As Jornadas Europeias do Património, realizadas ontem na Partida, superaram as expetativas. O número de participantes oscilou entre 50 e um pouco mais de 100, nas diferentes atividades, o que foi ótimo.
Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
segunda-feira, 23 de setembro de 2024
Na Partida
quinta-feira, 19 de setembro de 2024
As Jornadas na Partida
Começa cedo, para quem na Vila tem pilates de manhã e/ou missa às 13:30h. Mas o programa é vasto, dura toda a tarde!
José Teodoro Prata
quinta-feira, 12 de setembro de 2024
sexta-feira, 15 de dezembro de 2023
O Pelourinho
Há dias, a propósito do artigo sobre a digitalização dos jornais pela Biblioteca de Castelo Branco, não respondemos à dúvida sobre se existiria o Pelourinho na Biblioteca Hipólito Raposo. De facto não existe. Há apenas um exemplar que foi doado, há tempos, pela Maria José (Alfaiate). É o número 2, publicado em 15 de setembro de 1960, era diretor o padre Sílvio.
Era
bom que fosse possível reunir todos os números publicados (também de O Vicentino)
e torná-los acessíveis através da digitalização. É que, dando-nos conta,
mensalmente, dos acontecimentos mais importantes em cada uma das povoações da
freguesia, foi um documento fundamental para ficarmos a saber quase tudo sobre
a vida de São Vicente durante várias décadas: dados económicos, sociais, demográficos,
culturais, costumes, valores, etc. que muitos vivemos e ainda recordamos, mas a
maior parte da população mais jovem nem imagina.
Deixo algumas das notícias deste Nº2; acho-as significativas porque testemunham bem como estávamos todos irmanados nas alegrias, nas tristezas e nas necessidades mais básicas:
- No Mourelo pedia-se às “Exmas. Autoridades” que fosse feito um chafariz para abastecimento de água à população, porque a única fonte disponível era ainda a Fonte de Mergulho, “pouco higiénica e muito distante”; realizara-se a festa de Santo António, “glorioso protector”, com missa e sermão feito pelo Padre Sílvio e cânticos dirigidos por um seminarista da Guarda; deu-se ainda conta da visita de várias pessoas aos seus familiares.
- Na Partida ansiava-se ainda pela chegada da estrada e pedia-se ajuda para o arranjo de alguns caminhos; a população viveu em festa, entre os dias 26 de agosto e 5 de setembro, pela presença de um grupo de seminaristas da Guarda que “… proporcionaram a todos momentos de inesquecível prazer espiritual”; também houve grande satisfação pela chegada de alguns conterrâneos vindos de França ou de Lisboa para passarem férias com a família; no dia 3 de setembro faleceu a senhora Amélia Bonifácio de Carvalho.
-Nos Pereiros festejava-se já a chegada da nova estrada que tanto iria beneficiar a população; mas chorava-se a morte de uma criança de 2 anos, num incêndio num palheiro, e queimaduras graves na mãe ao tentar salvar o filho; esteve de visita à família o senhor João António Varandas, sócio gerente da Fogás Lda.
- Na Paradanta esperava-se com impaciência a construção da escola, tanto mais que a população estava disposta a ceder o terreno no local que as “Exmas. Autoridades” julgassem mais adequado; estavam ainda de férias alguns estudantes da terra (6, no total!), e também o “menino” Norberto Gomes Filipe tinha ficado bem no exame de admissão ao Liceu; o senhor António Gomes Filipe e esposa pediram, para seu filho, a mão de D. Maria Emília Ventura Russo “Professora Oficial”, filha do senhor Alfredo Ventura Russo e da senhora D. Trindade Diogo Ventura Russo; faleceu inesperadamente a esposa do senhor Álvaro Martins Faustino.
- No Vale de Figueiras festejava-se o início das obras de alargamento do caminho de acesso à povoação; pedia-se a construção de uma fonte com “água pura”, em alternativa à dos poços e presas; deu-se também conta da participação de muita gente em algumas atividades e cerimónias religiosas realizadas pelos seminaristas da Guarda (na Partida) onde viveram uma “alegria sã e vida piedosa”.
- No Casal da Serra fora caiada a igreja e dourado o altar, que “ficou muito bonito”; continuava também em construção a estrada até ao Louriçal, que vinha encurtar o caminho de acesso à Estação e pediam-se também melhoramentos no caminho para a sede da freguesia; dava-se notícia da visita de várias pessoas, residentes fora, às suas famílias.
