.
Abre-se finalmente a porta e convidam-se os cantores a entrar. A dona da casa passa um prato de filhoses pelo grupo, enquanto espreita uma chouriça que esguicha nas brasas do lume. O homem, armado de garrafão e copos, roda pelos homens, a molhar-lhes a garganta. Um chazinho quente também ajuda quem vai voltar para a noite invernal.
Então agradece-se:
Esta casa está caiada
Do telhado até ao chão (Do cimo até ao chão)
Aos senhores que nela moram (...que aqui moram)
Deus lhes dê (deia) a salvação
Despedida, despedida
Despedida vamos dar
Deus queira que para o ano
Cá tornemos a voltar
Alguém não abre a porta. Não tem o que dar, comida, bebida ou amizade. Os cantores pagam-lhes na mesma moeda:
Trinca martelos
E torna a trincar
Este barbas de chibo (...de farelos)
Não tem nada p´ra nos dar
Eram assim as Janeiras, em S. Vicente da Beira. Nos meados do século passado, por vezes, alguns músicos da Banda Filarmónica juntavam-se aos cantores e elevavam o nível artístico.
Não tenho recordações das Janeiras. Nem na Tapada da minha infância, nem no Seminário da minha adolescência elas se cantavam.
Esta recolha foi realizada por Maria Isabel dos Santos Teodoro, junto de pessoas da nossa terra que costumavam cantar as Janeiras.
Com estas e muitas outras tradições, fez um trabalho escolar manuscrito. Corria o ano de 1985 e frequentava a Escola Secundária de Alcains.
Cada um leva o que tem: uma pandeireta, um realejo ou tão só a voz, que é quanto basta.
Gorra ou boné para os homens, e o casaco mais quente, com a gola levantada. As mulheres embrulham-se nos casacos, meias grossas nas pernas e xailes pelas cabeças.
Acertam as quadras, combinam quem começa e avança-se.
Antes de cada porta, adapta-se a letra às pessoas que ali moram. Se forem muitas, improvisam-se mais umas estrofes. E começam:
Glória a Deus dizem os Anjos
Todos cheios de alegria
Já nasceu o Deus Menino
Filha da Virgem Maria
Este é o refrão, que depois se repete no fim de cada quadra. Primeiro, recorda-se o Natal ainda fresco, também ele a anunciar um tempo novo:
S. José se levantou
Uma vela se acendeu
P´ra adorar o Deus Menino
Que à meia-noite nasceu
Depois, saúdam-se os da casa:
De quem é aquele chapéu
Que além está dependurado?
Ai é do senhor …
Que é um homem muito honrado
De quem é aquele anel
Que além está a reluzir?
Ai é da senhora …
Que para o céu vai a subir
De quem é aquela tesoura
Que está naquela cadeira?
Ai é da menina …
Que é uma grande costureira
Menina …
Meu raminho de salsa crua
Quando sai da sua casa
Alumia toda a rua
Viva lá menina …
Meu raminho de oliveira
Ainda anda neste mundo
Já no céu tem a cadeira
São estas ou outras quadras, ao gosto dos cantores. Família lisonjeada, é hora de pedir a paga:
Levante-se senhora …
Desse banco de cortiça
Venha-nos dar as Janeiras
Uma morcela ou uma chouriça
Levante-se senhor …
Desse banco de prata
Venha-nos dar as Janeiras
Que está um frio que mata
Esta em desespero, pois as caras já avermelham, queimadas do frio, e os pingos quase gelam nos narizes. Em desespero, para apressar quem de dentro não se decide.
Abre-se finalmente a porta e convidam-se os cantores a entrar. A dona da casa passa um prato de filhoses pelo grupo, enquanto espreita uma chouriça que esguicha nas brasas do lume. O homem, armado de garrafão e copos, roda pelos homens, a molhar-lhes a garganta. Um chazinho quente também ajuda quem vai voltar para a noite invernal.
Então agradece-se:
Esta casa está caiada
Do telhado até ao chão (Do cimo até ao chão)
Aos senhores que nela moram (...que aqui moram)
Deus lhes dê (deia) a salvação
Despedida, despedida
Despedida vamos dar
Deus queira que para o ano
Cá tornemos a voltar
Alguém não abre a porta. Não tem o que dar, comida, bebida ou amizade. Os cantores pagam-lhes na mesma moeda:
Trinca martelos
E torna a trincar
Este barbas de chibo (...de farelos)
Não tem nada p´ra nos dar
Eram assim as Janeiras, em S. Vicente da Beira. Nos meados do século passado, por vezes, alguns músicos da Banda Filarmónica juntavam-se aos cantores e elevavam o nível artístico.
Não tenho recordações das Janeiras. Nem na Tapada da minha infância, nem no Seminário da minha adolescência elas se cantavam.
