O Governo apresentou, no passado dia 26 de Setembro, o Documento Verde da Reforma Administrativa Local.
Por acordo com a troika, em meados do próximo ano devem estar lançadas as bases desta reforma e publicada a legislação de suporte.
O jornal Gazeta do Interior, de C. Branco, traz esta semana artigo de fundo sobre o tema.
Algumas questões:- Confirmaram-se os meus receios: incentiva-se a fusão de municípios, mas a extinção de freguesias é a prioridade. Pudera, é nos concelhos e em volta das câmaras que gravitam as elites partidárias locais, no poder agora ou daqui a uns anos. Afrontá-las seria criar fracturas nos partidos, comprometendo apoios às direções nacionais!
- Na reforma administrativa que extinguiu o concelho de S. Vicente da Beira, em 1895, salvaram-se os concelhos minúsculos de Vila de Rei, Vila Velha de Ródão, Penamacor e Belmonte. Alguns chegaram mesmo a ser extintos, mas restauraram-se de novo, só pelo de S. Vicente ninguém acudiu, como se lamentava Hipólito Raposo. Agora, cem anos depois, preparam-se para continuar a sobreviver. Pelo menos o de Vila de Rei não será tocado, pelo peso que tem dentro do partido do Governo.
- No artigo da Gazeta, vários autarcas da região defendem que, em vez de extinguir freguesias isoladas, a prioridade devia ser extinguir as freguesias das sedes dos concelhos, que não servem para nada, pois aí são as câmaras que fazem tudo. Nas sedes dos concelhos, apenas no século XIX foram criadas as Juntas da Paróquia, nos séculos anteriores eram as câmaras a cuidar dos assuntos das sedes concelhias. Sem esta medida e sem a extinção dos concelhos pequenos, não vejo onde se vá poupar alguma coisa, sendo esse o principal objectivo desta reforma.
- O critério será, segundo o documento, extinguir freguesias com menos de 500 habitantes. No nosso concelho, estão nesta situação o Sobral do Campo, Ninho do Açor, Freixial do Campo, Juncal do Campo, Cafede, Monforte da Beira e Mata. São Vicente da Beira, com 1261 habitantes (Censo de 2011), é a quarta freguesia mais populosa do concelho e também uma das maiores em área geográfica. A lei não a obrigará a alterações.
- Em princípio, não sou um partidário cego das freguesias atuais. Muitas vezes, elas dividem os povos mais do que os unem. Por exemplo, Cebolais de Cima e Retaxo são duas freguesias do mesmo concelho, encostadas uma à outra, por uma rua que nem sei a qual pertence. Juncal e Freixial, quase igual. Cafede é uma minúscula aldeia ao lado de C. Branco, quase um mini dormitório. Dos tempos antigos, perdemos a solidariedade, a partilha, a união. São valores a renovar nesta reforma. Associação generalizada de freguesias pequenas e/ou contíguas, independentemente do número de habitantes, porque não? (Mas não percebo onde se consiga poupar dinheiro que se veja!)
- Mas temo por este extingue-se e depois logo se vê. Não vai haver tempo para as ideias amadurecerem, fazendo germinar novas realidades, novas práticas de vida comunitária. O que está em risco de morrer é nada menos que a democracia local, a proximidade com as pessoas, a participação das comunidades na resolução dos seus problemas. Claro que não é a associação de freguesias, só por si, que implicará esse risco, mas sim as soluções apressadas. Há uns tempos conheci um ditado que retrata esta ideia: cadelas apressadas parem cachorros mortos. Estamos a esquecer-nos demasiado das pessoas: a lógica atual é a precaridade e o desemprego, porque se poupa; fechar serviços, porque se poupa; diminuir os transplantes, com a consequente morte dos pacientes, porque se poupa… Cresce um sentimento generalizado de abandono, entre as gentes.