sábado, 10 de dezembro de 2022

Ninho de vespa asiática

 Há um ninho de vespa asiática no Caldeira, numa figueira junto ao Chão da Bica, do outro lado da estrada, mas rente a ela. 

Na quinta-feira, passei por lá e vi-o. Estava a chover e havia pouca visibilidade, mas a figueira está quase sem folhas e vê-se bem. É maior que uma bola de futebol. 

Espero que ninguém lhe mexa, pois já morreram pessoas por causa disso (mesmo mordidas quando assistiam à tiragem de ninhos).

Ainda não comuniquei às autoridades, pois não tenho a certeza absoluta e tenho de confirmar da próxima vez que aí for. Entretanto, se alguém comunicar às autoridades, ganhamos tempo.

José Teodoro Prata

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Origens da Orada

Depois de ter lido o comentáriodo Zé Barroso à publicação "Em torno da Orada", voltei ao livro "A Alma Secreta de Portugal", que me foi oferecido há bastantes anos pela Dr.ª Adelaide Salvado, no qual colaborou. Tenho-o na mesa de cabeceira e de vez em quando leio uns pedaços. Abri ao acaso e calhou precisamente numa parte em que o autor reflete sobre as interrogações do Zé Barroso. Aqui vo-la deixo:



Relembro que, no final do século XVI, o visitador do bispo da Guarda, após visitar a paróquia de São Vicente da Beira, deixou escrito que proibia o pároco de acompanhar o povo nas novenas que fazia à Senhora da Orada (na linha das proibições referidas no texto).

Quanto à construção da nossa capela, tanto a lenda da oferta da imagem da Senhora, por Nuno Álvares Pereira, como  o lugar ser dedicado a Nosa Senhora e ainda a tipologia da capela alpendrada, remetem-nos para os séculos XV e XVI, época em que o autor do livro situa a construção de capelas nos lugares venerados pelo povo há centenas e até milhares de anos.

Será o nosso caso? Seja como for, com capela ou apenas um altar, penso que a Orada foi o centro religioso dos moçárabes da região, no tempo dos mouros (séculos VIII a XII).

José Teodoro Prata

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 José Domingos

José Domingos nasceu na Partida, a 18 de Março de 1893. Era filho de António Domingos e Joaquina Freire.

Assentou praça no dia 9 de Julho de 1913, como recrutado, pertencente ao contingente de 1913, a cargo do concelho de Castelo Branco. Foi incorporado no Regimento de Artilharia de Montanha, no dia 13 de janeiro de 1914. De acordo com a sua folha de matrícula, sabia ler, escrever e contar, e tinha a profissão de jornaleiro.

Terminou a instrução da recruta em 4 de julho de 1914, e regressou à sua terra. Foi novamente mobilizado em Agosto desse ano, e destacado para a província de Angola, para onde embarcou em 11 de setembro, integrando a 1ª Expedição enviada para aquela província ultramarina. Chegou a Moçâmedes no dia 1 de Outubro de 1914.

De acordo com a sua caderneta militar, tomou parte na ação do dia 18 de Dezembro de 1914 contra os alemães, fazendo parte das tropas que ocuparam o vau de Calueque. Pertencia ao destacamento do Humbe, onde entrou em 7 de julho de 1915. Fez parte do destacamento de reconquista e ocupação do Cuamato, de 12 a 27 de Agosto, e participou no combata de Chana da Mula, em 24 do mesmo mês, dia em que, com o mesmo destacamento do Cuamato, se reuniu às forças do destacamento de conquista do Cuanham de Mongua. Fez também parte do estacamento da Ngiva, de 4 de setembro de 1915. Regressou à Metrópole, no dia 16 de Novembro de 1915, e desembarcou em Lisboa, a 4 de Dezembro.

Licenciado em 15 de Março de 1916, foi promovido a 1.º Cabo em 9 de Abril. Apresentou-se novamente em 27 de Abril e foi destacado para fazer parte das tropas da 3.ª Expedição enviada para Moçambique. Seguiu viagem no dia 24 de Junho de 1916 e desembarcou no porto de Palma, a 24 de julho. Terá participado nos combates levados a cabo para conquistar o território na margem norte do rio Rovuma, nos quais muitos militares perderam a vida. Felizmente não fez parte desse número e regressou à Metrópole, em 31 de Março de 1918.

Passou ao Batalhão n.º 1 da Guarda-Fiscal, como soldado de Infantaria, em 25 de Outubro de 1918, e novamente ao Regimento de Artilharia de Montanha em 25 de outubro de 1921. Licenciado em 28 de outubro, fixou residência na freguesia dos Olivais, em Lisboa, onde terá feito formação numa área relacionada com o seu percurso profissional futuro.