- No Violeiro pediam-se melhoramentos nos caminhos, autênticos lodaçais no inverno; festejava-se ainda os bons resultados nos exames dos estudantes José António Rato e Conceição de Jesus Rato e a partida de Francisco Magueijo para o seminário de Fátima; desejava-se boa viagem ao senhor José Roque, esposa e filhos, que regressavam a França onde residiam há sete anos.
- No Tripeiro festejava-se a chegada do telefone com muita alegria porque “já podiam fazer-se ouvir ao longe sem a triste necessidade de percorrer longos caminhos lamacentos”; dava-se a notícia de que a escola estava quase pronta, pelo que se agradecia muito ao “Estado”; iam também ter água canalizada em breve, coisa para admirar porque outras terras maiores ainda não a tinham; dava-se também conta da vitória, num jogo amigável, entre a equipa da terra e a do Mourelo.
- Em São Vicente iam realizar-se, nos dias 18, 19 e 20 as festas em honra do Santíssimo Sacramento, do Senhor Santo Cristo e de Nossa Senhora do Carmo; No dia 15 de Agosto tinha-se realizado “com grande fervor”, a festa em honra da nossa Padroeira: “… a imagem da «Senhora da Ordem» foi conduzida processionalmente até à Sua Capela. Subiu ao púlpito o Rev. Frei Crespo…”; estiveram em São Vicente, entre muitas outras pessoas, Amélia Rey Colaço Robles Monteiro e Mariana Rey Monteiro e filhos; esteve também a D. Aldina Caldeira com o marido e uma excursão, vinda de Lisboa, organizada pelo senhor Elias; estiveram na Vila os “montadores” do relógio novo para darem algumas instruções sobre o seu funcionamento e já havia quem tivesse contribuído para o seu “badalar”; no dia 21 de agosto a equipa de futebol “os Novatos de São Vicente da Beira” tinha ganhado à equipa da Partida (parece que pela primeira vez…); pelos “ Novatos” alinharam Chico, Martins (1 golo), Dias e Jaime, Nicolau e Ribeiro, L. Bruno, Quica (3 golos), Barroso, Inverno e Luís.
M.L. Ferreira
Nota: Há comentários novos na postagem anterior.
José Teodoro Prata
terça-feira, 5 de dezembro de 2023
Os Sanvincentinos na Grande Guerra
José Venâncio
José Venâncio nasceu na Partida, a 5 de
fevereiro de 1893. Era filho de António Venâncio e Maria do Rosário.
Assentou praça no dia 9 de julho de 1913 e foi
incorporado no 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, no dia 13 de janeiro
de 1914. Era na altura analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro.
Fazendo parte do CEP, embarcou para França em
21 de janeiro de 1917, integrando a 6.ª Companhia do 2.º Batalhão do 2º Regimento
de Infantaria 21, como soldado com o número 202 e placa de identidade n.º 9171.
Do seu boletim individual constam as seguintes
ocorrências sobre o tempo em que permaneceu em França:
a)
Baixa
ao hospital em 14 de agosto de 1917, por ter sido ferido em combate; teve alta
em 15 de outubro (segundo contava, esteve mais de um mês em coma);
b)
Várias
punições e detenções por faltas ao trabalho;
c)
Em
Junho de 1918, foi-lhe confirmado pelo Tribunal de Guerra a sentença de seis
meses de presídio militar ou, em alternativa, a pena de oito meses de
incorporação em Detenção Disciplinar (de acordo com a folha de matrícula, este
castigo foi aplicado, no dia 22 de Outubro de 1918, a José Venâncio e mais
outros seis militares da sua Companhia, por serem acusados de se terem
coligados entre si com o intuito de tirar da casa, que servia de prisão, um
soldado que ali se encontrava recluso, por ordem do Comandante do Batalhão);
d)
Foi
repatriado em agosto de 1918 e desembarcou em Lisboa, no dia 25.
Por decisão de 28 de
Maio de 1921 o crime de que era acusado foi amnistiado nos termos do Art.º 1 da
Lei n.º 1146, de 9 de Abril de 1921. Na sentença referida na sua folha de matrícula
pode ler-se o seguinte: «O crime por que
os réus foram condenados se acha amnistiado, assim o julgo e mando que sobre tal
crime se faça perpétuo silêncio.»
Condecorações:
Medalha de Cobre comemorativa da expedição a
França com a legenda: França 1917-1918.
