Em meados dos anos oitenta do século
passado a nossa Vila andava num borborinho.
Tudo tinha a ver com o contencioso entre
o nosso Padre Branco e uma parte significativa do povo de São Vicente,
assunto de que já falei anteriormente. Quero esclarecer que nada me move contra
o Digníssimo Senhor. Continuo a achar que o respeito é uma coisa muito linda.
Naquele
tempo chegou-se ao ponto de dizer:
“O
que falta em São Vicente
É
mesmo um Padre novo
Um
que em vez de engenharias
Ensine
a doutrina ao Povo”
Numa
atitude de reparo à maneira como o nosso Padre conduzia os atos religiosos, a
nosso ver, muito mal, saiu no “ O Vicentino “ nº 11 de
Maio/Junho de 1986 o seguinte “IN ILLO TEMPORE”:
«A paróquia de S. Vicente da Beira anda
agitadíssima.
Estamos na Semana Santa e todos os
paroquianos se preparam para assistir e participar no maior fenómeno religioso
do ano. É sempre assim em S. Vicente da Beira.
Já passou o Domingo de Ramos. Foi um dia
de muita alegria. A Igreja estava apinhada de fiéis com os seus ramos de
oliveira e loureiro, mais parecendo uma floresta cerrada onde era difícil
romper.
Estamos em Quinta-Feira Santa. Já se
realizou a cerimónia do Lava-Pés. A Igreja estava à cunha e os Doze Apóstolos
muito compenetrados no seu piedoso papel.
Todos se retiraram para comer qualquer
coisa e regressar para a procissão do “ECCE HOMO”.
Quem passar pela Praça neste intervalo
de tempo notará a grande quantidade de pessoas que, vindo de longe, das anexas
e outras terras em redor, ali se encontram para participar nas
cerimónias. Gente de muita fé.
A procissão começou. Longas filas de
gente silenciosa peregrinam pelas ruas em adoração ao Senhor sofredor.
De vez em quando uma matrácula, uma
ladainha, uma marcha triste; além disso só o silêncio, a oração.
Todos se preparam para o grande dia: A
Sexta-Feira Santa. Já se trocam ideias de como melhor decorar o seu Paço, onde
estão as flores mais bonitas, onde está o confessor que livre os atrasados das
suas culpas.
Sexta-Feira Santa será um dia triste mas
também o dia em que São Vicente mostrará mais uma vez ao mundo como o seu povo é
profundamente religioso. Os capuzes negros, as bandeiras deitadas, as longas
procissões o grande respeito, a oração; São Vicente é um povo de grande
religiosidade.
No próximo Domingo será Domingo de Páscoa.
Haverá missa na Igreja às 10 horas e depois a procissão com o Sírio Pascal. A
seguir o almoço: um almoço para tirar a barriga de misérias; foram muitos dias
de jejum. Depois começará a cerimónia que é o coroar desta Semana Santa: As
Boas Festas.
O Senhor Vigário irá entrar em todas as
casas de São Vicente. Levará a todos o Senhor. Levará a todos também uma palavra
de conforto, de fé, de amizade, de Paz.»
Semana Santa dos anos cinquenta em S.
Vicente da Beira.
E.H.
3 comentários:
Amigo Zé Barroso.
Estive à espera que saísse este meu artigo para te dizer o seguinte:
Já desde o ano passado que eu tinha ideia de, na Semana Santa deste ano pedir ao Zé Teodoro para publicar este " IN ILLO TEMPORE".
A seguir de mandar o mail ao Zé passei pelo "blog" e deparei-me com o teu artigo. Pensei ainda em ligar ao Zé a dizer-lhe para anular o meu olhando à semelhança ( não da escrita em que tu és mestre, mas do tema em si ).
Depois pensei que valia mais dois que nenhum e assim ficou.
É como a outra que dizia:
- Já que está deixa estar!
Ernesto Hipólito
O artigo do Zé Barroso já estava guardado, há semanas, para esta altura.
Eu também tive dúvidas, mas são olhares diferentes.
De todas as tradições quaresmais e pascais, uma que a Igreja faz mal em não retomar é as Boas Festas.
Mas há dois problemas: faltam padres e os católicos portugueses ainda não estão habituados a que sejam os leigos a tomar em mãos certas tarefas religiosas durante demasiado tempo exclusivas dos sacerdotes.
Por isso, acho que as pessoas não dariam o devido valor às Boas Festas. E é pena!
Boa Páscoa a todos!
Malandro do povo, naqueles tempos! As coisas a que sujeitava um Pároco! Por essas e por outras é que agora temos que o partilhar com mais duas ou três paróquias, e, ainda mal chegou, já está de abalada. Até parece que anda fugido!...
Por causa disso, a Semana Santa este ano foi feita pelo Padre Jerónimo. Incansável! Com os seus setenta e muitos anos, deu bem conta do recado. Fosse o meu avô vivo, e o elogio que lhe faria…
Mas que saudades da Páscoa que o Ernesto descreve! Principalmente da igreja à pinha de gente; do Padre a entrar em todas casas, a família toda reunida, a dar as Boas Festas. O cheiro a cal e sabão azul e branco; as panelas a luzirem na cantareira enfeitada com recortes de papel de jornal.
De tudo isso, resta-nos ainda a nossa banda a tocar a Marcha Fúnebre, na Procissão do Enterro. Cada vez mais comovente!
Boas Festas!
M. L. Ferreira
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