sexta-feira, 12 de março de 2021

Bota-de-elástico

 Passou esta semana, no RACAB, o meu Podcast sobre esta expressão. Aqui vo-la deixo, juntamente com esta imagem das botas-de-elástico (este é um modelo atual, mas seriam parecidas).

Bota-de-elástico

Esta é uma expressão com História.

As botas-de-elástico eram curtas e tinham elásticos dos lados dos canos, para melhor se adaptarem aos pés. Foram usadas até meados do século XX, especialmente pelos mais idosos. Por serem associadas às pessoas de mais idade e por terem passado de moda, passaram a simbolizar o que estivesse desatualizado e ultrapassado.

Por isso, a expressão bota-de-elástico significa alguém conservador, resistente a mudanças.

António de Oliveira Salazar, que liderou Portugal entre 1932 e 1968, como Presidente do Conselho de Ministros e chefe do partido único, a União Nacional, usava com frequência este tipo de calçado e por isso ganhou a alcunha de O Botas.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 8 de março de 2021

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

Francisco Maria Tavares


Francisco Maria Tavares nasceu na cidade da Covilhã, a 5 de janeiro de 1892. Era filho de José Tavares, natural de Lisboa, e de Jacinta Barata, de Alcains. Terá vivido naquela cidade até à idade adulta.

Foi mobilizado para a Grande Guerra em 1917 e embarcou no dia 21 de janeiro, integrando a 1.ª Bateria de Infantaria, 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21.

O seu boletim individual do CEP refere o seguinte:

a)   Colocado na 1.ª Brigada de Infantaria, em 13 de setembro de 1917;

b)   Baixa ao hospital, em 31 de outubro; alta a 6 de novembro;

c)    Baixa ao Hospital n.º 35, em 30 de janeiro de 1918, e evacuado para o Hospital n.º 32, a 10 de fevereiro;

d)   Julgado incapaz para todo o serviço, em sessão de 4 de março; foi repatriado a bordo do navio inglês Glingom Castle;

e)   Desembarcou em Lisboa, no dia 10 de março de 1918.

Os ferimentos que incapacitaram Francisco Tavares terão resultado da queda de um comboio em andamento. Nunca recuperou totalmente e ficou a coxear para o resto da vida.

Família:

Antes de partir para França, Francisco Maria Tavares já tinha casado, em 1912, com Maria dos Santos dos Reis. Era uns anos mais velha que ele e dizem que muito bonita e bondosa; sempre pronta a ajudar quem precisasse. Era também uma cozinheira de mão cheia. Contam que uma vez em que o rei D. Carlos veio à Covilhã, foi ela uma das mulheres que prepararam o banquete que lhe foi servido.

Estas duas qualidades trouxeram-lhe fama e terá sido a razão principal para o Padre José Antunes dos Reis, natural do Sobral do Campo e possivelmente seu parente, apoiar a vinda do casal para São Vicente da Beira, tendo-os feito herdeiros de uma casa que possuía junto à capela de São Sebastião. Foi aí que viveram grande parte das suas vidas. Acabaram por vendê-la ao senhor Eduardo Cardoso, no final da década de cinquenta do século passado, e mudaram-se para uma casa na rua Dona Úrsula.

Francisco Tavares foi um dos grandes comerciantes de São Vicente, com uma das melhores mercearias daqueles tempos, o que, juntamente com a pensão vitalícia que lhe foi atribuída por ferimentos de guerra, lhe permitiu ter uma vida desafogada e gozar de algum prestígio social.

Foi secretário da Junta de Freguesia e exerceu também os cargos de mesário e secretário da Santa Casa da Misericórdia de São Vicente da Beira.

Maria dos Santos faleceu em 1966 e, passados uns anos, já bastante debilitado, Francisco Tavares foi viver para casa de uma das sobrinhas, em Castelo Branco. Faleceu no dia 23 de Setembro de 1973 e foi enterrado no cemitério daquela cidade. Tinha 81 anos de idade. Não deixou descendência.