Família:
José Venâncio casou com Maria dos Santos, no
dia 18 de janeiro de 192,0 e tiveram 6 filhos:
1. Maria Lucinda, que
casou com José Pedro e tiveram 3 filhos;
2.
Manuel
Venâncio, que casou com Margarida de Jesus Costa e tiveram 9 filhos;
3.
João
José Venâncio, que casou com Deolinda Marques e tiveram 5 filhos;
4.
António
Venâncio, que casou com Cândida Alves e tiveram 2 filhos;
5.
José
Venâncio, que casou com Maria Lucinda Pinto e tiveram 2 filhos;
6.
Fernando
Venâncio, que faleceu ainda jovem.
«Do que o meu pai mais
falava sobre o tempo em que esteve na guerra era do frio e da fome que por lá
passou. Diz que às vezes o frio era tanto que até parecia que as pernas não
eram dele. E para matar a fome tinham que ir pedir comida por aquelas quintas,
mas os camponeses também não tinham quase nada que lhes dar, porque a miséria
era por todo o lado. Por causa de fugir à procura de comida e faltar aos
trabalhos, foi muitas vezes castigado, ele e os outros companheiros. Também
falava dos gases que os alemães lá deitavam e matavam muita gente, porque
alguns nem máscaras tinham. Ele tinha uma e quando veio ainda a trouxe.
Lembro-me de a ver durante muito tempo lá em casa, mas depois desapareceu.» (testemunho do filho
José Venâncio).
José Venâncio toda a vida foi moleiro. Tinha um
burro e andava de terra em terra a transportar o grão para moer na azenha; teve
uma vida de muito trabalho e poucos ganhos, para sustentar os filhos ainda
pequenos. Viveu sempre com muitas dificuldades, porque a vida de moleiro não
lhe trazia grandes proventos e também não tinha terras para cultivar.
Nunca recebeu nenhuma pensão pelo tempo e
ferimentos que sofreu na guerra; foram os filhos que lhe valeram na velhice,
ajudando-o no seu sustento.
Faleceu em Outubro de 1968. Tinha 75 anos de
idade.
(Pesquisa feita com a colaboração do filho José
Venâncio)
Maria Libânia Ferreira
Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra
sábado, 16 de setembro de 2023
Os Sanvincentinos na Grande Guerra
José Nunes
José Nunes nasceu em Ribeiro d´Eiras, no dia quatro de setembro de 1892. Era filho de António Nunes e Maria
Joaquina. Como era habitual naquele tempo, começou a trabalhar muito cedo, na
agricultura e como pastor.
Assentou praça em Castelo Branco,
no dia 9 de julho de 1914, e foi incorporado no 2.º Batalhão do Regimento de
Infantaria 21. Segundo a sua folha de matrícula, era analfabeto e jornaleiro.
Embarcou para França, no dia 18 de
janeiro de 1917, integrando a 6.ª Companhia do 2.º Batalhão do 2º Regimento de
Infantaria 21, como soldado com o n.º 723 e a chapa de identidade n.º 9125.
Desembarcou em Brest, no dia 4 de fevereiro.
Do seu boletim individual consta o
seguinte:
a)
Baixa ao Hospital n.º 26, em cinco de fevereiro; alta em 20;
b)
Colocado na 1.ª Companhia com o n.º 723, em 16 de novembro de
1917;
c)
Baixa ao Hospital de Base 1, em 14 de abril de 1918; alta em 20;
d)
Baixa ao Hospital de Base 2, em 30 de maio;
e)
Em sessão de junta médica realizada em 14 de junho, foi-lhe
concedida licença por 60 dias para convalescença; esta licença foi posteriormente
reduzida para 30 dias;
f)
Embarcou para Portugal a bordo do navio Helenus, no dia 17 de março
de 1919, e desembarcou em Lisboa a 20 do mesmo mês.
Passou à reserva territorial em dezembro
de 1935.
Condecorações: Medalha militar de
cobre comemorativa da participação de Portugal na Grande Guerra com a legenda: França-1917-1918.
Família:
José Nunes casou com Ana Maria no
dia 27 de abril de 1920 e ficaram a viver na Partida, de onde era natural a
esposa. Tiveram três filhos:
1.
João Nunes, que casou com Maria do Carmo e tiveram 1 filha;
2.
Maria de Jesus Nunes, que casou com Joaquim Martins e tiveram 4
filhos;
3.
Celestina Nunes, que casou com César Alves e tiveram 2 filhos.
