segunda-feira, 24 de junho de 2013

Ele há horas do diacho

Do: Blog do Katano

Sobre a Boa Hora e a Má Hora na tradição oral popular

Na sequência do artigo anterior, sobre a lenda da Boa Hora e da Má Hora, encontrei, quase por acaso, um artigo sobre a persistência dessa bipolaridade de adjectivação das horas na tradição popular, partindo da análise de um adágio popular. Este artigo foi incluído no volume XX da 1ª Série da Revista Lusitana, criada em 1887 pelo incontornável José Leite de Vasconcelos e que até 1943, foi publicada num total de 38 volumes.


A crença popular divide as horas em boas e más.

De entre as primeiras, ocorrem-me as horas felizes, as horas de Deus e as horas bentas.

(…)

Nasceu em boa hora” – diz-se de quem é ditoso e a sorte lhe corre bem.
Veio a boa hora” ou “em boa hora” – a propósito, oportunamente, a tempo, no momento em que pode ser servido.

(…)

Das más horas o povo faz, entre outras, as seguintes distinções:

a) Horas minguadas : “ a desditosa nascera em hora minguada” Camilo, Mistérios de Fafe (…)

b) Horas aziagas

c) Horas do diabo

d) Horas danadas

e) Horas arrenegadas

f) Horas negras: “Uma hora, em certa noite, dezassete anos antes… hora negra essa que lhe innoitou a vida inteira.” (Camilo, Brilhantes do Brasileiro) (…)

g) Horas infelizes ou infortunadas: “Tem outros muitos agouros, em tanto que nas horas que achão serem infortunadas não querem receber dinheiro, ho que abasta quanto a cerimónias” (Damião de Góis, Crónicas de D.Manuel, parte I, cap 42).

Há a locução nascer em boa (ou má) hora e os esconjuros populares má hora vá contigo; em má hora venhas. Em contrário destes esconjuros, diz-se: em boa hora vás; em boa hora venhas.

O povo dos campos, para saudar quem encontra pelos caminhos, tem as expressões: Vá em boa hora vá nas horas de Deus.

De quem morreu, diz-se: chegou a sua hora (isto é, a má hora) ou: tinha as horas contadas.

Às boas e às más horas se refere D. Francisco Manuel de Melo, nos Apólogos dialogais, pag 41: “… não há cousa na boca dos homens tão frequente, como em boa hora, & má hora, hide com as horas más, vinde com as boas horas; huma hora muito fermosa, nas horas de Deus “.

Em vez de boa hora e má hora também se diz: nas boas horas e nas más horas.

Há ainda as horas abertas, que são três momentos da maior atenção popular: as “Avé-Marias” da manhã, as do meio-dia, e as da noite, momentos que, segundo o povo, coincidem com o nascimento, a morte e o enterro do sol.
in RETALHOS DE UM ADAGIÁRIO
(vid. REVISTA LUSITANA, vol XX, pág. 298-315)
Loures, 9 de Fevereiro de 1918
José Maria Adrião

Poderá residir aqui a/uma possível origem para a lenda. A conceptualização de Má Hora como o momento onde ocorre a soma de todos os infortúnios, dos quais o pior é sem dúvida a morte, e a sua persistência na tradição oral e nos aspectos da vida diária das populações, relativamente isoladas, terá levado a que esta tenha ganho uma forma e uma consciência próprias, tornando-se um ser, uma entidade, que traz o infortúnio a quem a encontra.

Em contraponto, surge a Boa Hora, como a manifestação do momento feliz que bafeja as pessoas com sorte, que as livra do infortúnio. Será uma manifestação inevitável decorrente da dualidade da relação entre o Bem e o Mal, onde a existência do Mal pressupõe a existência do Bem e vice-versa? Ou será simplesmente uma manifestação da Senhora da Boa Hora, que é venerada no politeísmo camuflado que é o Cristianismo?

Para consultar os 38 volumes da 1º Série da Revista Camões, podem aceder à Biblioteca Digital Camões.


