sexta-feira, 18 de abril de 2014

Boas Festas

Em meados dos anos oitenta do século passado a nossa Vila andava num borborinho.
Tudo tinha a ver com o contencioso entre o nosso Padre Branco e uma parte significativa  do povo de São Vicente, assunto de que já falei anteriormente. Quero esclarecer que nada me move contra o Digníssimo Senhor. Continuo a achar que o respeito é uma coisa muito linda.

Naquele tempo chegou-se ao ponto de dizer:
“O que falta em São Vicente
É mesmo um Padre novo
Um que em vez de engenharias
Ensine a doutrina ao Povo”

Numa atitude de reparo à maneira como o nosso Padre conduzia os atos religiosos, a nosso ver, muito mal, saiu no “ O Vicentino “ nº 11  de Maio/Junho de 1986 o seguinte “IN ILLO TEMPORE”:

«A paróquia de S. Vicente da Beira anda agitadíssima. 
Estamos na Semana Santa e todos os paroquianos se preparam para assistir e participar no maior fenómeno religioso do ano. É sempre assim em S. Vicente da Beira.
Já passou o Domingo de Ramos. Foi um dia de muita alegria. A Igreja estava apinhada de fiéis com os seus ramos de oliveira e loureiro, mais parecendo uma floresta cerrada onde era difícil romper.
Estamos em Quinta-Feira Santa. Já se realizou a cerimónia do Lava-Pés. A Igreja estava à cunha e os Doze Apóstolos muito compenetrados no seu piedoso papel.
Todos se retiraram para comer qualquer coisa e regressar para a procissão do “ECCE HOMO”.
Quem passar pela Praça neste intervalo de tempo notará a grande quantidade de pessoas que, vindo de longe, das anexas e outras terras em redor,  ali se encontram para participar nas cerimónias. Gente de muita fé.
A procissão começou. Longas filas de gente silenciosa peregrinam pelas ruas em adoração ao Senhor sofredor.
De vez em quando uma matrácula, uma ladainha, uma marcha triste; além disso só o silêncio, a oração.
Todos se preparam para o grande dia: A Sexta-Feira Santa. Já se trocam ideias de como melhor decorar o seu Paço, onde estão as flores mais bonitas, onde está o confessor que livre os atrasados das suas culpas.
Sexta-Feira Santa será um dia triste mas também o dia em que São Vicente mostrará mais uma vez ao mundo como o seu povo é profundamente religioso. Os capuzes negros, as bandeiras deitadas, as longas procissões o grande respeito, a oração; São Vicente é um povo de grande religiosidade.
No próximo Domingo será Domingo de Páscoa. Haverá missa na Igreja às 10 horas e depois a procissão com o Sírio Pascal. A seguir o almoço: um almoço para tirar a barriga de misérias; foram muitos dias de jejum. Depois começará a cerimónia que é o coroar desta Semana Santa: As Boas Festas.
O Senhor Vigário irá entrar em todas as casas de São Vicente. Levará a todos o Senhor. Levará a todos também uma palavra de conforto, de fé, de amizade, de Paz.»

Semana Santa dos anos cinquenta em S. Vicente da Beira.


E.H.

3 comentários:

Ernesto Hipólito disse...

Amigo Zé Barroso.

Estive à espera que saísse este meu artigo para te dizer o seguinte:
Já desde o ano passado que eu tinha ideia de, na Semana Santa deste ano pedir ao Zé Teodoro para publicar este " IN ILLO TEMPORE".
A seguir de mandar o mail ao Zé passei pelo "blog" e deparei-me com o teu artigo. Pensei ainda em ligar ao Zé a dizer-lhe para anular o meu olhando à semelhança ( não da escrita em que tu és mestre, mas do tema em si ).
Depois pensei que valia mais dois que nenhum e assim ficou.
É como a outra que dizia:
- Já que está deixa estar!

Ernesto Hipólito

José Teodoro Prata disse...

O artigo do Zé Barroso já estava guardado, há semanas, para esta altura.
Eu também tive dúvidas, mas são olhares diferentes.
De todas as tradições quaresmais e pascais, uma que a Igreja faz mal em não retomar é as Boas Festas.
Mas há dois problemas: faltam padres e os católicos portugueses ainda não estão habituados a que sejam os leigos a tomar em mãos certas tarefas religiosas durante demasiado tempo exclusivas dos sacerdotes.
Por isso, acho que as pessoas não dariam o devido valor às Boas Festas. E é pena!
Boa Páscoa a todos!

Anônimo disse...

Malandro do povo, naqueles tempos! As coisas a que sujeitava um Pároco! Por essas e por outras é que agora temos que o partilhar com mais duas ou três paróquias, e, ainda mal chegou, já está de abalada. Até parece que anda fugido!...
Por causa disso, a Semana Santa este ano foi feita pelo Padre Jerónimo. Incansável! Com os seus setenta e muitos anos, deu bem conta do recado. Fosse o meu avô vivo, e o elogio que lhe faria…
Mas que saudades da Páscoa que o Ernesto descreve! Principalmente da igreja à pinha de gente; do Padre a entrar em todas casas, a família toda reunida, a dar as Boas Festas. O cheiro a cal e sabão azul e branco; as panelas a luzirem na cantareira enfeitada com recortes de papel de jornal.
De tudo isso, resta-nos ainda a nossa banda a tocar a Marcha Fúnebre, na Procissão do Enterro. Cada vez mais comovente!
Boas Festas!

M. L. Ferreira