«Quando o meu avô regressou à terra foi recebido como um herói; mas
vinha tão traumatizado que não conseguia falar de outra coisa que não fosse a
guerra. Todas as conversas iam dar ao mesmo: as muitas tropas do seu batalhão;
os muitos homens nas trincheiras; os muitos mortos que uma vez viu espalhados
pelo chão, uns sem pernas, outros sem braços, outros com a cabeça ou a barriga
abertas; os que morreram quando tiveram que atravessar um rio agarrados a umas
cordas, com a roupa atada ao corpo com umas correias e o pouco dinheiro que
tinham, dentro da boca. Referia-se sempre a eles utilizando a expressão «Mais
de mil homens!» um número que ele achava ser o maior para definir todas as
atrocidades que por lá viu e dificuldades por que passou. Por causa disto puseram-lhe
a alcunha de “Mil Homens” e toda a família ficou assim conhecida.
Quando andava na escola também me tratavam por “Mil Homens”. Eu
ficava muito envergonhada, porque não sabia a origem do nome e achava-o muito
feio. Atualmente, depois de conhecer a história que deu origem à alcunha da
família, tenho o maior orgulho nela e no meu avô.
(testemunho da neta Celestina Nunes)
A filha Celestina Nunes também se
lembra de ouvir o pai contar que, quando chegou a Portugal, por trazer uma
caderneta tão limpa, lhe quiseram dar emprego em Lisboa, mas ele não aceitou,
porque o que queria era voltar para perto da família, das suas cabras e das
suas hortas.
Toda a vida trabalhou na
agricultura, quase sempre como jornaleiro numa casa de gente abastada da
Partida. No verão raramente faltava a um quinto e no inverno fazia quase todas
as campanhas da azeitona. Mas do que ele gostava mais era da sua Metanhosa, uma
terra, quase brava, que ele transformou numa propriedade que era o seu orgulho
e onde cultivava de tudo para a casa. Também teve quase sempre um rebanho de
cabras, que era uma grande ajuda para o sustento da família.
José Nunes faleceu no dia 24 de maio de 1962. Tinha 69 anos de idade.
(Pesquisa feita com a colaboração
da filha Celestina Nunes e da neta Celestina Nunes)
Maria Libânia Ferreira
Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra
sexta-feira, 2 de dezembro de 2022
Os Sanvincentinos na Grande Guerra
José Domingos
José Domingos nasceu na Partida, a 18 de Março
de 1893. Era filho de António Domingos e Joaquina Freire.
Assentou praça no dia 9 de Julho de 1913, como
recrutado, pertencente ao contingente de 1913, a cargo do concelho de Castelo
Branco. Foi incorporado no Regimento de Artilharia de Montanha, no dia 13 de
janeiro de 1914. De acordo com a sua folha de matrícula, sabia ler, escrever e
contar, e tinha a profissão de jornaleiro.
Terminou a instrução da recruta em 4 de julho
de 1914, e regressou à sua terra. Foi novamente mobilizado em Agosto desse ano,
e destacado para a província de Angola, para onde embarcou em 11 de setembro,
integrando a 1ª Expedição enviada para aquela província ultramarina. Chegou a
Moçâmedes no dia 1 de Outubro de 1914.
De acordo com a sua caderneta militar, tomou
parte na ação do dia 18 de Dezembro de 1914 contra os alemães, fazendo parte
das tropas que ocuparam o vau de Calueque. Pertencia ao destacamento do Humbe,
onde entrou em 7 de julho de 1915. Fez parte do destacamento de reconquista e
ocupação do Cuamato, de 12 a 27 de Agosto, e participou no combata de Chana da
Mula, em 24 do mesmo mês, dia em que, com o mesmo destacamento do Cuamato, se
reuniu às forças do destacamento de conquista do Cuanham de Mongua. Fez também parte
do estacamento da Ngiva, de 4 de setembro de 1915. Regressou à Metrópole, no
dia 16 de Novembro de 1915, e desembarcou em Lisboa, a 4 de Dezembro.
Licenciado em 15 de Março de 1916, foi promovido a 1.º Cabo em 9 de Abril. Apresentou-se novamente em 27 de Abril e foi destacado para fazer parte das tropas da 3.ª Expedição enviada para Moçambique. Seguiu viagem no dia 24 de Junho de 1916 e desembarcou no porto de Palma, a 24 de julho. Terá participado nos combates levados a cabo para conquistar o território na margem norte do rio Rovuma, nos quais muitos militares perderam a vida. Felizmente não fez parte desse número e regressou à Metrópole, em 31 de Março de 1918.