Read more:
 http://dokatano.blogspot.com/2009/04/sobre-boa-hora-e-ma-hora-na-tradicao.html#ixzz2XAYxoj4L

sábado, 22 de junho de 2013

IV Feira: O olhar da Luzita


Doces e balões


Petiscos e doces regionais


Barraquinhas alinhadas


Vendo o rancho a atuar


Atuação do rancho de Alpedrinha


Grupo de pifaradas de Unhais da Serra


Fim de tarde domingueira

Fotos de Luzita Candeias e Teresa Nicolau

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Qual Monsanto?!


Curral de gado, no Castelo Velho


Moinho de água, no Casal da Serra


Habitação(?), nas Vinhas


Casa do alambique, nas Vinhas

Os nossos antepassados trabalharam como mouros, sofreram como cães e tombaram como tordos. Mas, quando vejo estas obras que nos deixaram, sinto que andamos aos ombros de gigantes!

José Teodoro Prata

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Mais Feira


Penso que a Junta de Freguesia e todos os que colaboraram na realização da IV Feira farão um balanço francamente positivo. O mesmo se passará com a generalidade dos vincentinos e forasteiros que no passado fim de semana passaram por S. Vicente da Beira.
Por mim, além do passeio pedestre, em que participo sempre com imenso prazer, surpreenderam-me, pela positiva, algumas novidades: festival de folclore, concurso de fotografia, concurso de jardins...
Claro que há aspetos a melhorar, mas estamos francamente de parabéns!


José Teodoro Prata

terça-feira, 18 de junho de 2013

Festival da Natureza


A São Vicente da Beira, virão no sábado de tarde, à Taberna do Raposo, com música, contadores de histórias... Parece que a ti Janja também vai estar presente!
Não sei se haverá nascer do sol musical, no Castelo Velho, como no ano passado. Quem quiser (e souber), vá ao facebook: está lá tudo.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

À descoberta da nossa terra IV

Este ano éramos mais e igualmente bons!
O encontro foi na nossa Praça, mas o passeio pedestre só começou no Alto da Fábrica, local onde há muitos anos fazíamos o magusto no dia de Todos os Santos. Do sobreiro secular que lá existia só resta a base do tronco, mas é assim, as árvores também morrem…



A primeira paragem foi junto do que resta do edifício que dá o nome ao lugar e terá sido uma fábrica de transformação de cortiça e, posteriormente, uma serração. De acordo com o José Teodoro, terá sido uma fábrica de fiação e tecelagem de panos, no século XVIII.
Um pouco à frente, à esquerda e escondida pelo mato, encontrámos a lagariça. É o local onde possivelmente, em tempos muito antigos, era feito o vinho das uvas produzidas para aquelas bandas.



Entrámos depois pela calçada romana. Está ainda em muito bom estado, mas o desgaste que se observa em algumas das lajes laterais diz-nos bem dos muitos anos de rodados de carros de bois que por ali passaram.



Descemos a seguir até à Barragem do Pisco. A construção desta barragem foi um acontecimento de grande importância para a nossa terra, de tal maneira que trouxe o Marcelo Caetano até cá, por alturas da sua inauguração. Foi também a sua construção que acelerou a chegada da electricidade e do saneamento às nossas casas.
Passámos pelas estações de tratamento das águas da barragem, primeiro, e residuais, depois, e começámos a subir o caminho até à antiga propriedade do Padre Sarafana. A julgar pela extensão da propriedade e pelo tamanho e tipo de arquitetura da habitação, deve ter sido uma casa agrícola importante, a seguir a 1900. Os atuais donos da propriedade estão a recuperar a casa e a capela, mas os terrenos continuam por cultivar…
Subimos até à estrada e fomos sair junto das Vinhas, local que deve o nome às plantações de vinha que ali existem desde há muitos anos, provavelmente trazida pelos Romanos. Embora estivesse previsto, acabámos por não visitar o poço que ali existe há séculos e dá nome àquele lugar: Vinhas do Poço. Até há relativamente pouco tempo (150 anos), este poço era público e por isso a água era utilizada por todos os donos de vinhas à volta. Eram também eles os responsáveis pela sua manutenção. 