Maria Libânia Ferreira

Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

segunda-feira, 1 de março de 2021

Os borborinhos

Requisitei este livrinho na biblioteca da minha escola, a fim de fazer um podcast para a Rádio Castelo Branco, rubrica "História num Minuto", sem saber que ia encontrar algo sobre a nossa terra.

Aqui vos deixo as duas partes do livro onde estão as recolhas realizadas em São Vicente da Beira, pela minha sobrinha Adélia dos Santos, e texto do podcast (não consigo publicar um ficheiro áudio), que foi transmitido pelo RACAB na semana passada.


A investigadora Adelaide Salvado publicou, no ano 2000, um livro intitulado Remoinhos, Ventos e Tempos da Beira, a partir de recolhas realizadas pelos alunos da Escola Superior de Educação.

Nele escreveu sobre o clima das regiões do interior da Beira: «...impedida a entrada das brisas marítimas pelas cadeias montanhosas a ação moderadora das águas do Mar não exerce o seu papel de fator equilibrador das temperaturas do ar. Deste modo, a temperatura atmosférica atinge, no verão, elevados valores ocasionando uma descida acentuada da pressão. O ar quente e leve sobe, então, em rápidos turbilhões para as altas camadas da atmosfera.

A rápida subida o ar levanta folhas e ramos e arrasta a poeira dos campos e dos caminhos.

Nesta atmosfera de elementos em fúria, de céu subitamente toldado e enegrecido e envolto numa temperatura escaldante, temores ancestrais brotam do coração dos homens.»

Os antigos chamavam-lhes remoinhos, esponjinhos, borborinhos, vulvurinhos ou borborinheira. Acreditavam que eram manifestações do diabo e contra ele apelavam ao Senhor e à Senhora do Carmo, a São Bento, ao Menino Jesus, a Deus Pai, ao Senhor da Cruz, à Virgem Maria, a São Jerónimo e à Santa Bárbara.

No Vale da Sertã, os antigos diziam: Vai t´imbora porco sujo, vai à missa.

E em Castelo Branco: Foge, diabo da cruz, que lá vem o Menino Jesus, com uma faquinha amarela, para te cortar a goela.

No Ferro eram mais moderados e mandavam o borborinho para o mar largo, a medir areia com alqueires sem fundo.

José Teodoro Prata

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

O nosso falar: refeito

 Hoje a minha mulher levantou-se com alguma falta de apetite, realçada pelo meu apetite quase voraz na primeira metade do dia (à agricultor).

Provoquei-a: Estás refeita!

Depois pensei na origem desta expressão que me saíra espontaneamente.

A minha mãe usava-a, referindo-se a pessoas ou animais domésticos, satisfeitos após uma refeição.

De facto, o prefixo re, na palavra refazer, indica algo reconstruído, recuperado, corrigido. Neste caso o nosso equilíbrio físico através da alimentação.

O José Barroso, escreveu aqui, em "Crepúsculos I", a 6 de novembro de 2020:

"— O descanso está feito e o corpo refeito. Estais comidos e bebidos! Ide à vida! — dizia Garrancho incentivando-os ao trabalho! E eles lá iam, às vezes com um gesto a adivinhar uma pontinha de preguiça, a indiciar que os corpos queriam ainda permanecer na modorra por mais algum tempo."

Nota: Publicação alterada a 27 de fevereiro.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

 Francisco Jerónimo

Francisco Jerónimo nasceu no Casal da Fraga, a 12 de agosto de 1892. Era filho de José Lopes, jornaleiro, e de Olália (Eulália) da Conceição.

Não se conhece muito sobre a sua participação na Grande Guerra, porque não foram encontrados documentos oficiais que o confirmem (folha de matrícula ou outro). Desse tempo sabe-se apenas o que contava Francisco Candeias, seu amigo e companheiro desde a recruta até às expedições em África.