Passou ao Batalhão n.º 1 da Guarda-Fiscal, como
soldado de Infantaria, em 25 de Outubro de 1918, e novamente ao Regimento de
Artilharia de Montanha em 25 de outubro de 1921. Licenciado em 28 de outubro,
fixou residência na freguesia dos Olivais, em Lisboa, onde terá feito formação
numa área relacionada com o seu percurso profissional futuro.
Em Janeiro de 1922, José Domingos regressou a
Moçambique e foi colocado na Companhia do Niassa, no norte de Moçambique (o seu
primo Albano Frade, que na altura se encontrava em Lourenço Marques, refere-se
a ele, em notas biográficas que deixou, dizendo que José Domingos tinha passado
por aquela cidade, em maio de 1922, a caminho do Niassa). Mais tarde exerceu o
cargo de Chefe de Posto, na região de Porto Amélia.
Passou à Companhia de Trem Hipomóvel, em 2 de
Setembro de 1930, e à reserva territorial, em 31 de Dezembro de 1934.
Condecorações:
·
Medalha
das Operações no Sul de Angola 1914-1915;
·
Medalha
da Vitória.
Família:
José Domingos voltou à Metrópole uns anos
depois e casou com Maria Ana Lourenço, natural dos Pereiros, no dia 21 de
Fevereiro de 1927. Era uma rapariga muito bonita, uns anos mais nova que o
noivo, e que gostava muito da sua terra. Terá sido por isso que, tendo
acompanhado o marido de regresso a Moçambique, e apesar da viagem de núpcias
que ele lhe proporcionou através do Canal do Suez, com escalas e passeios pelas
várias cidades por onde passaram, nomeadamente Veneza, nunca se adaptou à vida em
África, nem superou as saudades da terra. Regressou pouco tempo depois, já
grávida da primeira filha, que nasceu em dezembro de 1927.
José Domingos permaneceu em Moçambique por mais
alguns anos, nesta altura já como Chefe de Posto da Administração Civil, na
região de Porto Amélia. Apesar de alguma insistência por parte da esposa, para
que regressasse à terra, só voltou quando a filha estava quase a completar a
instrução primária e Maria Ana lhe terá dito que ia pô-la a aprender costura.
Foi esta notícia que fez com que José Domingos regressasse mais depressa,
porque não estava de acordo com a esposa quanto ao futuro da menina e queria
que ela prosseguisse os estudos. Tiveram depois mais uma filha.
As duas filhas de José Domingos e Maria Ana
foram:
1.
Aurora
de Jesus Domingos Lourenço que casou com Alexandre Domingos Lourenço, do Ninho
do Açor, e tiveram 3 filhos;
2. Emília da Conceição Domingos que casou com Manuel Canário e tiveram 2 filhos.
Embora não tivesse sido muito do agrado de José
Domingos, que pretendia mudar-se para uma localidade maior, o casal manteve a
residência nos Pereiros, onde construíram uma das maiores casas da terra e se
estabeleceram com uma mercearia e uma taberna. Adquiriram também bastantes
terrenos de cultivo (alguns já tinham sido comprados por Maria Ana com o
dinheiro que o marido lhe enviava de Moçambique) e tinham a sua própria junta
de bois com ganhão e um grande rebanho com pastor. Na terra há ainda quem se
lembre de o ver a visitar as propriedades montado no seu cavalo, coisa pouco
habitual naquela altura.
Talvez por ter estado em África, era um homem
de horizontes largos. Gostava de viajar e fez parte da comitiva que acompanhou
o Governador de Porto Amélia por vários países vizinhos de Moçambique. Também fez
questão que as filhas estudassem, e ambas concluíram o antigo Curso Geral do Liceu
(a mais nova formou-se em Assistente Social).
Passados muitos anos, o casal vendeu a casa e o
comércio nos Pereiros e mudou a residência para Castelo Branco onde viveu
alguns anos. Já no fim da vida, Maria Ana adoeceu e mudaram-se para o Ninho do
Açor, para junto da filha mais velha, e foi aí que faleceram os dois.
As netas lembram-se dele, sentado num banco no
quintal, a ler o jornal. Quando uma notícia lhe despertava mais a atenção,
chamava a filha e punha-se a ler em voz alta. Acontecia isto sempre que via
qualquer notícia sobre África, da qual guardou saudades para sempre.
Maria Ana Lourenço faleceu no dia 13 de abril de 1977. José Domingos teve uma vida mais longa: faleceu no dia 10 de outubro de 1979. Tinha 86 anos de idade. Está sepultado no cemitério do Ninho do Açor.