Esta recolha foi realizada por Maria Isabel dos Santos Teodoro, junto de pessoas da nossa terra que costumavam cantar as Janeiras.
Com estas e muitas outras tradições, fez um trabalho escolar manuscrito. Corria o ano de 1985 e frequentava a Escola Secundária de Alcains.
sexta-feira, 15 de maio de 2009
Nossa Senhora da Orada
A romaria é já no próximo fim de semana. Há que combinar a merenda e treinar as cantigas!
Nossa Senhora d´Orada
P´ra lá vou eu agora
Meu coração cada dia
Minha alma a toda a hora
Nossa Senhora d´Orada
O Vosso sino não soa.
Mandai vir um depressa
Da cidade de Lisboa.
Nossa Senhora d´Orada
Vossa capela cheira
Cheira a cravo, cheira a rosa
Cheira a flor de laranjeira
Nossa Senhora d´Orada
Quem vos varreu a capela
Foram as moças de São Vicente
Com um ramo de marcela
Nossa Senhora d´Orada
Quem vos varreu o terreiro
Foram as moças de São Vicente
Com um ramo de loureiro
Nossa Senhora d´Orada,
Que vive ao pé da serra
É a estrela mais brilhante
Que temos na nossa terra.
Nossa Senhora d´Orada,
Vinde abaixo à ribeira
A ver a mocidade
De São Vicente da Beira.
Nossa Senhora d´Orada,
Tem uma ´strela na testa
Que lhe puseram os pastores
No dia da sua festa.
Nossa Senhora d´Orada,
Tem uma estrela no manto
Que lha puseram os pastores
No dia do Espírito Santo
Nossa Senhora d´Orada
Meu coração lá me fica
Preso ao Vosso altar
Com vara e meia de fita.
Nossa Senhora d´Orada,
O Vosso terreiro é chão.
Este ano está de relva
Mas para o ano dará pão.
Nossa Senhora d´Orada
Vossa água tem virtude.
Com ela tantos doentes
Recuperam a saúde!
Nossa Senhora d´Orada
Tem um sino no telhado,
Para chamar os pastores
Que andam na serra com o gado.
Nossa Senhora d´Orada
Meu coração lá me fica
Preso ao Vosso altar
Com vara e meia de fita.
Nossa Senhora d´Orada
As costas Vos vou virando,
Minha boca se vai rindo
E os olhos cá vão chorando.
Recolha de João Caldeira dos Reis Couto, José Teodoro Prata e Maria Isabel dos Santos Teodoro.
Eu e a minha irmã Eulália, com o cabaz da merenda, nos Carqueijais, a caminho da Senhora da Orada, em 1976.
Nossa Senhora d´Orada
P´ra lá vou eu agora
Meu coração cada dia
Minha alma a toda a hora
Nossa Senhora d´Orada
O Vosso sino não soa.
Mandai vir um depressa
Da cidade de Lisboa.
Nossa Senhora d´Orada
Vossa capela cheira
Cheira a cravo, cheira a rosa
Cheira a flor de laranjeira
Nossa Senhora d´Orada
Quem vos varreu a capela
Foram as moças de São Vicente
Com um ramo de marcela
Nossa Senhora d´Orada
Quem vos varreu o terreiro
Foram as moças de São Vicente
Com um ramo de loureiro
Nossa Senhora d´Orada,
Que vive ao pé da serra
É a estrela mais brilhante
Que temos na nossa terra.
Nossa Senhora d´Orada,
Vinde abaixo à ribeira
A ver a mocidade
De São Vicente da Beira.
Nossa Senhora d´Orada,
Tem uma ´strela na testa
Que lhe puseram os pastores
No dia da sua festa.
Nossa Senhora d´Orada,
Tem uma estrela no manto
Que lha puseram os pastores
No dia do Espírito Santo
Nossa Senhora d´Orada
Meu coração lá me fica
Preso ao Vosso altar
Com vara e meia de fita.
Nossa Senhora d´Orada,
O Vosso terreiro é chão.
Este ano está de relva
Mas para o ano dará pão.
Nossa Senhora d´Orada
Vossa água tem virtude.
Com ela tantos doentes
Recuperam a saúde!
Nossa Senhora d´Orada
Tem um sino no telhado,
Para chamar os pastores
Que andam na serra com o gado.
Nossa Senhora d´Orada
Meu coração lá me fica
Preso ao Vosso altar
Com vara e meia de fita.
Nossa Senhora d´Orada
As costas Vos vou virando,
Minha boca se vai rindo
E os olhos cá vão chorando.
Recolha de João Caldeira dos Reis Couto, José Teodoro Prata e Maria Isabel dos Santos Teodoro.
Eu e a minha irmã Eulália, com o cabaz da merenda, nos Carqueijais, a caminho da Senhora da Orada, em 1976.
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