terça-feira, 29 de setembro de 2015

Prisioneiros para Castela

Os irmãos José Duarte Ribeiro e João Duarte Ribeiro requereram, em 1755, ao bispo da Guarda, autorização para fazer, no seu Casal da Serra, uma capela devotada a São João Baptista. A obra já estava concluída em 1760, fiscalizada pelo Padre João Antunes, também casaleiro, mas capelão de São Tiago.
Em 1762, os castelhanos invadiram Portugal, no contexto da Guerra dos Sete Anos. Em São Vicente da Beira, destruíram parcialmente a povoação, incendiaram a câmara municipal, mataram dois homens (um da Vila e outro do Sobral do Campo) e levaram consigo o Pe. João Antunes, talvez para evitarem ataques na sua retaguarda. Sei que na Póvoa de Rio de Moinhos praticaram os mesmos atos e levaram consigo oito homens, alguns dos mais importantes da vila.
Até aqui, tudo velho, pois já divulguei estas informações neste blogue e em várias publicações escritas. Mas hoje encontrei mais elementos.
Num assento de casamento de 17 de julho de 1769, informa-se, no final, que «…os pais dos ditos contrahentes ambos foram prisioneiors para Castella…».
Os pais chamavam-se Manoel Gomes Clamam(Manuel Gomes Clamão) e Joze da Fonsequa(José da Fonseca), ambos naturais de São Vicente da Beira.
Sabemos que o Pe. João Antunes não voltou e os prisioneiros da Póvoa também não. A mesma triste sorte terão tido estes, pois já estávamos em 1769 e a paz com Castela fora assinada logo em 1763.
Nota final: será que este Manoel Gomes foi o nosso primeiro Calmão? Ou o clérigo se enganou ao registar o apelido ou a alcunha era mesmo Clamão (de clamar, gritar) e o povo, no seu falar, foi mudando para Calmão.


José Teodoro Prata

domingo, 27 de setembro de 2015

Os avós

Papel dos avós
Eu só já conheci um avô, o avô materno João Hipólito, homem bondoso e bem- humorado, sapateiro e sacristão. Em contrapartida, ainda conheci ambas as avós durante bastante tempo. A avó paterna ou avó Zefa, viúva havia muitos anos, tratávamo-la por avó do casal, porque vivia no Casal da Fraga. Vinha bastante a nossa casa, porque gostava de falar com o meu pai e ia à horta que tinha junto da ribeira e perto de nós. Chegou quase a centenária.
Os avós da vila - o avô João e a avó Iria - moravam mais longe de nós, no Cimo de Vila e, por isso, vinham menos a nossa casa. Em contrapartida, íamos nós muito a casa deles, quando íamos à missa ao domingo e à escola durante a semana. Tratavam-nos muito bem e tinham sempre uns miminhos para nós.
Estes avós eram vizinhos de porta e amigos do Pe. Tomás da Conceição Ramalho, pároco, no uso local, vigário de São Vicente da Beira, de quem o avô João foi largos anos sacristão. Era na casa deles que mais se falava da hipótese de eu ir para o Seminário, quer dizer, para o Seminário do Fundão, onde tinha andado o meu tio Ernesto, único irmão homem vivo da minha mãe. Os tios Arnaldo e José, irmãos deles, que não cheguei a conhecer, tinham morrido novos embora já adultos, vítimas da pneumónica que, em São Vicente da Beira, fez inúmeras vítimas. Houve famílias que desapareceram inteiramente, vitimadas por essa doença.
(Capítulo II, Semana do meu pai)
(…)
Férias de verão de 1954; a despedida
As férias de verão de 1954 tiveram um cunho especial. Por um lado, foram as últimas antes da nossa partida para Roma, por outro, no meu caso, ficaram tristemente marcadas pela morte repentina do meu avô materno e padrinho de batismo João Hipólito, no início de setembro.
A triste notícia surpreendeu-me na sacristia da Igreja Matriz de São Vicente da Beira, quando me preparava para assistir à missa em que ele, anterior sacristão, também costumava participar.
Corri imediatamente para a casa dele e viu-o já agonizante: uma imagem que nunca mais me deixou. Já não fui à missa e corri depressa ao Casalito, a avisar os meus pais.
Passei o resto do dia em estado de choque e aconteceu-me uma coisa que ainda hoje mexe comigo: não consegui ir ao funeral do meu avô João Hipólito, de quem tanto gostava! Assisti sozinho, de longe, dum lugar donde se avistava o cemitério e se viam as pessoas lá dentro…
Poucos dias depois, despedi-me da terra, dos parentes e conhecidos e segui para Fátima, para o retiro da tomada de hábito.
(Capítulo V, Ida para o Seminário de Guimarães)

