segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Memórias da Praça

 

A minha Praça não é a dos tempos idos da História, atravessada por presidentes, juízes, tabeliães, condes e viscondes; nem a dos vigários e outros vultos negros a caminho da igreja; ou a da gente presa na enxovia, açoitada no pelourinho ou levada para a forca; nem sequer a dos gabões que invadiram a câmara, queimaram os papéis e acabaram com o concelho.

A minha Praça é a das olaias floridas, mal chegava a primavera; a dos bancos todos com gente; a dos sinos a tocar as Ave-marias, para a missa, por ser festa, haver fogo ou ir alguém a enterrar.

É a Praça das tendas, nos dias de feira, onde os olhos nos ficavam presos a tanta coisa linda a que mal podíamos chegar. 

É a Praça das tabernas a toda a roda, que aos domingos, depois da missa, se enchiam de homens na conversa e a beber em sociedade; que quando o vinho falava mais alto e qualquer questão de lana-caprina dava azo a zaragatas, era ver as mulheres aflitas e as crianças curiosas, todas a correr, não fosse algum parente chegado andar metido na bulha.

É a Praça das procissões, dos foguetes, da banda a tocar no coreto, das cantigas de Natal, à roda da fogueira, à saída da Missa do Galo.

É a Praça onde ríamos à gargalhada, sentados no chão ou em bancos levados de casa, quando vinham as comédias; ou quando, nas noites de circo, de coração aos pulos, até fechávamos os olhos quando os acrobatas davam voltas no trapézio ou tentavam equilibrar-se em cima do arame.

É a Praça dos ceguinhos que apareciam aos domingos e nos dias de feira, e cantavam histórias fabulosas de amor e tragédia que alimentavam um imaginário sem limites.

É a Praça onde, nas vésperas da Senhora da Orada e das Festas de Verão, chegavam as excursões vindas de Lisboa: uma camioneta grande, cheia de gente, e era uma alegria se vinha algum parente próximo, que, quase de certeza, havia de nos trazer uma prenda.  

É a Praça da escola: horas sem fim a dizer a tabuada, as serras, os rios e caminhos-de-ferro, na ânsia do recreio. E o tempo era pouco para as rodas, o paspelho, a linda falua, os jogos da pela, da corda, do anel, do espeta ou das conchinhas; às vezes só a partilha de segredos íntimos, inocentes, com a melhor amiga.

É a Praça onde ia à fonte e ficava horas esquecida na brincadeira ou na conversa, enquanto esperava a vez para encher o cântaro; e a minha mãe à espera da água, às vezes já com o chinelo à mão…

É a Praça onde, aos domingos à tarde, paravam carros com senhoras bem vestidas ao lado de homens engravatado, que vinham à procura de raparigas sérias e despachadas para criadas de servir; uma vez quiseram levar-me e tive de fugir para casa. Passei o resto da tarde encolhida debaixo da cama, com medo que a minha mãe desse comigo e me obrigasse a ir para a Covilhã.

É a Praça onde esperava sempre, no dia certo, a carrinha da Gulbenkian; às vezes tinha que me esconder para ler os livros que levava para casa; talvez por isso me davam tanto prazer.

É a Praça dos primeiros bailes de domingo, no balanço das músicas da moda, tocadas num gira-discos manhoso. Foi num desses bailes que dancei o primeiro slow e quis o primeiro beijo.

Passaram muitos anos, e o mundo deu tantas voltas, que a minha Praça já é quase só memórias…

ML Ferreira

sábado, 9 de novembro de 2024

Uma mulher, um telemóvel

 Isto hoje mete drama!, aviso já.

Aqui, a dois passos de Almada (quinze minutos a pé, de minha casa) há um parque. Daqueles verdes, muitas árvores, alguns caminhos que se bifurcam e se cruzam, para se andar, de terra batida, outros já com piso de alcatrão, bastantes empedrados. Parque da Paz, o nome de baptismo. A toda a volta, autoestrada, estradas várias, principais, muito trânsito.

Sou dos assíduos, ao cantar dos galos. Conheço praticamente todas as pessoas que lá vão, a maioria caminhando apenas, uns poucos a correr. Conheço-os pelo andar, a andarem para mim, um bom-dia quando nos cruzamos; outros, à minha frente como a desafiar-me a apanhá-los, outros ainda, mais rápidos, vindos de trás, a ultrapassar-me - é pelo andar, sim, que os identifico.

Nas mesmas horas, quase sempre os mesmos; dá-se por quem falta, e, se aparece alguém novo, dá-se por isso.  

Não conhecia aquele andar! Lá mais à frente, onde a vereda dos carvalhos cruza com o caminho principal, vinda daí, uma senhora. Até me pareceu alguém de São Vicente! Acompanhei-a como pude, a uns 80 metros de distância, depois 100 e por aí adiante, até a perder de vista. À altura do nariz, seguro na mão direita da senhora, um telemóvel - por onde ela lia, concentrada, sim, em andamento. Opinioso, como toda a gente, quando a vi encaminhar-se para fora do parque, do lado que tem mais trânsito, pensei para mim: "Oxalá, não tenhas algum azar!"

Curioso q.b., sou assim, mas não ao ponto de me deslocar dez metros para dar fé de um acidente automóvel; nem de perguntar a quem passa, com ar de saber, "o que é que se passou ali?". Só vos posso dizer que ouvi a sirene de uma ambulância, para aqueles lados, parou, depois arrancou, ainda com maior ruído. Nem sei se foi a senhora do telemóvel, atropelada, sei lá!, nem se ela sempre é de São Vicente...

Quando, e se, souber alguma coisa, volto à antena.

S. Baldaque, um vosso criado.  

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Ontem, na Praça

 

No pelourinho da Praça.


Na Praça, junto ao balcão da antiga Câmara


No interior da Igreja Matriz



À porta da Igreja da Misericórdia

José Teodoro Prata
Fotos do Joaquim Varanda e Maria da Luz Teodoro

sábado, 19 de outubro de 2024

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Empalhar

 

Esta forma de fazer as sementeiras tem três vantagens: evita a erosão do terreno, prolonga a frescura da terra e dificulta aos pássaros a visão das plantinhas acabadas de nascer.

Chama-se empalhar e, como a palavra indica, as sementeiras protegiam-se com palha, pois no passado os terrenos cultivavam-se quase todos de centeio e ainda não havia pinhais para ir à caruma, como eu fui.

José Teodoro Prata

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Paz

 

Acabei de ler o livro O Instinto Supremo, de Ferreira de Castro, 4.ª edição, 1968, da Guimarães Editores. Tem a capa igual à que acima se apresenta.

Requisitei-o na Biblioteca Hipólito Raposo, São Vicente da Beira, aquando da 5.ª sessão do Conta-me histórias.

É um romance histórico baseado num projeto criado pelo Marechal Rondon (1965-1958), que visava promover contactos pacíficos entre índios ainda não “civilizados” e a sociedade brasileira. Ele defendia que nunca se devia agir com violência contra os indígenas. O seu lema era «Morrer se for preciso, matar nunca». Albert Einstein propô-lo para Nobel da Paz.

Ferreira de Castro aborda a integração não violenta dos índios Parintintins, que foram o seu terror, quando, aos 13 anos (em 1911), trabalhou como seringueiro na Amazónia, no seringal Paraíso, região de Manaus.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 14 de outubro de 2024