Ao
acabar de ler um livro, ver um filme ou visitar um lugar de que gostei muito,
dei comigo muitas vezes a prometer a mim própria que um dia havia de voltar a ler
esse livro, ver esse filme ou visitar esse lugar (acho que isto acontece a
muita gente). Mas existem tantos livros para ler, tantos filmes para ver e o
mundo é tão grande que dificilmente conseguimos cumprir essa promessa.
Mas
há exceções que valem a pena… Reli há pouco tempo «A Casa da Malta» e é notável
a descrição que, ainda no prefácio, o Fernando Namora faz daquele lugar e das
pessoas que por lá procuravam abrigo. Um retrato sociológico impressionante de
uma época tão próxima de nós, mas que parece passar-se na Idade Média.
Aqui
fica um bocadinho…
«Havia em frente ao meu consultório um
pequeno adro e nele um casebre meio derruído, sem dono, ou assim poderia
imaginá-lo pois quem o habitava era gente erradia, que vinha e partia sem se
saber quando. Vagabundos, quase sempre, malteses a cumprir um fado de nómadas
que a desconfiança dos outros atiçava, que a miséria deles e dos outros parecia
legitimar, ambulantes que mercadejavam adornos ingénuos, campónios de passagem
para ilusórios eldorados. A malta. Ali se abrigavam, para ali dirigiam sem
hesitações, os passos, fosse qual fosse o seu destino, pois, reparem, quanto os
simples têm o pressentimento de onde existe um tecto familiar. O instinto
aponta-lhes os companheiros, avisa-os do perigo, tanto como dos apoios sem
traição. Um atavismo que resulta de séculos de emboscadas, de ofensas, de
sentidos apurados na espessura das noites, durante as quais foi preciso,
simultaneamente, duvidar e confiar.
Esse casebre de malteses era uma nódoa
no povoado. Cercavam-no, por contraste, as moradas de gente grada: o visconde
perdido num casarão, os que tinham ido amealhar fortunas aos Brasis fabulosos e
me davam às vezes o ar de negreiros reformados, os lavradores de largos teres
que disputavam ao visconde o mando dos que obedeciam para sobreviver e ainda
velhas famílias cuja última cepa seriam aquelas senhoras piedosas, magras, que
nenhum forasteiro viera desencaminhar. No entanto, ninguém pensava em
cauterizar essa pústula, tanto mais que só de raro em raro as pessoas que
subiam a vereda reparavam que o casebre estava habitado. No intervalo de tais
migrações, o tegúrio e o seu pátio serviam, uma vez por outra, para ferrar
juntas de bois. No resto do tempo era uma paisagem morta. Só eu ia sondando
alvoroçadamente, tecendo-lhe o enredo para as vidas insólitas com quem viera
fundir-me.»
Enquanto
transcrevia este texto, não pude deixar de me lembrar do Pistotira da história
do Zé Barroso e de tantos outros que por aí andariam nessa época.
Quanto
ao “Endireita da Paradanta”, é impressionante a crença que, ainda hoje, as
pessoas têm nos curandeiros. A propósito das queixas mais ligeiras ou outras
mais complicadas, o primeiro pensamento do doente ou da família é, muitas
vezes, para o endireita. Actualmente os mais famosos são o do Ninho e o das
Rochas. Parece que continuam a fazer milagres…
M.
L. Ferreira
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