Continuámos pela estrada em direção ao Valouro e muitos de nós lembrámos as enormes e doces melancias que o Ti Antonho Dias por lá cultivava e vendia aos domingos, junto da Praça. Parece que atualmente já não se fazem grandes sementeiras, mas existem lá muitos sobreiros e carvalhos antigos, e têm sido plantadas árvores novas.
Avistámos ao longe o lugar onde, originalmente, se situava a capela da Santa Bárbara. Parece que a dita capela, em ruínas na altura, estava situada já em terras do Sobral, mas pertencia a São Vicente. Um dia, os nossos homens, ciosos do que era seu, puseram-se a caminho e trouxeram tudo o que puderam de pedras e imagens num carro de bois. Nem quero imaginar a guerra que terá sido, mas o que interessa é que a capela está no Casal da Fraga há mais de noventa anos e é motivo de grandes festejos no terceiro domingo a seguir à Páscoa (parece que os do Sobral, mesmo sem capela, continuam a venerar a Santa com uma romaria na segunda feira de Páscoa).
E voltámos para trás. Junto das Vinhas do Coronel, saímos da estrada e fomos dar com uma antiga sepultura romana, bastante danificada, mas que atesta bem a existência humana por aquelas paragens, há já muitos séculos.



No mesmo local vimos também a ruína de uma destilaria e, um pouco mais à frente, os restos de uma casa de habitação. Ambas foram feitas a partir da integração de grandes pesserras que serviam de parede e provavelmente tornavam mais resistentes as construções. Este tipo de técnica é habitual para os lados de Monsanto, mas pouco comum entre nós.



Continuámos depois por um caminho que tem ainda vestígios da calçada romana e nos levou até à Fonte da Portela. A existência destas fontes era comum no tempo em que a maior parte das mercadorias era transportada em carros de bois, em viagens que duravam muitas vezes alguns dias. Serviam para matar a sede aos homens, mas sobretudo aos animais.



Segundo o Pedro Gama, o local sofreu obras de recuperação recentes, bem visíveis.
Regressámos ao ponto de partida, cansados, mas muito entusiasmados e ainda com tempo para mais umas histórias que nos fizeram rir a todos. Ficou também a promessa de que para o ano há mais! Por onde, logo se vê…

