As eleições para a Assembleia de Freguesia trouxeram-me à lembrança a minha experiência autárquica.
Estávamos no início da década de 80 e a lista ganhadora era a do PSD+CDS, encabeçada pelo Ernesto Hipólito, pois o Francisco Alves, anterior Presidente da Junta, candidatava-se à Câmara.
Eu concorri pela APU, antiga CDU, tentando juntar numa única lista os votantes da UDP, de que eu saíra recentemente, e do Partido Comunista. Elegemos dois elementos, eu e o Sr. Artur, o taxista de S. Vicente, naqueles tempos.
No primeiro ano, procurei cumprir as minhas obrigações de representante do povo: falava com as pessoas e levava as suas propostas às reuniões da Assembleia de Freguesia.
Num desses encontros, em casa do Sr. Adriano, na Rua de S. Sebastião, fiquei a saber que, em pleno Verão Quente de 1975, só não levara uma sova à porta do Barracão porque era filho do meu pai.
Havia uma reunião de pessoas de S. Vicente com funcionários do Ministério da Agricultura, a fim de tratar da criação de uma cooperativa para explorar o cabeço do Padre Teodoro. Mas outras pessoas estavam interessadas na divisão do terreno em lotes, para cultivo individual. Essas foram à reunião e boicotaram-na antes de começar. E eu, que fora arregimentar alguns amigos para irmos apoiar a Reforma Agrária, só cheguei a tempo de cobrir de insultos os reaccionários. Valeu-me ser filho do povo, como se dizia nesse tempo do PREC.
Mas voltemos à Assembleia de Freguesia. Na reunião de Setembro, o jovem Tó Zé(António José Macedo) do Caldeira, então funcionário do Partido Comunista, pediu-me para apresentar à Assembleia uma moção contra as armas nucleares. Falou comigo, mas não com o Sr. Artur. Eu é que o informei da proposta do Partido, minutos antes da reunião, sentados no Pelourinho.
Apresentei a moção e fez-se a votação: 1 voto a favor (o meu), 1 contra (do Sr. Artur) e os restantes abstiveram-se. A moção não foi aprovada.
No final da reunião, o Tó Zé nem queria acreditar. O Sr. Artur, militante do Partido Comunista, não ia em pacifismos, mesmo que retóricos, e queria era uma URSS forte, para enfrentar o Mundo Capitalista!
Em finais de Dezembro, fez-se a reunião de balanço de um ano de mandato da Junta de Freguesia.
Não sei se li algures ou se me disseram, mas cheguei e pedi o relatório e contas do ano que terminava. O Presidente da Junta, o meu amigo Ernesto Hipólito, olhou-me com sincera surpresa, pelo pedido que eu acabava de fazer, pegou no dossier de facturas e outros papéis e passou-mo para as mãos. Eu folheei-o e, como não sabia o que fazer com ele, devolvi-lho, sem mais. Estava feito o balanço, com base na confiança mútua. Assim aprendemos a viver em democracia!
No ano seguinte, as coisas complicaram-se para mim. Fixara residência no concelho de Vila de Rei e, quando vinha de fim de semana, ficava em Cebolais de Cima e pouco vinha a S. Vicente. Perdi o contacto com a realidade local e faltei a algumas reuniões. Pedi para ser substituído, mas a CDU nunca o fez, não percebi porquê.
Assim acabou a minha experiência autárquica, sem honra nem glória. Mas não deixou de ser uma experiência positiva, que me trouxe alguns ensinamentos valiosos.