José Hipólito Jerónimo, O Zé do Casalito, Autobiografia, Missionários do Verbo Divino, Junho de 2014

José Teodoro Prata

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Casamento por procuração



Ocasionalmente, encontrei o assento de casamento de Lopo Joze de Sequeira, de Crestelo, Seia, com Dona Maria Izabel Esteves de Brito Mouzinho, de São Vicente da Beira.
O curioso é que casaram por procuração, ambos nomeando um homem para os representar.
Lopo Joze de Sequeira morreu muito jovem. Casou em 1768 e, no assento publicado ontem, de 1788, a sua esposa já era viúva.
Entretando, deleitem-se com a letra do Vigário Manuel Viegas de Castro...

José Teodoro Prata

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Cunha Pignatelli


Este é o documento que atesta a vinda dos Cunha Pignatelli para São Vicente da Beira, através do casamento com uma Simões, pelo pai, e Feio de Carvalho, pela mãe.
O facto de o cura Domingos Gaspar escrever Pignatelles em vez de Pignatelli é natural, pois ele escreveu o que lhe disseram em português, não sabendo, talvez nem os próprios, como se escrevia em estrangeiro.
Curioso o "depósito" da noiva em casa de uma viúva, certamente muito piedosa, desde o dia do casamento até ocorreram as bênçãos. Só após estas o casamento devia ser consumado.
Embora não perceba totalmente a questão em termos litúrgicos, uma coisa era(é) o casamento e outra complementar, mas integrando-o, era(é) a bênção dos noivos. Era(é), digamos, este ato que tornava(torna) o casamento sagrado perante Deus.
A Quaresma e o Advento (em todo o mês de dezembro antes do Natal) eram tempos de concentração religiosa, pelo que a Igreja desaconselhava ou até se recusava a fazer casamentos. Quando os realizava, deixava as bênçãos para depois, como aconteceu neste, em que o casamento se realizou a 3 de março, mas as bênçãos (ver final) só foram dadas a 2 de junho. Entre estas duas datas, a noiva esteve em casa neutra, a da viúva de Lopo José.
Este Lopo José de Sequeira era, nos anos 70 do século XVIII, o proprietário que pagava mais impostos pelas suas propriedades rústicas. Vivia entre São Vicente e Seia (era natural da Quinta de Crestelo).
Este casal morava na rua da Costa e talvez este facto não seja alheio à posterior fixação de residência, pelo casal João Cunha e Benedita Simões, nesta mesma rua.

José Teodoro Prata

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Pescaria no Pisco


Achigãs. Uma delícia!


Pescador Guilherme com carpa


Pescador Eusébio com carpa


A carpa sozinha. Está frita!

