"Romaria à
Senhora da Orada" escrito pela Libânia recorda-nos vivências passadas,
memórias que nos transportam e recordam a fé das pessoas daqueles tempos apesar
de parcos em recursos materiais a alegria era contagiante, a preparação das
merendas, os romeiros vindos dos mais recônditos lugares, as carroças
enfeitadas, os cantares...
Vou narrar um facto
verídico que se passou com uma família dos Escalos de Cima
Naquele lar, não havia
alegria, a tristeza era uma constante, na vida daquela família. O filho de quem
tanto gostavam estava doente e o médico não encontrava a cura para aquela
criança que definhava mais e mais cada dia que passava.
Certo dia, com a cara banhada de
lágrimas, uma vizinha diz:
«Vão à Senhora da
Orada buscar água.»
Entardecia. Um
familiar pôs-se a caminho, pois a vida daquele menino estava presa por um fio.
No seu burrico, o romeiro caminhava e rezava à Senhora. Quando chegou à ribeira
da Povoa Rio de Moinhos, parou a pileca e desceu, dizendo:
- Aqui vai água da
Senhora da Orada.
Para que andar mais? Desceu
à ribeira encheu o cântaro e regressou. Os galos já anunciavam a aurora, quando
chegou à casa do menino. Imediatamente lhe deram a beber uma tijela daquela
água bendita.
A criança, ao outro
dia, já não parecia a mesma, melhorava a olhos vistos. A Água da Senhora da
Orava tinha operado maravilhas.
A partir dessa altura, no dia da
romaria, aquele povo começou a deslocar-se, em peso, à Senhora da Orada. Ainda
hoje vêm romeiros...
O pino do sol há muito
que tinha passado mas o calor ainda era bastante naquele
domingo. Entardecia.
Desloquei-me à Senhora
da Orada encher os garrafões. Sentada na fonte, encontrava-se uma "amorosa
avozinha". Comecei a falar com ela, sobre a romaria...
A certa altura,
disse-me ela:
«Olhe aqui, senhor. Quando
era nova, era uma alegria, nós, as cachopas, trazíamos um tabuleiro com todo o
género de coisas (paios, farinheiras, pão, vinho, doces, azeite, cerejas) e os
cachopos traziam "despendurada" na camisa uma nota. Quando chegávamos
ao fundo do terreiro, íamos terreiro acima, que não era como é hoje, e
começávamos a cantar:
Nossa Senhora da Orada
Vinde abaixo à ribeira
Vinde ver a mocidade
De São Vicente da Beira
Nossa Senhora da Orada
Vinde abaixo dar a mão
Que a ladeira é comprida
Que me dói o coração
Nossa Senhora da Orada
À Vossa porta me sento
Venho enfadada do caminho
Chamai-me lá para dentro
Nossa Senhora da Orada
À Vossa porta me empino
Deitai-me a Vossa benção
"Maila" do Vosso Menino
Olhe aqui, senhor,
eram sempre quinze ou mais os pares. Ao chegarem à capela, elas pousavam as
ofertas, em cima da mesa que ainda hoje existe, e eles deixavam o dinheiro.
Finda a procissão, os
produtos entregues eram leiloados e à tardinha, ao toque da banda vicentina,
dançava-se em frente à capela, era uma alegria!»
Os seus olhos
brilhavam.
«Quase sempre havia bordoada com os de outras terras...
Um ano, o senhor
vigário proibiu o "balhe" em frente à capela. A partir desse ano, a
dança era feita ao fundo do terreiro, no caminho.
Quando partíamos para
a vila, cantávamos:
Nossa Senhora da Orada
Minhas costas vos vou virando
Minha boca se vai rindo
Meus olhos vão
chorando
Nossa Senhora da Orada
Lá me fica o meu cordão
Fica muito bem
entregue
Senhora na Vossa mão»
Descanse em paz, senhora Maria dos
Santos da "Tonina".
Os baloiços, a
vermelhinha jogada às escondidas da G.N.R...
Tempos passados que já não voltam mais,
resta-nos a recordação.
Nos anos sessenta do
passado século, os automóveis na vila eram escassos, o carro era um bem que só
os morgados possuíam, ainda sou do tempo em que os dedos de uma mão chegavam
para contar os automóveis que existiam...
Em Lisboa, sempre
houve uma grande "colónia" de imigrantes vicentinos e todos os anos
muitos deles regressavam para assistir à romaria e matarem saudades da família.
Nos nossos dias,
graças às boas vias de comunicação existentes, depressa se chega à capital, mas
naquele tempo as coisas não eram assim, demoravam-se muitas horas, merendava-se
no caminho.
Lisboa ficava muito
longe!
Na véspera, sábado à
tarde, nós os cachopos íamos para o Vale Morena, à espera da excursão, para
apanharmos uma "cavalada".
Às vezes a excursão vinha pelos lados do
Fundão; raramente. Desilusão para todos nós...
Assim, para recordar esses tempos
inesquecíveis, há muito que fiz estes versos:
A EXCURSÃO
É sábado da Senhora da Orada
A praça está cheia de gente
No Vale Morena a ganapada
O autocarro espera para vir nele até São Vicente
Os cachopos fazem montinhos de terra na
estrada
Colocam neles uma palhinha
Encostam o ouvido, mas ainda não ouvem
nada
Pachorrenta vem uma vaquinha
Eis que um grita bem forte
Já lá vem a excursão
Eia, estamos com sorte
Vai tudo a cavalo. pois então
O choufeur ao ver os ganapos
Faz uma chinfrineira ao travar
Estavam jogando com uma bola de trapos
Vamos lá...todos subir e começou a andar
A alegria é contagiante
Lisboetas e cachopada
Já vemos São Vicente
E lá no alto a Senhora da Orada
Há abraços e beijos na praça
Entre todos os familiares
Olha o Joaquim, o Elias e a Graça
E vão todos para os seus lares
Senhora da Orada, Senhora miraculosa
Mais um ano e cá estamos orando
Imagem tão linda e formosa
E todos vão cantando e rezando
...A excursão vai partir
A caminho da capital
Para o ano se Deus quiser hei de vir
Só se estiver muito mal
Partem os Vicentinos lisboetas
Ficam os vicentinos de São Vicente
Vão carregados de malas e maletas
Mas o coração está sempre presente
Adeus filho, adeus adeus
Boa viagem e que a Senhora te proteja
Todos rezam pelos seus
Bendito e louvado seja
Zé da Villa