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sábado, 30 de abril de 2016

Dia da Mãe

A Mãe, por Miguel Torga
Introdução
Para celebrar todas as Mães, lembrei-me deste poema do Miguel Torga, um dos grandes poetas deste país. Foi também contista, romancista, dramaturgo e ensaísta. É outro daqueles escritores com quem mais me identifico, já que era um homem ligado à terra, o que diz (ou devia dizer) muito a quantos nascem no interior de Portugal, mais perto da montanha, das plantas e dos ribeiros! O escritor era médico em Coimbra, onde estudou e onde ainda tive o privilégio de o conhecer em vida.
Sempre fez questão de celebrar a sua origem rústica de transmontano. Prova disso é que tendo, pelo batismo, o nome de Adolfo Rocha, veio a adotar, enquanto homem de letras, o nome de Miguel Torga. E, como se sabe, torga, é a raiz da urze com que se fazia o carvão. O que diz bem da intenção de não ser apenas português por ter nascido em Portugal, como ter no solo pátrio mergulhadas as suas raízes. E fê-lo, de maneira emblemática, através de uma planta (dita) pouco nobre. O que também revela a sua humildade e vontade de continuar, simbolicamente, unido às montanhas da sua aldeia, onde ia de tempos a tempos, matar saudades e até caçar.     
Homem, portanto, de grande apego à ruralidade que se deixava entrever, diz quem com ele privou, nos seus modos e até – Oh! Natureza! – na sua figura telúrica de camponês, somos depois confrontados por uma alma, uma sensibilidade e uma inteligência que surpreende, atestadas pela sua poesia e escritos em geral.
Fiquem, então, com este extraordinário poema à Mãe, no momento em que ela lhe faltou para sempre.
José Barroso
Mãe
Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu, 
Que ficaste insensível e gelada? 
Que todo o teu perfil se endureceu 
Numa linha severa e desenhada? 


Como as estátuas, que são gente nossa 
Cansada de palavras e ternura, 
Assim tu me pareces no teu leito. 
Presença cinzelada em pedra dura, 
Que não tem coração dentro do peito.



Chamo aos gritos por ti — não me respondes. 
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio. 
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes 
Por detrás do terror deste vazio. 



Mãe: 
Abre os olhos ao menos, diz que sim! 
Diz que me vês ainda, que me queres. 
Que és a eterna mulher entre as mulheres. 
Que nem a morte te afastou de mim! 

Miguel Torga, in 'Diário IV'