Em Janeiro de 1922, José Domingos regressou a Moçambique e foi colocado na Companhia do Niassa, no norte de Moçambique (o seu primo Albano Frade, que na altura se encontrava em Lourenço Marques, refere-se a ele, em notas biográficas que deixou, dizendo que José Domingos tinha passado por aquela cidade, em maio de 1922, a caminho do Niassa). Mais tarde exerceu o cargo de Chefe de Posto, na região de Porto Amélia.

Passou à Companhia de Trem Hipomóvel, em 2 de Setembro de 1930, e à reserva territorial, em 31 de Dezembro de 1934.

Condecorações:

·        Medalha das Operações no Sul de Angola 1914-1915;

·        Medalha da Vitória.

Família:

José Domingos voltou à Metrópole uns anos depois e casou com Maria Ana Lourenço, natural dos Pereiros, no dia 21 de Fevereiro de 1927. Era uma rapariga muito bonita, uns anos mais nova que o noivo, e que gostava muito da sua terra. Terá sido por isso que, tendo acompanhado o marido de regresso a Moçambique, e apesar da viagem de núpcias que ele lhe proporcionou através do Canal do Suez, com escalas e passeios pelas várias cidades por onde passaram, nomeadamente Veneza, nunca se adaptou à vida em África, nem superou as saudades da terra. Regressou pouco tempo depois, já grávida da primeira filha, que nasceu em dezembro de 1927.

José Domingos permaneceu em Moçambique por mais alguns anos, nesta altura já como Chefe de Posto da Administração Civil, na região de Porto Amélia. Apesar de alguma insistência por parte da esposa, para que regressasse à terra, só voltou quando a filha estava quase a completar a instrução primária e Maria Ana lhe terá dito que ia pô-la a aprender costura. Foi esta notícia que fez com que José Domingos regressasse mais depressa, porque não estava de acordo com a esposa quanto ao futuro da menina e queria que ela prosseguisse os estudos. Tiveram depois mais uma filha.

As duas filhas de José Domingos e Maria Ana foram:

1.    Aurora de Jesus Domingos Lourenço que casou com Alexandre Domingos Lourenço, do Ninho do Açor, e tiveram 3 filhos;

2.    Emília da Conceição Domingos que casou com Manuel Canário e tiveram 2 filhos.


Embora não tivesse sido muito do agrado de José Domingos, que pretendia mudar-se para uma localidade maior, o casal manteve a residência nos Pereiros, onde construíram uma das maiores casas da terra e se estabeleceram com uma mercearia e uma taberna. Adquiriram também bastantes terrenos de cultivo (alguns já tinham sido comprados por Maria Ana com o dinheiro que o marido lhe enviava de Moçambique) e tinham a sua própria junta de bois com ganhão e um grande rebanho com pastor. Na terra há ainda quem se lembre de o ver a visitar as propriedades montado no seu cavalo, coisa pouco habitual naquela altura.

Talvez por ter estado em África, era um homem de horizontes largos. Gostava de viajar e fez parte da comitiva que acompanhou o Governador de Porto Amélia por vários países vizinhos de Moçambique. Também fez questão que as filhas estudassem, e ambas concluíram o antigo Curso Geral do Liceu (a mais nova formou-se em Assistente Social).

Passados muitos anos, o casal vendeu a casa e o comércio nos Pereiros e mudou a residência para Castelo Branco onde viveu alguns anos. Já no fim da vida, Maria Ana adoeceu e mudaram-se para o Ninho do Açor, para junto da filha mais velha, e foi aí que faleceram os dois.

As netas lembram-se dele, sentado num banco no quintal, a ler o jornal. Quando uma notícia lhe despertava mais a atenção, chamava a filha e punha-se a ler em voz alta. Acontecia isto sempre que via qualquer notícia sobre África, da qual guardou saudades para sempre. 

Maria Ana Lourenço faleceu no dia 13 de abril de 1977. José Domingos teve uma vida mais longa: faleceu no dia 10 de outubro de 1979. Tinha 86 anos de idade. Está sepultado no cemitério do Ninho do Açor.

(Pesquisa feita com a colaboração das netas Maria Cristina Lourenço e Maria Teresa Lourenço)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Em torno da Orada

 

A Biblioteca Hipólito Raposo encheu-se para conversarmos sobre a Senhora da Orada, animados pelo dinamismo da Elsa Ligeiro. De certa forma, aconteceu o que o José Miguel nos desafiou a fazer há uns tempos: ir com um gravador recolher junto das pessoas as suas memórias das vivências que tiveram nas romarias da Senhora da Orada.