(Pesquisa feita com a colaboração das netas
Maria Cristina Lourenço e Maria Teresa Lourenço)
Maria Libânia Ferreira
Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra
quinta-feira, 12 de maio de 2022
Crenças Populares
Desde que existe vida
humana na Terra que a necessidade segurança e sobrevivência, ou de entender
determinados fenómenos para os quais não havia explicação racional, levou ao
aparecimento de mitos e crenças que foram passando de geração em geração,
perpetuando-se ao logo dos tempos. Muitos chegaram até nós através das
histórias que povoaram a nossa a infância, quase sempre pela voz dos mais
velhos, e condicionaram, de certa forma, o nosso modo de vida desde muito cedo.
Quem não se lembra de,
em criança, ouvir que se brincássemos com o lume fazíamos xixi na cama? Ou que
brincar com a sombra era brincar com o diabo? Que contar as estrelas fazia
crescer cravos nas mãos? E que andar para trás era ensinar o caminho ao diabo?
E se era uma tentação, naquela idade, fazermos todas estas coisas! Ainda hoje,
algumas vezes, dou comigo a brincar com o lume ou a contar as estrela.
Muitas destas histórias,
com algumas especificidades regionais, são contadas em vários pontos do País;
algumas até por esse mundo fora. As que aqui deixo ouvi-as, mais ou menos como
as conto, na nossa freguesia. E há tantas outras para contar!
Bruxas e lobisomens
Havia
algumas mulheres cá na terra que, dizia-se, eram bruxas; pelo menos da fama não
se livravam. A maior parte já eram velhas, e só lhes dava para o mal. Recomendavam-nos
que fizéssemos figas se tivéssemos que nos cruzar com elas. Mas às vezes nem as
figas nos valiam e de um dia para o outro começávamos a ficar doentes, cheios
de fastio e o olhar mortiço; ou então dávamos em fazer coisas que não lembravam
ao diabo, prova mais que provada de que nos tinham feito mal.
O
remédio para tirar o acedente (mau-olhado) era encher um prato com água e dizer
esta oração: «Deus te viu, Deus te criou, Deus te livre de quem para ti mal
olhou; em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo tirai este quebranto.» ao
mesmo tempo iam-se deitando pingos de azeite no prato (cinco ou sete, para ser
pernão). Se o azeite se espalhava, era sinal de mau olhado, mas se os pingos
ficavam juntinhos numa bolha, o mal seria outro. Para acabar com o bruxedo
tinha que se despejar a água do prato e repetir tudo as vezes que fossem
precisas até os pingos ficarem juntinhos.
Quando
se queria saber quem é que tinha feito o mal, bastava por uma panela com água a
ferver ao lume, mergulhar lá dentro uma peça de roupa da pessoa embruxada, e
picá-la com um espeto durante um bocado. Isto tinha que se fazer entre a meia-noite
e a uma hora, e era limpinho que a bruxa havia de aparecer a pedir que parassem,
que lhe estavam as doer muito as picadelas do espeto no corpo.
Faziam
coisas terríveis, as malvadas! Disse que uma vez, na Vila, houve uma que entrou
pelo buraco da fechadura duma casa, pegou numa menina que estava a dormir no
berço e trouxe-a pelas escadas abaixo. Eram as Festas do Verão, a banda a tocar
na Praça, e os pais, gente nova, quiseram ir dançar uma moda. A mãe não se
demorou muito, mas quando chegou a casa até lhe ia dando uma coisa. Não é que a
menina estava caída no limiar, já rouquinha de tanto chorar, sujeita a ser
comida pelo porco que estava na furda, mesmo ali ao lado?! Foi um caso tão
badalado que ainda hoje se fala dele.
Também
me contaram que um dia uma mulher foi à missa e, no banco atrás, estavam duas
calhandreiras a falar tão alto que ela já nem podia ouvi-las. Preada, voltou-se
a mandá-las calar. Não é que quando chegou a casa tinha a toalha da mesa com
uma grande tesourada? E que linda era aquela toalha! Percebeu logo o que tinha
sido porque uma das calhandreiras não se livrava da fama de bruxa, e que Deus
lhe perdoasse se estava a pecar por maus pensamentos, mas ali estava a prova...
E
o susto que um homem cá da Vila apanhou uma vez? Era no tempo de fazer a
aguardente e naquele dia tinha andado até tarde a ajudar o pai no alambique.