Maria da Luz Teodoro

domingo, 20 de setembro de 2015

Inquietações

Memória, que se passa contigo?
Não se passa nada.
Umm...
Ando com medo.
Medo de quê?
Daquele intrometido, maldita a hora...Tanto espaço, logo havia de ir construir a sua casa em frente à minha, "só pode ser por birra," não o posso ver, passa por mim com um sorriso enigmático, "tipo mona lisa," tira-me do sério.
Ignora-o, quanto mais pensares nele, maior tua a mortificação.
Falas bem, ele é como a ferrugem, se a deixamos passar...
Memória, não te mortifiques.
Se não me defender, tu e tantos outros como tu, Amigo, estais sujeitos a perder-me, ocupará meu lugar, não há Pensamento que te valha.
Dou-te razão: quando toma o teu lugar a maior parte de nós já estamos com os pés para a cova.
Que vergonha, deixar-me dominar por um fedelho. Pensamento, Amigo, peço-vos perdão se um dia vos perder. Não tens nada que pedir perdão, é a lei da vida. A união faz a força, quem sabe se juntos não o vencemos!
Às vezes dá-me vontade...
Vê lá o que vais dizer: lançar fogo à casa dele. Não faças isso, estavas a ser pior que ele, havemos de encontrar uma solução. Falaste em fogo, lembrei-me da pouca vergonha que para aí grassa com tantos fogos; à sua passagem, tudo destroem, consumindo milhares de hectares de floresta. Assim que o calor chega, a comunicação social divulga ao bom povo: "começou a época dos fogos".
Ei-lo galopando montes e vales, arrasando tudo, deixando para trás um rasto de miséria: "e não há quem ponha cobro a isto".
Existem muitos interesses.
É verdade, são tantos os milhões que saem do depauperado erário: "gastava-se muito menos, se em vez de remediar se prevenisse".
...A força económica sobrepõe-se.
Estás a ver; os dinheiros deviam servir para limpar as matas, milhares de pessoas ganhariam sua vida limpando-as. Os gastos seriam imensamente menores, se o fogo  tentasse entrar mais facilmente o dominariam; as populações podiam dormir mais descansadas.
Olhem, quem vem além embrulhado na sua capa vermelha.
É ele, e dirige-se para tua casa.
Mau: preparemos as mangueiras: parece que vem em paz.
Posso entrar...
Entra.
Ando triste, melancólico, andais escrevendo coisas a meu respeito que me magoam muito.
Não é nenhuma mentira.
Sim, é verdade; descontrolado sou o diabo em figura de gente; não tenho culpa da malvadez humana, cego quando me descontrolam, o mal que faço às pessoas é indesculpável. Sou um destrambelhado quando me soltam o cabresto, penitencio-me pelo mal que ao longo dos séculos tenho causado: para que é que me soltam?
Tens razão; sabe tão bem quando nos aqueces nas noites frias invernosas, o povo até diz: "o fogo é meio sustento." Com rédea curta sirvo a humanidade como ninguém: cozo vossos alimentos, sou purificador e vosso amigo. Porque não me respeitam.
Quando me transformo em fogo de artifício, estrelinhas cintilantes, pequenos fogos-fátuos, quem não gosta de me ver! Nos arraiais, o povo espera que chegue a minha vez de brilhar. Sou o clarão, o facho dos viandantes, dos marinheiros, na noite escura. Juntamente com o ar, a terra e a água somos quatro elementos fundamentais para a vida.
Não devemos brincar contigo, podemo-nos queimar...
Costumamos dizer que determinado local está a ferro e fogo.
Vejam como sou importante, antigamente os sacrários possuíam uma lamparina de azeite que estava acesa dia e noite para o iluminar: fogo sagrado. Nos nossos dias fui substituído pela lâmpada elétrica; sinais dos tempos. E aquele fogo que arde sem se ver! Nas noites de Santo António, São João e São Pedro, o povo salta a minha fogueira.
Livre-nos Deus do fogo do inferno.
Amigo; esse é diferente do meu, se não tiver combustível não existo, o fogo do inferno nunca se extingue. Costumamos dizer; amanhã é a minha prova de fogo, estou em pulgas para a ultrapassar.
Queres um conselho, Amigo, nunca ponhas as mãos no meu fogo, por mais fraquito que seja queimo sempre. Antes que me perguntem dou já a resposta. Antigamente houve gente que me utilizou para queimar desgraçados inocentes, tudo fazia para que esses atos hediondos não acontecessem; "atrasava a queima da lenha" chegava a uma altura que já não aguentava, a combustão fazia-se: as faúlhas eram as minhas lágrimas. Os católicos no sábado de aleluia benzem o lume novo; a igreja está às escuras, de repente afasto a escuridão e venço as trevas.
Se as pessoas souberem utilizar-me, aproveitar-me, são tantas as minhas aplicações.
(Assim Seja)


J.M.S


José Teodoro Prata, 22/09

sábado, 19 de setembro de 2015

Lagariças

Acabo de chegar de um passeio pedestre pelas lagariças da zona da capela de São Lourenço, no Palvarinho.
Nós temos uma ao fundo da Fábrica, mas é impossível não existirem mais.
Na capela de São Lourenço, fiz um contexto histórico, falando das comunidades cristãs de moçárabes que viviam nesta região entre São Vicente e o monte de São Martinho, antes da reconquista cristã, tendo como centros religiosos (paroquiais?) estes templos de mártires cristãos: São Martinho, São Lourenço, São Brás e Senhora da Orada/São Vicente.

Ao contrário de muitas lagariças, como a nossa, em que o pio para onde corria o mosto era cavado na rocha, nesta e noutras o pio seria de madeira, colocado encostado à rocha, no local onde confluíam os "regos" que traziam o mosto.

José Teodoro Prata