Soubemos que o Albano de Matos, do Casal da Serra, tem um livro novo precisamente sobre a Senhora da Orada. Vamos trazê-lo cá, num futuro próximo!

Falámos sobre a história da ermida, que poderá perder-se nos tempos, primeiro como Orada e no último meio milénio como Nossa Senhora da Orada. E das várias versões do milagre fundador, todas de cariz sexual, como já evidenciava o autor do livro Oradas de Portugal, e nos dois últimos séculos dos milagres mais generalistas sobre as curas de doenças e a proteção de militares, emigrantes...

A Ascensão recitou-nos a lenda, em rimas feitas por ela; a Maria da Luz recordou as idas da ti Janja à escola, para  contar a lenda às crianças; o Zé Manel narrou vários milagres atribuídos à Senhora e falou do hábito do último visconde de Tinalhas, natural de São Vicente, só beber água da Orada, levada semanalmente por um criado.

A animadora encerrou a sessão com uma linda oração recolhida pela Maria João Matias junto da ti Celeste Dias, a parteira de quase todos os presentes:

Do vosso andor,

juncado de rosas e de outras variedades de flores,

formosa como a aurora e brilhante como as estrelas do céu,

Senhora da Orada orai por nós.

Lançai o maternal olhar,

guardai e protegei os devotos presentes e ausentes,

e muto particularmente todas as mães da nossa querida pátria e do mundo, porque em vós confiam como mediadeiras de todas as graças

e de perdão de misericórdia junto de Deus.

 

No final, o Marco (Junta de Freguesia) e as dinamizadoras da Biblioteca (Celeste, Libânia e São) ofereceram aos participantes um abundante lanche.

Saímos saciados, de convívio e dos petiscos, mas com vontade de repetir.


José Teodoro Prata

sábado, 26 de novembro de 2022

Da azeitona ao azeite








 Verde foi meu nascimento

E de luto me vesti

Para dar a luz ao mundo

Mil tormentos padeci

 

José Teodoro Prata

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Palestra conversada

a Orada na Biblioteca


com Elsa Ligeiro


Domingo, 27 de Novembro, às 15 horas

Maria Libânia Ferreira 

domingo, 20 de novembro de 2022

A desertificação do mundo rural

 A desertificação e abandono de determinados lugares não são fenómenos novos nem exclusivos de regiões específicas; sempre existiram ao longo da História da humanidade, pelas mais diversas razões: alterações climáticas, cataclismos, guerras, epidemias, busca de solos mais produtivos, necessidade de proteção, etc. A testemunhá-lo estão os vestígios de antigos aglomerados populacionais que têm sido encontrados, alguns ainda a céu aberto, outros preservados debaixo do solo.

Já mais recentemente, com as mudanças introduzidas pela Revolução Industrial ao longo do século XIX, nos países que mais rapidamente desenvolveram novas tecnologias e inovaram os métodos de produção, as alterações na organização social e económica foram enormes: a deslocação de uma parte significativa da população das zonas rurais para a periferia das cidades, onde se situavam as fábricas, provocou grandes desequilíbrios demográficos.

Em Portugal, o abandono das zonas rurais fez-se sentir mais intensamente a partir da segunda metade do século XX, com a saída de grande parte da população das aldeias do interior para as cidades do litoral ou para África. Seguiu-se depois o movimento de emigração para outros países da Europa, sobretudo para França e Alemanha. Nesta altura a motivação principal para o abandono do campo era, quase sempre, a dureza e sazonalidade do trabalho, os baixos salários, e a consequente miséria em que uma parte significativa da população vivia. As pessoas partiam à procura de melhores e mais justas condições de vida.

Para muitos não foi fácil, principalmente em termos da integração social: vivendo muitas vezes na periferia das grandes cidades, frequentemente em bairros e casas sem grandes condições de habitabilidade, não se sentiam parte das comunidades locais; por outro lado, a falta do suporte familiar e da vivência quotidiana das práticas comunitárias próprias da vida das aldeias, fazia-os sentirem-se desenraizados. Seria por isso que, por exemplo em Lisboa e noutras cidades dos países de acolhimento da emigração portuguesa, foram nascendo associações onde os naturais das várias pequenas cidades, vilas ou aldeias do interior se encontravam regularmente para matar saudades e partilhar aspetos da cultura das suas terras (a gastronomia, a música, as festas, os jogos, etc.).