Quando estavam a subir a rua da Costa, cada um com dois garrafões de cada lado,
já tinha dado a meia-noite. Nisto começou a sentir passos atrás dele, e voltou-se
para ver quem era. Até se lhe arrepiaram os cabelos quando viu um vulto negro,
enorme, como nunca tinha visto igual. Nem abriu a boca para não assustar o pai,
mas sentiu aquela presença até à porta de casa, no cimo da rua. Entrou a
correr, e até ia a por a tranca na porta, mas encheu-se de brio e disse lá para
com ele: «Mas eu sou um homem ou um cachopo?», e saiu porta fora com a tranca
no ar, disposto a dar cabo do que quer que fosse. Mas o vulto tinha
desaparecido; só ouviu um barulho, rua abaixo, como se fosse um cavalo a
correr.
Faz
lembrar o que contavam de um homem da Partida, boa pessoa, respeitador de toda
a gente, um mouro de trabalho; mas diziam que era lobisomem. Em certas noites,
principalmente noites de lua cheia, transfigurava-se e corria desalmadamente
pelas ruas levando pela frente tudo o que se lhe atravessasse no caminho.
Tiveram a certeza que era ele quando, uma vez que a mulher se atrasou a cozer o
pão, já passava da meia-noite quando voltou para casa. Ia a subir a rua com o
tabuleiro à cabeça e, nisto, começa a ouvir um barulho estranho, ao longe, que
se ia tornando cada vez mais perto, até que sentiu que estava mesmo
encostadinho a ela. Só teve tempo de se atirar para a valeta, não fosse levada
à frente, mas sentiu o bafo e uns dentes enormes a abocanharem-lhe o xaile.
Por sorte, um dos irmãos do lobisomem ouviu o barulho
e percebeu logo o que era. Saiu da cama a correr e, com o agulhão das vacas em
punho, saltou-lhe ao caminho. Com tanta pontaria que conseguiu espetar-lho
direito ao coração. Só desta maneira pôde desfazer a perneta que o irmão tinha
desde novo.
Quando chegou a casa, tão amedrontada que quase não
se tinha nas pernas, viu o homem sentado ao cimo das escadas, a arfar, ainda a
cuspir bocados da franja do xaile.
Almas penadas
Às
vezes os casos eram tão bicudos que só gente entendida, a poder de muitas rezas,
defumações e esmolas, eram capazes de atalhar. Como o daquele homem que há que
tempos trazia um peso no corpo e nenhum médico conseguia dar com o mal. Não
teve outro remédio senão ir a uma dessas benzedeira que têm fama de curar todos
os males. Não é que ela lhe afirmou, assim que o viu, que era o pai dele que
lhe andava encavalitado nas costas? O caso era que o velho tinha morrido com
promessas por pagar e queria que o filho as pagasse para poder descansar. A
verdade é que depois de tudo pago, como mandou a tal mulher, o dito homem
começou a sentir algumas melhoras.
E
o caso daquele pastor do Casal da Serra a quem, sem mais nem menos, começaram a
aparecer ovelhas feridas e algumas até mortas? Desacorçoado, em saber o que
fazer à vida, resolveu-se a ir a uma dessas mulheres, não fosse coisa do diabo.
E a verdade é que ela viu, claro como a água, que era um amigo do dito pastor
que tinha morrido há uns tempos, e todas as noites vinha fazer pontaria ao
rebanho com uma fisga. Tal e qual como tinham feito muitas vezes juntos, ainda
rapazes novos, só para apostarem qual acertava mais longe. Dizem que depois de
cumprir as recomendações que a mulher lhe fez, não tornaram a aparecer ovelhas
feridas nem mortas.
Esta
contaram-ma há pouco tempo. Eram duas irmãs que moravam no fundo – vila e tinham
uma tia, muito amiga, que morava do lado de cima da Fonte Velha. Em solteiras,
de verão, iam quase todos os dias passar o serão para casa dela e ficavam lá
até às tantas. Uma vez demoraram-se mais e deram-lhes as badaladas da
meia-noite ainda antes de chegarem à Praça. Então não é que na rua Nicolau
Veloso, mesmo à frente duma casa onde tinha morado uma costureira, ouviram
claramente o pedalar duma máquina de costura? Ó pernas para que vos quero, todas
arrepiadas, rua abaixo, porque bem sabiam que desde que a costureira tinha
morrido a casa estava fechada. Não tornaram a passar por lá àquela hora, mas
parece que houve quem por lá tivesse passado, também a más horas, e tivesse
ouvido o pedalar da máquina de costura.
