O diabo sabe muito porquê? Porque é
velho.
A manhã daquele domingo estava amena, na
praça ardia o que restava da fogueira, à sua volta pessoas amornavam as mãos,
sentados num banco alguns idosos cavaqueavam…
Aproximei-me e saudei-os.
- Está fresco.
- Não está mau, respondeu-me o senhor
José Madeira.
- O tempo anda áspero acrescentou o
senhor Aurélio Moreira.
- Ó cachopos, desde que nos roubaram o
concelho, a nossa terra nunca mais voltou a ser a mesma. A escola foi a melhor
coisa…- atalhou o senhor Sebastião Jerónimo.
- Quem é que construiu o primeiro campo
da bola, ripostei?
- Foi o Manuel da Silva e outros.
Resposta pronta do senhor Aurélio:
- O João de Sousa, o Barata “pai do
sorna”, o Manuel da Silva…foram dos primeiros jogadores; quem benzeu o campo da
bola foi o padre Santiago. Morava na casa do padre e músico (foi um bom padre),
era do Louriçal.
O José Duarte tomando a palavra disse:
- O padre Zé Antunes era como um
advogado, foi meu professor, do João Madeira…
- Falem-me da nossa banda.
José Madeira responde:
- O teu avô Manuel da cadeia tocava os
pratos; o ti Lúcio, bombo; o Joaquim Ribeiro tocava barítono; o Joaquim dos
Santos tocava requinta; o António Ferreiro tocava trompete; o Jaime Dias tocava
contrabaixo; o José Maria Lino tocava flauta e clarinete; “o caralheto” senhor
Elias tocava trombone; o Joaquim rato, fautim; o João Madeira, trombone; o João
Faustino, o João Craveiro…nessa altura havia muitos músicos e eram quase todos
sapateiros.
- O Joaquim Ribeiro, o ti Roldão, o António
da Silva, o Manuel da cadeia…foram os primeiros músicos, o Valério foi o
primeiro mestre.
- Na vila havia um alfaiate, Joaquim
Gabriel, morreu cedo, morava onde moram “as meninas”; fazia-se um bom mestre da
música…
- A ti Metilde (Matilde) era filha do
senhor Roldão que tocava caixa.
- O senhor Aristides foi um bom mestre
da música, era cantoneiro na estrada da Oles, o teu pai é que o substituiu.
- Antigamente havia nas ruas candeeiros
a petróleo, o presidente da Junta era o Manuel da Silva. O Tonho do ti Felipe,
assim que começava a anoitecer, andava com uma escada na mão e uma vasilha com
petróleo, para encher os candeeiros e depois acendia-os.
- E alumiavam alguma coisa!
- Ora se alumiavam, já era bem bom… - respondeu
o senhor Zé Madeira.
- Falem-me dos sapateiros.
- A maior sapataria era a dos Barrosos.
O mestre Eusébio, “um homem muito forte”, era a melhor faca para cortar, não
havia na Beira Baixa, irmão do senhor Emílio, este era mais para fazer carteiras;
era o pai do Zé Bito, do Toneca…
- Eu aprendi com o meu irmão João.
- Para os Barrosos trabalhavam muitos sapateiros:
o Tonho Maria, o António Ferreiro, o Ermegildo (era do Casal dos Paiáguas), o Barata,
pai do sorna, o Chalim, o João Ribeiro, o João Hipólito, o João Lopes, “homem
da ti Maria Joaquina”, o João de Matos, o senhor Roldão… eram todos bons.
Terra de sapateiros e alfaiates.
O senhor Aurélio há muito que estava com
vontade de falar e a certa altura diz:
- A casa que stá veréda para a praça, já
não sou capaz de encarrelhér, era do senhor Aurélio, o Cofáia era o cocheiro
dos machos; o senhor Aurélio era o meu padrinho; tinha um cofre muito grande,
um dia os ciganos roubaram-lho e abriram-no na fábrica.
- Ainda se lembram do trem?
- Servia para levar o senhor Aurélio e a
dona Bárbara para o Valouro. O primeiro carro que cá apareceu pertenceu ao
senhor Aurélio, tinha as rodas de pau, era ele que o conduzia, levava-o para o
Valouro; hoje valia uma fortuna. - atalhou o Zé Madeira.
Os Fredericos eram sapateiros também. Já
sabemos coisas do catano!
- Quem foi o Zé Raimundo?
- Era latoeiro, o senhor Fernando latoeiro
aprendeu com ele. Tiraram-no de casa porque não pagava a contribuição. Dormia
na praça, depois levaram-no para o cabanão e lá morreu…
- A taberna do Arrebotes antes era da ti
Maria Sarafana. Um ano houve muita fome, o César Vaz de Carvalho emprestava
milho, feijão…matou a fome a muita gente.
- No nosso tempo era uma desgraça;
colhia-se a azeitona ao oitavo e ao nono.
- No Vale Morena, para o Zé Lourenço, colhíamos
ao nono, diz o senhor Aurélio.
- No tempo das ceifas, alguns iam ao
campo ajustar as searas, combinavam com os donos a quantidade de semente que
deviam receber. Para além da semente, davam azeite, pão, queijo…
Perguntei ao senhor José Madeira se
gostou de estar na França.
- Era boa para se ganhar dinheiro. - respondeu.
- Ainda se lembram da fábrica?
- O meu irmão Adelino trabalhou lá, era
o maquinista. Era enorme, chegava ao cimo da barreira. Trabalhavam pelo menos
umas quinze pessoas ou mais. O senhor Fernando “pai do Manuel Diogo” é que
conduzia o camião. O senhor Manuel Bernardo tomava conta do pessoal. Faziam portas,
coisas de ferro… o Parrego aguçava as “sarras”. Eu era garoto, levava o almoço
ao meu irmão Adelino.
- O sargento Calmão era o encarregado.
Os donos eram os senhores Manuel Gonçalves e Joaquim Gonçalves. Por serem boas
pessoas é aquilo se foi abaixo. Também tinha uma moagem. Já lá vão setenta anos
ou mais.
- Olha, o Truta veio numa comédia, ficou
cá e trabalhou na fábrica!
- O carro que trazia o petróleo era puxado
por mulas, chegou a pontos de vir uma camioneta.
- O Pião e o irmão trabalharam no
comércio do senhor Adelino Patrício. O Pião subiu, ele desceu. As mulheres é
que deram cabo dele, iam à gaveta e tiravam o dinheiro que queriam, a loja era
ali. - Apontaram para a casa da Emília mouca.
O sino tocava a última, dei por
terminada esta conversa que foi feita na praça, no dia 27 de dezembro de 1998. Aos
senhores Aurélio Moreira, José Duarte, Jaime Martins, Sebastião Jerónimo,
Carlota Candeias e ao meu amigo José Madeira o meu bem-haja.
Antes de terminar, deixo dois
pensamentos de Santo Agostinho:
“A soberba não é grandeza, mas sim
inchaço, e o que está inchado parece grande, mas não está são. Necessitamos uns
dos outros para sermos nós mesmos.”
Um santo Natal e um ano 2016 cheio de
paz, tolerância e fraternidade.
J.M.S