O almoço de Páscoa começou com uma canja. Não é habitual, mas estava magra e saborosa. Coube-me deitar os pratos. Ao vigésimo e último, já só havia um restinho no fundo da panela. Quando a minha mulher fez tenção de levar o prato, eu exclamei: "Espera, estou a ver se ainda apanho mais um cheirume!" Referia-me a umas febritas que dançavam no último caldo.
Vim intrigado com a palavra que usara. Consultei o dicionário cá de casa e nada. Tive de recorrer ao Dicionário de Morais (1789-1949), na Biblioteca Municipal.
Cheirume significa cheiro forte, penetrante.
Não me satisfez. Achei chorume: abundância, opulência; banha, pingo; sugo (líquido que escorre do estrume, do lixo); excesso de gordura do leite ao fabricar-se o queijo; gordura segregada na base dos velos dos ovinos.
A minha mãe, a agricultora lá de casa, costumava dizer de uma terra magra, sem estrume ou adubo com que alimentar as culturas, que não tinha cheirume nenhum. Era isso que eu procurava, ao catar as últimas febras no fundo da panela: alimentar o melhor possível a pessoa a quem coubesse aquele prato.
Penso que o nosso cheirume é uma mistura de cheirume e chorume, mas acho que tem mais de chorume que de cheiro.
Como o povo tem tendência para aldrabar as coisas, os nossos antepassados usaram cheirume, que também cheira, com o sentido de chorume.
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