sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O RENEGADO

Prólogo e fontes:

Antes de mais quero alertar para o facto de serem usados bastantes regionalismos, neste texto, por palavras ou expressões. Alguns, simplesmente, não existem nos dicionários, mas são conhecidos e utilizados, sobretudo pelos mais velhos. Devem ser interpretados segundo o sentido que lhes é dado no interior do país, especialmente na Beira Baixa, o que às vezes é difícil, dada a sua volatilidade, como acontece com todas as línguas, face ao passar das gerações.

Outro alerta é para a circunstância de se usarem algumas alcunhas associadas a nomes de pessoas. As alcunhas são muito frequentes em S. Vicente da Beira. Podem ser consideradas ofensivas. Mas quando aqui se referem é no sentido carinhoso.

Esta história foi-me contada pelo Ti’ Aurélio Moreira que este ano completa a bonita idade de 94 anos e, à época, teria os seus 30. Mas contou-ma muito rápido, no sítio do antigo Tronco, em três ou quatro penadas, portanto, com muito poucos pormenores. Não houve tempo para mais.

Ele próprio viveu alguns dos acontecimentos, sobretudo, da parte final da história, in loco. Mas nada sabia e, em boa verdade, nada podia saber, sobre o que se passou na Tapada quando o Renegado chegou a casa do Ti’ Zé Maria Prata, onde apenas se encontrava a esposa e os filhos deste.

Nestas condições e, como não pude contactar outras pessoas com conhecimentos da realidade fáctica (e sei que as há), vi-me obrigado a ficcionar a maior parte das cenas, das quais não tenho a mínima ideia de como terão sucedido. Mas o fundo da história, esse, está lá.

Na última parte da história há de o leitor inteirar-se, se quiser fazer o favor, do fim das aventuras deste homem.
Segundo reza a crónica da tradição oral, de que a fonte me deu fé, terminou assim a vida do Renegado que assolou a região da Serra da Gardunha e com ele o mito daquele que, na fantasia destas gentes, ficou conhecido como PISTOTIRA, de que apenas aqui contamos uma aventura.

De tal maneira esta história estava enraizada na população que, muitas vezes, quando um homem da vila se dirigia a um miúdo, de alguma forma zombando um pouco dele, lhe perguntava: «Então, ó Pistotira! O que é que andas a fazer»?

Há outras histórias de outros Renegados da Gardunha, igualmente interessantes e com mais ou menos riqueza de factos, drama humano e recheadas de romantismo de que é sedento o nosso povo. Mas isso fica para depois.
   
Não posso acabar, sem deixar de lamentar aquela cena que, essa, corresponderá a factos reais que me foram contados, em concreto, pelo Ti’ Aurélio, em que alguns dos da turba batiam no Pistotira.

É certo que, dentro da cadeia, ele não se encontrava amarrado de pernas. Se estava amarrado de mãos, não se sabe. Ou esse ponto não me foi esclarecido. Mas sabe-se que era uma pequena multidão contra apenas um homem, sozinho, no meio do ajuntamento e isso não tem desculpa.

O que pode é haver alguma tolerância se atendermos à mentalidade da época, à euforia do acontecimento e talvez aos efeitos do álcool que, eventualmente, não deixaria de estar presente.       

JB 

Nota: O texto "O RENEGADO" será publicado em três fascículos, a partir de amanhã, sábado.

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