Assim sendo, Francisco Jerónimo assentou praça em Castelo Branco, como recrutado, em 12 de julho de 1912. Foi incorporado no Grupo de Baterias de Artilharia de Montanha, em 14 de janeiro de 1913, e, pronto da recruta em 30 de março, passou à formação permanente em virtude de sorteio. Tomou parte na Escola de Recrutas de 1913 e passou ao Regimento de Artilharia de Montanha de Portalegre, em 1 de novembro. Foi licenciado em 5 de junho de 1914 e regressou à terra.

Apresentou-se novamente em agosto e, destacado para a Província de Angola, embarcou em 10 de setembro de 1914, fazendo parte da 1.ª Expedição para aquela província ultramarina. Chegou a Moçâmedes, no dia 1 de outubro, tendo depois seguido para sul, para a zona do rio Cunene, na fronteira com a Namíbia.

Participou na ação do dia 18 de dezembro de 1914, contra os alemães, fazendo parte das tropas que ocuparam o vau de Calueque. Pertenceu ao destacamento que reconquistou e ocupou o Cuamato, de 12 a 27 de agosto, e tomou parte na ação do Ancongo, em 13 de agosto de 1915, e no combate da Inhoca, em 15 do mesmo mês. Com o mesmo destacamento, avançou em 20 de agosto sobre Cunhamano, a fim de restabelecerem as comunicações que haviam sido cortadas pelo inimigo. No dia 24, participou no combate da Chana da Mula.

Embarcou de regresso à Metrópole, no dia 16 de novembro de 1915, e chegou a Lisboa a 5 de dezembro.

À semelhança do que aconteceu com o amigo Francisco Candeias, terá sido novamente mobilizado e seguido para Moçambique, integrando a 3.ª Expedição para aquela província ultramarina. É provável que tenha participado também nos ataques levados a cabo por aquela expedição para ultrapassar o rio Rovuma para a margem norte. Terá regressado à Metrópole, em dezembro de 1917.

Família:

Antes de partir para Angola, em 1914, Francisco Jerónimo já era casado com Luz Martins, natural da Partida. O casal passou a viver numa casa no Ribeiro Dom Bento, arredores de São Vicente, lugar onde os avós maternos de Luz Martins, Joaquim Duarte Remualdo (já falecido na altura do casamento) e Maria Martins, teriam algumas propriedades. Sabe-se que, nesse ano de 1914, lhes nasceu a primeira filha, Maria da Ascensão; provavelmente ainda antes da partida de Francisco para África.

Não se sabe muito mais sobre a vida de Francisco Jerónimo, para além de que faleceu de pneumonia gripal (pneumónica), no Hospital de São Vicente da Beira, no dia 2 de novembro de 1918. Tinha 26 anos de idade. Ironicamente, no dia da sua morte nasceu-lhe a segunda filha, Maria de Jesus.

Após a morte do marido, Luz Martins e as duas filhas emigraram para o Brasil onde já vivia uma irmã. A família de Francisco nunca perdeu a esperança de as ver regressar. Dizem que quando fizeram as partilhas dos bens herdados dos pais, guardaram a parte da herança que lhes caberia, durante muito tempo.

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Janeiro quente, traz o diabo no ventre

 


Há alguns dias, os jornais noticiaram um estudo sobre as temperaturas mundiais no mês de janeiro. Este mapa tirei-o da notícia do Público.

Embora o nosso janeiro tenha sido muito frio, sobretudo a primeira quinzena, tal como em toda a Europa (ver zona azul, no mapa), a nível mundial as temperaturas foram, em média, muito altas para a época (ver zonas com cor avermelhada), um dos janeiros mais quentes desde que começaram as medições, há 140 anos.

Na semana passada e sobretudo nesta que agora começa, o tempo vai ser tipicamente primaveril e a Natureza vai explodir. Na sexta enxertei videiras e algumas bravas já estavam a gemer.

Chuva e nevoeiro tem havido em abundância. Já sabe bem sentir a luz do Sol!