Já
lá vão muitos anos, uma amiga minha foi a Castelo Branco fazer o exame da
quarta. Quando voltou à terra vinha numa tristeza tão grande que mal comia e
sempre a suspirar. Por mais que lhe perguntassem, não dizia a ninguém o que é
que tinha. As más-línguas até já diziam que se calhar tinha ficado mal no exame
e não queriam dizer; como se fosse possível, numa terra onde tudo se sabe. A
mãe fez o que pôde, mas nem rezas, nem defumações, nem xaropes, nada resultou.
Até que a levou à benzedeira de Abrantes que diziam que era muito entendida nestas
coisas. E a verdade é que ela viu logo qual era o mal: nem mais nem menos que o
espírito de um tio afastado que tinha morrido há já uns bons anos, mas que
ainda andava por aí, feito alma penada. Recomendou que rezassem umas certas
orações, mandassem dizer duas missas e deixassem uma esmola na caixa das almas.
A verdade é que, ao fim de pouco tempo a cachopa começou a melhorar e já nem
parecia a mesma.
Passados
uns tempos contou-me o segredo da doença: quando tinha ido a Castelo Branco
fazer o exame, tinha lá visto um rapaz tão bonito como nunca tinha visto. De
cabelos encaracolados, moreno, olhos verdes (ou seriam castanhos?), foi amor à
primeira vista. A paixão tinha sido tão grande que até que se lhe tinha atado
um nó na garganta e o coração parecia um cavalo a correr, a querer saltar-lhe
do peito. O mais certo era nunca mais tornar a vê-lo, mas o nó da garganta
também já se lhe tinha desatado e o coração batia mais devagar.
E outros
mistérios
Contou-me a minha avó que, um ano, pela Páscoa, atrasou-se
noutras andanças e não teve tempo da fazer os bolos antes de Sexta-Feira Santa.
Começou a amassar logo de madrugada, com as medidas, as rezas e todas as voltas
já do tempo da mãe dela. Nem de tapar a massa com o capote do meu avô ela se
esqueceu. Lá para o meio-dia a massa havia de estar pronta para ser tendida e
ir para o forno, ainda a tempo de poder ir à Procissão do Encontro. Qual quê?
Quando foi ao meio-dia a massa ainda estava no fundo da masseira, e à noite
continuava na mesma. Nunca tal lhe tinha sucedido.
Contava-se que a outra mulher tinha sucedido uma
coisa parecida, só que a ela a massa tinha fintado que era uma maravilha;
tendeu os bolos e meteu-os no forno, aquecido como deve ser. Quando foi por
eles, estavam que nem carvão. Também era Sexta-Feira Santa…
A outra mulher, também cá da terra, houve um ano que a
forneira teve tanto trabalho que já só já lhe arranjou vez para cozer os bolos
na sexta-feira. Não teve outro remédio senão sujeitar-se, mas com o coração nas
mãos por causa das histórias que já tinha ouvido contar. Razão tinha ela, que
quando começou a partir os ovos estavam todos cheios de pintas de sangue. Nesse
ano, na casa dela, não houve a fartura de bolos da Páscoa que era costume. Só o
que uma vizinha, com pena dos filhos, lhe levou.
Conta-se também que uma vez uma mulher foi lavar a
farda da tropa de um dos filhos. Tinha chegado de véspera, já quase noite e
abalava para o quartel no dia a seguir, à tardinha. Mal o sol nasceu, a mãe foi
a correr para a ribeira, mas assim que começou a ensaboar a roupa, parece que
se desfazia em sangue; até a água ficou encarnada. Era dia do Corpo de Deus…
M. L. Ferreira
quarta-feira, 20 de outubro de 2021
Naquele tempo...
Daquele tempo lembramo-nos nós, os mais velhos. Foi o tempo da nossa infância. Depois tudo mudou, tanto que até as crianças acabaram nas terras abaixo referidas.
O texto que se segue é um trecho de um artigo publicado no jornal Gazeta do Interior da semana passada (13 de outubro). A sua autora chama-se Cesaltina Gilo, professora aposentada com ligações familiares a Monsanto, que ainda conheci na Escola Secundária Nuno Álvares. Antes de se licenciar em História, foi professora do Ensino Primário e esta história autobiográfica conta a sua experiência na primeira colocação que teve depois de concluir o Magistério Primário, precisamente nas Rochas de Cima.