Eram dias que traziam uma vida
nova às nossas vidas e à nossa terra. Quando, na quarta-feira, assistíamos ao
desmontar da festa e os amigos começavam a partir, nos nossos corações ficava uma
enorme tristeza e saudade. Ainda por cima, quando se é criança, um ano é muito
tempo e as próximas Festas ainda vinham tão longe!
Para aqueles que, como eu, éramos
criança na altura, uma das coisas que mais nos fascinava nas Festas era a
feira. A praça e as ruas à volta enchiam-se de tendas que vendiam de tudo, mas
do que mais gostávamos era dos brinquedos. Rivalizavam com os que nós próprios
fazíamos a partir de tudo o que tínhamos à mão ou com os pratinhos e tachinhos
de lata que o Ti Fernando Latoeiro nos fazia (a paciência daquele homem para
nos aturar, sempre que lhe invadíamos a oficina durante o recreio da escola!).
Não me lembro de alguma vez ter
podido fazer grandes compras nessas tendas. O dinheiro que me davam para gastar
por esses dias mal chegava para uma voltinha no carrossel ou uma santinha de
açúcar que se pendurava ao pescoço e se ia saboreando lentamente.
Mas, a propósito disto, lembro-me
de um episódio que me acompanhou durante muito tempo e ainda hoje recordo
muitas vezes: Teria os meus sete ou oito anos, uns primos do meu pai que viviam
em Lisboa, mas que por essa altura estavam a passar férias na nossa casa,
deram-me uma moeda de vinte e cinco tostões (era muito dinheiro para mim que
não estava habituada a tanto, mas também devia ser bastante para eles que
tinham ar de gente fina, mas fama de forretas). Era uma moeda novinha, muito
brilhante e um pouco diferente daquelas, já meio gastas, que estava habituada a
ver.
No dia seguinte, assim que pude
escapar de casa, fui para a praça com a moeda bem apertada na mão. É que no dia
anterior tinha andado a namorar um “fogão a gás” de plástico, réplica perfeita
dos modelos com que as nossas mães sonhavam, para substituir os velhos
fogareiros a petróleo.
Lembro-me que me sentei num banco
de pedra, em frente ao balcão da escola, e fiquei ansiosamente à espera que
abrissem as tendas. Enquanto esperava, veio sentar-se por perto o Espanhol e
eu, qual carochinha que se acha de repente rica, mostrei-lhe a moeda que me
tinham dado. Ele olhou para ela, depois para mim e disse-me, com o ar mais
convicto deste mundo: “Olha que isso é falso. Bota isso fora que se a guarda te
apanha leva-te pó posto!” Fiquei de tal maneira amedrontada que atirei a moeda
para o chão, para o mais longe que pude, e voltei para casa com o coração
apertado, num misto de medo e uma enorme frustração.
Quando cheguei a casa e contei o
que tinha acontecido deram-me uma grande descompostura e mandaram-me ir à
procura do dinheiro. Voltei à praça para ver se ainda achava a moeda, mas
claro, não a encontrei.
Sempre preferi acreditar nas boas
intenções do Espanhol e que a moeda se perdeu enterrada no chão que ainda era
de terra; mas se não foi o caso, que os copitos que pagou tenham feito bom
proveito a quem os bebeu…
Nota: Achei interessante o facto
de o texto do livro de Albano Mendes de Matos referir um domingo de Setembro como
o dia da festa do Santo Cristo. Das Festas serem em Setembro, quase todos nos
lembramos, mas o dia em honra do Santo Cristo é, desde que me lembro, a segunda-feira.
Houve certamente uma evolução em termos do calendário das Festas e dos santos
venerados, como é natural…
M. L. Ferreira
M. L. Ferreira
Um comentário:
Libânia:
O Albano Mendes escreveu uma ficção e por isso não esperes encontrar rigor histórico em todos os pormenores! Ele criou uma história a partir de certos factos reais, mas jogando com eles, sem respeitar totalmente a realidade!
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