José Teodoro Prata

Alteração de 16-02: O comentário do José Barroso sobre a diferença entre a ciência e a nosso opinião, formada apenas pelo que sentimos, leva-me a sugerir-vos este documentário que usamos nas aulas de Cidadania e Desenvolvimento, quando damos o tema do Desenvolvimento Sustentável: 

https://www.youtube.com/watch?v=Kkv8aF9Jy_Y

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

Francisco Gomes Barroso

Francisco Gomes Barroso nasceu em São Vicente da Beira, no dia 30 de janeiro de 1878. Era filho de António Barroso, sapateiro, e Maria do Patrocínio, moradores na rua da Misericórdia.

É provável que, após o nascimento do filho, António Barroso e Maria do Patrocínio tenham ido residir para Lisboa, onde Francisco fez a instrução primária e o exame de admissão ao Liceu. Contam que a família Barroso era bastante afamada em Lisboa, na arte da sapataria, chegando a trabalhar para a Rainha D. Amélia. Este facto terá criado alguma aproximação à Casa Real e facilitado o alistamento de Francisco Barroso no Regimento de Cavalaria n.º 2 – Lanceiros D’ El Rei, em Belém, que era uma tropa de elite.

Foi incorporado, como recrutado, em novembro de 1898, e terminou a instrução a 5 de setembro, no posto de 1.º Cabo. Completou depois os cursos da Escola Regimental e da Escola Regimental de Cavalaria e foi promovido a 2.º Sargento no ano de 1900. Em 1901, foi destacado para Moçambique, onde permaneceu cerca de um ano.

De regresso à Metrópole, fez o curso da Escola Central de Sargentos e passou a lecionar o Curso Elementar, a partir do ano de 1910.

Sendo Sargento-ajudante do Regimento de Cavalaria n.º 4, foi promovido a Alferes, por decreto de 25/09/1915.

Fez parte da Divisão de Instrução, em Tancos, no ano de 1916, e embarcou para França, no dia 23 de janeiro de 1917, integrando o Grupo de Esquadrões da GNR, Serviço de Polícia.

No seu boletim individual consta apenas o seguinte:

a)   Promovido a tenente, por despacho de 29 de setembro de 1917;

b)   Licença de campanha de 53 dias, a partir de 07/02/1918; regressou a França no dia 15 de julho;

c)    Regressou a Portugal, a bordo do navio Pedro Nunes, tendo desembarcado em Lisboa, no dia 10 de julho de 1919.

Voltou ao Regimento de Cavalaria Lanceiros d’El Rei e foi considerado supra numerário, por despacho de 10/2/1922. Foi colocado na situação de adido, em agosto de 1924, e como supra numerário permanente, em 25/10/1930. Passou à reserva em 30/01/1936, no posto de capitão.


Louvores e condecorações:  

·        Louvado «…porque, como comandante do Destacamento de Polícia do Corpo se houve sempre correcta e criteriosamente no desempenho dos serviços a seu cargo, dedicando na parte administrativa do seu destacamento, grande parte da sua atenção aos interesses da Fazenda Nacional, no que é verdadeiramente modelar, tornando-se digno dos melhores elogios. (O. S. do Corpo n.º 162, de 18 de Junho de 1919)» (processo individual);

·        Medalha de prata comemorativa das campanhas do exército português, por ter feito parte do CEP, com a legenda: França 1917-1918;

·        Medalha de assiduidade;

·        Medalha militar de ouro da classe de comportamento exemplar, por ordem de 26/01/1929;

·        Para além destas condecorações, em vários documentos de avaliação do seu desempenho, que constam do seu processo individual militar, são salientadas qualidades morais, de disciplina, zelo, inteligência, competência, capacidade de iniciativa, etc. 

Família:

Francisco Gomes Barroso já era casado com Maria do Carmo Lopes de Carvalho, quando partiu para França. Enviuvou em 1932 e voltou a casar em 1933, com Laurinda da Conceição Estêvão, na cidade de Santarém. Não terá tido filhos de nenhum dos casamentos porque, de acordo com a sua certidão de óbito, não deixou descendência nem herdeiros.

Faleceu de hemorragia cerebral, no dia 5 de junho 1939. Tinha 61 anos de idade.

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"