Namoros antigos
Como é que começámos a namorar? Olhe que já lá vão uma
tormenta d’anos, mas ainda me alembro como se fosse hoje.
Andava com o meu pai a fazer aquela casa além em cima e
via-a passar para a fonte ou a caminho da horta, com a cesta enfiada no braço.
Havia dias que abalava logo de manhã, com um molho de mantas à cabeça, e só
voltava já rente ao sol-posto. Assim que a via aparecer ao fundo da rua, até
parece que o coração me queria saltar do peito e já nem as pedras assentavam
como devia ser, umas em cima das outras. Às vezes até me esquecia que o meu pai
podia ver e ficava parado a olhar e a sonhar que ainda um dia ela havia de ser
minha.
Era a rapariga mais linda das redondezas! Mas o diabo
é que ela tinha tanto de bonita como de arisca e, se calhava estar à porta ou à
janela quando eu passava, assim que me via arrecadava-se logo para dentro. De
modo que o tempo foi passando e não havia meio de arranjar maneira de chegar à
fala com ela. Um dia, já andávamos nas empenas, o meu pai volta-se para mim e
diz-me assim:
- Mas que raio de homem és tu que nem tens porte para pedir
namora à cachopa!
- Qual cachopa é que vossemecê diz?
- Atão eu não te tenho visto a olhar para aquela além?
E eu a julgar que ele ainda não tinha percebido nada…
- Vossemecê não está bom da cabeça! Onde é que me viu
a olhar p’ra ela?
- Não que não vejo… E olha que a rapariga até é bem
asadinha! E há de ser trabalhadora, que não pára, sempre numa fona de um lado
para o outro.
Passados uns dias, estava ela sentada à porta de casa.
- Estava a migar couves para as pitas.
Vê como ela também ainda se lembra dessa parte?
E eu já não aguentava mais. Peguei numa pedrinha e
atirei-a devagar, não fosse acerta-lhe na cabeça. Foi-lhe cair mesmo aos pés.
Deve-se ter assustado que olhou a toda a roda e, quando deu comigo lá em cima,
perguntou-me, a modos que zangada:
- O que é que tem que andar a atirar-me com pedras?
- Olhe que não fui eu! Ia lá agora atirar pedras a uma
rapariga tão linda…
- Se não foi vossemecê, deve ter sido o meu anjo da
guarda.
- Nunca se sabe…
Quando foi à noite, que largámos, passei-lhe à porta e
já não se escondeu. Dei-lhe a salvação e ela, ainda meio entre dentes:
- Vão lá com Deus.
Nos dias a seguir, sempre que a via, a mesma coisa; e
por fim até já dava um sorriso. E os olhos dela ficavam ainda mais lindos
quando se ria! Passados uns tempos, a um domingo, esperei-a à saída da missa e
acompanhei-a até à porta de casa. E mal arranjei maneira de começar esta
casinha para nos metermos cá dentro, pedi-a em casamento. Até hoje!
- Está a ver como as coisas são? Mal sabia eu que havia
de ser ele o meu Anjo da Guarda! E olhe que bem me tem valido, nas horas boas e
nas más, que também têm sido muitas…
- Então e não foi aquilo que prometemos um ao outro no
altar?
M.
L. Ferreira