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sábado, 18 de novembro de 2023

A corça da Orada

Visitei, no passado sábado, a capela de São Pedro de Vir-a-Corça, no Carroqueiro, Monsanto. Contaram-me a lenda da capela, referida no texto abaixo, e surpreendi-me de ali ser uma corça a amamentar um bebé, tal como a donzela da nossa Orada foi amamentada por uma corça.

Contou-me o ti´ Joaquim Teodoro, em 1990: «Um pai encontrou a filha grávida e, para não a matar, levou-a para o sítio onde está a cruz. Havia lá uma cova e o pai deixou-a lá. Por Deus apareceu uma corça e ela mamava a corça, mas vinha beber água à fonte, atrás da capela

A corça era venerada pelos lusitanos, como a seguir se refere, o que localiza a Senhora da Orada numa época remota, anterior ao Cristianismo e mesmo à conquista romana da Hispânia.

Encontrei o texto que se segue na net, cuja riqueza torna desnecessário alongar mais.

«Simbologia da Corça

A corça está intimamente ligada à feminilidade. Por alguma razão, conhece-se melhor a espécie pelo seu nome feminino – a corça, em detrimento do corço. Com efeito, são várias as lendas europeias onde ela chega como salvadora pelo leite que dá como alimento, até a humanos. Assim é com Genoveva de Bravante, uma lenda de fundo germânico ou nórdico que discorre acerca de uma foragida, falsamente acusada de infidelidade, que se exila num ermo nas Ardenas com o seu filho, alimentado este pelo leite de uma corça que lá apareceu. Em Portugal, é também o leite de uma corça que salva um bebé adotado por um homem em Vir-a-Corça, junto a Monsanto. Ambas as lendas aludem ao papel materno do mamífero, a fêmea que amamenta, a fonte da vida. Há teorias que defendem a divinização da corça pelos lusitanos, assumindo até que Sertório, para cair nas boas graças lusas, inventou que estes animais falavam com ele. Seria o eremitismo tão conhecido nos corços que provocava um fascínio tal na mente humana ao ponto de os ter como um reflexo divino? Não devemos esquecer, da mesma forma, a corça na mitologia grega, com os seus chifres de ouro e pés de bronze – é consagrada a Artémis (mais uma vez, uma mulher) e, segundo um episódio mítico, foi nela que Taigete se transformou para escapar a Zeus, sendo procurada depois por Héracles (ou Hércules, na versão romana) num dos seus doze trabalhos de penitência. Houve igualmente, como com a maior parte dos animais antes venerados por cá, uma tentativa de diabolização, sobretudo com a chegada da mensagem cristã que pretendeu redirecionar os atos celestes para as Senhoras e os Santos. A lenda da Nossa Senhora da Nazaré, por exemplo, põe D. Fuas Roupinho atrás de uma corça (ou de um veado, depende da versão) com o seu cavalo, para mais tarde se aperceber que esta era afinal uma reencarnação do demónio.»

RICARDO BRAZ FRADE

https://www.portugalnummapa.com/corca/

José Teodoro Prata

domingo, 7 de fevereiro de 2016

O centurião Damião

Ó pai, porque é que chamam Fonte da Portela à mina que se encontra no caminho que vai para as vinhas.
- Os antigos diziam que é muito antiga, vem do tempo dos romanos.
Mas ó pai, que nome aquele:-Portela. - Haveria lá alguma porta pequena que a tapasse?
- Nada disso, aquela portela quer dizer passagem; foi o teu avô que me disse, ao lado está uma estrada - como tu sabes - era uma via romana que vinha da Egitânia, por sua vez fazia ligação a Mérida. No tempo dos romanos esta cidade chamava-se Emérita Augusta, daqui partiam vias que a ligavam a Roma que era a capital do império.


Ó pai, se todos os caminhos vão dar a Roma, quer dizer que o caminho da Fonte da Portela também lá ia dar.
- As coisas que tu sabes. Vamos para a mesa, o caldo está deitado. Que cheirinho, está a escaldar…
- Assopra.
- A propósito, um destes dias ao passar junto à fonte, sentei-me numa pedra, baixei-me para beber água e sabeis o que me aconteceu! Até tenho vergonha de contar, não me chamem maluco.
Conte pai, o que é que lhe aconteceu?
Fala homem; não te acanhes.
- Só se me prometerdes que não dizeis a ninguém. Enquanto matava a sede, apareceu no espelho aquoso uma mulher com uma bilha na mão, ia acompanhada por um homem. A mulher estava a encher a bilha, de repente surge um cavaleiro trajado com vestes romanas que se apeou do cavalo e pediu água. A mulher passou-lhe a bilha para a mão e bebeu até se saciar. Anoitecia, ofereceram guarida ao viandante que aceitou; moravam perto…
Agora é que eu entendo porque é que no outro dia te trancaste no quarto
Ó mãe o que é que o pai terá escrito?
Não faço ideia, dá-me uma cavaca, o lume está a morrer, continua a nevar, o dia está feito.
Que bom; farinheira cozida. Abre a gaveta e tira a faca para a cortar, que saborosa; pinga no pão.
Ó pai; leia lá o que escreveu.
- Comamos primeiro a farinheira, tenho as mãos engorduradas, dá cá o abano, o lume está a apagar-se, onde é que estão as tenazes?
Olhe que ainda lhe mordem, veja debaixo do seu banco.
Dá-me o fervedor para tirar água quente da panela para lavar a loiça.


- Querem ouvir ou não?

Venho de longe, de muito longe
Dá-me de beber mulher bonita
Como se chama esta fonte, mulher bendita
Fonte da passagem senhor, tomai, bebei

Onde estou! Como se chama este lugar
Chama-se Trans Serre cavaleiro
Quem é o senhor! Forasteiro
Venho de longe e ainda tenho muito que andar

Venho de Roma, sou um centurião romano
Bracara Augusta é o destino da minha viagem.
No alto daquela serra, na passagem
Encontrará outras vistas, diz o paisano

Onde posso pernoitar
Diz o centurião.
Na nossa casa pois então
Faça favor de nos acompanhar

É uma casa pobrezinha
Mas está sempre limpinha.
É bastante asadinha
Responde o soldado da cozinha

Que pão gostoso.
É feito de bolotas senhor
Prove nosso vinho por favor
Ummm…que queijo saboroso

Quem é! Pergunta uma vizinha
É um soldado romano
Vai para Bracara Augusta, responde o paisano
Beba mais uma pinguinha

Bem-haja, estou cansado
Quero descansar
Onde me posso deitar
Para dormir um bocado

Todo o dia a cavalgar.
Venha comigo, vou-lhe mostrar
O lugar onde vai pernoitar
E o cavaleiro começou a dormitar

A noite passou a correr.
Dormiu bem senhor…Damião
Responde o centurião.
Venha connosco comer

Tenho que partir…
Façam favor de aceitar
Não é para vos pagar
Bem-haja, diz o centurião a sorrir

Que os deuses o acompanhem soldado Damião
Adeus, meus amigos, nunca vos esquecerei
Quem sabe se algum dia não regressarei
E a pouco-e-pouco afastava-se o centurião

Meu pai, é uma história muito bonita, até me vieram as lágrimas aos olhos.
-Não é caso para tanto…


Zé da Villa