Visitei, no passado sábado, a capela de São Pedro de Vir-a-Corça, no Carroqueiro, Monsanto. Contaram-me a lenda da capela, referida no texto abaixo, e surpreendi-me de ali ser uma corça a amamentar um bebé, tal como a donzela da nossa Orada foi amamentada por uma corça.
Contou-me
o ti´ Joaquim Teodoro, em 1990: «Um pai encontrou a filha grávida e, para
não a matar, levou-a para o sítio onde está a cruz. Havia lá uma cova e o pai
deixou-a lá. Por Deus apareceu uma corça e ela mamava a corça, mas vinha beber água
à fonte, atrás da capela.»
A corça era venerada pelos lusitanos, como a seguir se refere, o que localiza
a Senhora da Orada numa época remota, anterior ao Cristianismo e mesmo à
conquista romana da Hispânia.
Encontrei o texto que se segue na net, cuja riqueza torna desnecessário alongar
mais.
«Simbologia da Corça
A
corça está intimamente ligada à feminilidade. Por alguma razão, conhece-se
melhor a espécie pelo seu nome feminino – a corça, em detrimento do corço. Com
efeito, são várias as lendas europeias onde ela chega como salvadora pelo leite
que dá como alimento, até a humanos. Assim é com Genoveva de Bravante, uma
lenda de fundo germânico ou nórdico que discorre acerca de uma foragida,
falsamente acusada de infidelidade, que se exila num ermo nas Ardenas com o seu
filho, alimentado este pelo leite de uma corça que lá apareceu. Em Portugal, é
também o leite de uma corça que salva um bebé adotado por um homem em
Vir-a-Corça, junto a Monsanto. Ambas as lendas aludem ao papel materno do
mamífero, a fêmea que amamenta, a fonte da vida. Há teorias que defendem a
divinização da corça pelos lusitanos, assumindo até que Sertório, para cair nas
boas graças lusas, inventou que estes animais falavam com ele. Seria o
eremitismo tão conhecido nos corços que provocava um fascínio tal na mente
humana ao ponto de os ter como um reflexo divino? Não devemos esquecer, da
mesma forma, a corça na mitologia grega, com os seus chifres de ouro e pés de
bronze – é consagrada a Artémis (mais uma vez, uma mulher) e, segundo um
episódio mítico, foi nela que Taigete se transformou para escapar a Zeus, sendo
procurada depois por Héracles (ou Hércules, na versão romana) num dos seus doze
trabalhos de penitência. Houve igualmente, como com a maior parte dos animais
antes venerados por cá, uma tentativa de diabolização, sobretudo com a chegada
da mensagem cristã que pretendeu redirecionar os atos celestes para as Senhoras
e os Santos. A lenda da Nossa Senhora da Nazaré, por exemplo, põe D. Fuas
Roupinho atrás de uma corça (ou de um veado, depende da versão) com o seu
cavalo, para mais tarde se aperceber que esta era afinal uma reencarnação do
demónio.»
RICARDO BRAZ FRADE
https://www.portugalnummapa.com/corca/
José
Teodoro Prata