Mais tarde, já depois do 25 de Abril de 1974, o acesso mais fácil à educação escolar para todas as crianças e jovens, e a abertura de fronteiras e de mentalidades, criou em muitos jovens das zonas rurais a necessidades de ganhar asas e procurar um mundo em que os seus sonhos e expetativas se pudessem cumprir.

São Vicente da Beira, à semelhança da maior parte das aldeias do interior do país, até meados do século XX apresentava ainda uma estrutura económica e social muito atrasada. Um número reduzido de famílias ricas possuía grande parte das terras à volta da povoação. Essas terras, porque alguns dos proprietários não viviam em São Vicente, eram administradas por feitores, pessoas de algum prestígio social a quem competia a gestão do trabalho ao longo do ano agrícola. Eram eles que contratavam os trabalhadores de acordo com as necessidades, e, num tempo em que a mão-de-obra era muita e o trabalho nem sempre abundava, as jornas eram baixas e incertas. A situação piorava se, por motivos quase arbitrários, um trabalhador caia em desgraça; era certo que muito dificilmente conseguiria fazer mais um dia naquela propriedade, pondo em risco o sustento dos filhos.

Algumas famílias tinham pequenas propriedades ou alugavam terras aos mais ricos, que não queriam tratá-las. Mas as rendas, pagas geralmente em dinheiro e em géneros, eram quase sempre tão altas que, em anos de má produção, a colheita mal dava para pagar aos donos da terra.

Para além do trabalho na agricultura, ou como pastor ou ganhão, alguns homens trabalhavam também como resineiros e serradores. No inverno, por altura da apanha da azeitona, muitos ocupavam-se dos vários lagares que havia ao longo de ribeira. Para além destas profissões, havia na freguesia alguns carpinteiros, sapateiros, pedreiros, moleiros, ferradores, alfaiates e comerciantes.

As mulheres, para além de cuidarem da casa e dos filhos, também trabalhavam no campo, ao lado dos homens, sobretudo na apanha da azeitona, na sacha do milho e do feijão e no cultivo das hortas e dos linhares. Muitas tinham em casa teares artesanais e teciam peças de linho ou mantas de orelos para uso da própria família e para vender.

Até aos anos 50 do século XX muitas crianças não iam à escola e começavam a trabalhar muito cedo. Os rapazes, ao lado do pai, ajudavam nos trabalhos do campo ou guardavam os pequenos rebanhos familiares. À medida que iam crescendo iam-se complexificando também as tarefas que lhe eram atribuídas, quer a trabalhar para a família ou à jorna, para fora. As raparigas eram criadas de servir em casa de gente rica. Começavam, meninas ainda, a fazer trabalhos mais simples ou a cuidar dos filhos dos patrões, muitas vezes pouco mais novos que elas; muitas só deixavam esse trabalho nas vésperas do casamento.

Mas, como acontecia por todo o País, a perceção do mundo rural também se altera em São Vicente: as pessoas começam a sonhar com alternativas de vida melhores para si e para os seus filhos, e muitos partem, para Lisboa, mas sobretudo para o estrangeiro. De início partiam os homens, sozinhos, mas a pouco e pouco foram famílias inteiras que por lá criaram raízes e novos modos de vida; algumas já só regressam à terra para visitas breves e cada vez mais adiadas.

E a sangria não parou: uns anos depois muitos dos mais jovens também tiveram que procurar outras paragens na necessidade de encontrarem empregos compatíveis com a formação escolar que a democracia e as melhores condições económicas das famílias lhes permitiram.

E as ruas foram-se esvaziando; e as gentes ficam cada vez mais velhas. Em certos anos, morrem mais pessoas do que as crianças que nascem numa década. Estes dados mostram-nos uma realidade preocupante:

 

POPULAÇÃO DA FREGUESIA DE SÃO VICENTE DA BEIRA

(1900/ 2011)*

 

1900

 

1911

 

1920

 

1930

 

1940

 

1950

 

1960

 

1970

 

1981

 

1991

 

2001

 

2011

 

2 803

 

3 282

 

3 013

 

3 239

 

4 000

 

4 185

 

3 881

 

2 501

 

2 265

 

1 871

 

1571

 

1 259

·         Documento disponível no sítio da Junta de Freguesia SVB. De acordo com o último censo, em 2021 éramos apenas 958.

Se a tendência não se inverter, o que dificilmente acontecerá, corremos o risco de, dentro de poucos anos, algumas aldeias da freguesia, e mesmo São Vicente, ficarem desertas de gente, como já acontece em muitas outras por todo o País rural.

M. L. Ferreira