Texto de M. L. Ferreira
Fotos de Adelino Costa, Isabel Teodoro e José Teodoro

terça-feira, 11 de junho de 2013

A Má Hora

A ti Francisca do Casal era do Casal da Fraga, mas morava na vila, na rua da Misericórdia. O homem dela chamava-se Francisco e juntos tratavam da fazenda do Aires, nas Vinhas, onde também tinham casa e passavam algumas temporadas, quando os trabalhos agrícolas exigiam mais cuidados.
Um dia, a ti Francisca veio cozer pão à vila, no forno da Casa Conde. Acabou já perto da meia-noite e foi deixar o tabuleiro a casa, para ainda ir despejar a água das Fontainhas. Nesse tempo a vida era muito trabalhosa.
Tirou a tranca da presa e deixou-a encostada por cima, na boca do boeiro, para não correr demasiado. Se a água transbordasse do rego, não chegaria para o renovo todo. Virou os tornadouros até à leira dos tomates e deixou a água espalhar-se pela terra sedenta. A seguir conduziu-a pelo meio da leira, até ao fundo. Estava tão ocupada nestas lidas que nem reparou numa senhora vestida de branco que lhe apareceu à frente.
“Vai imediatamente para casa, senão terás um mau encontro esta noite.” 
Disse ela. Depois virou-se e desapareceu no escuro.
A ti Francisca nem abriu a boca, aterrada com o susto. Nunca vira aquela mulher que a vinha avisar de um perigo. Seria a Boa Hora? Mas que mal lhe podia acontecer? E ia deixar o renovo secar, agora que o calor dava em apertar? Continuou a rega, mas sempre de olho no escuro, para não ser apanhava desprevenida.
Regou as leiras de feijão e depois virou a água para três valas de melancias que lá tinha. Entretanto soou a uma hora no sino da torre da igreja. Olhou em redor apreensiva, mas nada aconteceu. Mudou um tornadouro e quando levantou a cabeça viu uma mulher de negro vir em sua direção. Sentiu-se gelada da cabeça aos pés, mas ainda teve reação para largar o sacho e fugir para a quelha e depois correr para as ruas da vila. Não se via vivalma, já todos dormiam. Dirigiu-se para casa tão depressa quanto pode e só descansou ao rodar a chave na porta. Sentou-se num banco a pensar no que fazer.
O homem dela esperava-a na Quinta da Vela. A mulher de negro era de certeza a Má Hora, mas certamente nenhum mal lhe faria agora que regressava a casa. Encheu-se de coragem, pôs o tabuleiro do pão à cabeça e ala para as Vinhas. Não levava lanterna, pois precisava das mãos para segurar o tabuleiro e conhecia o caminho como as palmas das mãos, mesmo no escuro.
No alto da Fábrica decidiu atalhar por um caminho, à esquerda, pelos pinheiros. Era bem mais perto do que seguir pela fonte da Portela. Foi andando, sempre com passo rápido, na ânsia de chegar a casa. Quando estava a passar no alto, sentiu restolhar no mato em volta e arrepiou-se toda. Nem olhou, quase corria. Mas um vulto atravessou-se-lhe no caminho. Era um lobo. Ouviu rosnar atrás dela e virou-se. Havia mais dois.
Viu uma piçarra alta ao seu lado e trepou-lhe para cima, sem largar o tabuleiro. Os lobos cercaram-na. Já os via bem, a rangerem os dentes para ela. Saltavam e empinavam-se na pedra, tentando alcançar-lhe as pernas.
Entretanto, em casa, o homem dela e o criado, o Zé Ganhão, olhavam o escuro, calados, numa pausa da conversa sobre os trabalhos dos dias seguintes. Estavam sentados numa pedra ao lado da porta, a aguardar a chegada da ti Francisca.
“Ó ti Francisco, olhe que já passa a mais, a patroa não costuma demorar-se tanto.”
“Ela vem sempre tarde. Não sabes como são as mulheres? Deve ter-se demorado no forno, à conversa, e depois ainda queria ir despejar a água das Fontainhas. Não há de haver novidade. Vou-me deitar, porque já é outro dia, daqui a pouco amanhece e há muito trabalho para fazer.”
“O ti Francisco é um coração grande. Eu não consigo dormir sem saber o que se passa. Vou até ali ao alto, a ver se já lá vem.”
O Zé Ganhão entrou em casa e voltou com a lanterna de azeite acesa. Depois seguiu caminho, apoiado no cajado, por via dos maus encontros.
No alto dos pinheiros, os lobos estavam cada vez mais assanhados. A ti Francisca já se sentia sem forças de tanto saltar e se virar, para fugir às dentadas dos lobos. Escorria-lhes baba pelas bocarras de dentes afiados. Um lobo saltou mais alto e ferrou-lhe os dentes na saia. Ela quase se desequilibrou, mas sempre com as mãos no tabuleiro. Felizmente o pano rasgou-se e o lobo caiu para trás.
Uma luz, berros, um homem a correr, pancadas de cajado nos matos e pedras. Chamou por ela, disse-lhe para descer, mas continuou hirta, com as mãos ferradas no tabuleiro. O homem pousou a lanterna, subiu ao penedo e conseguiu desagarrar-lhe os dedos e tirar-lhe o tabuleiro da cabeça. Veio pousá-lo no chão e voltou para a ajudar a descer. Mas a ti Francisca continuou parada, sem dar sinais de compreensão, nem reação. Teve de a descer ao colo e depois guiá-la, pela mão, até casa.
Perdeu a fala. Levaram-na ao médico e ele explicou que tinham de deixar passar o tempo, para recuperar do susto. Só no fim de três meses voltou a falar. Ele há horas mesmo más!

José Teodoro Prata