quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Os nomes das pessoas

Todos temos um nome, ou melhor, um nome e um ou mais apelidos familiares.
Na verdade, nem todos. Muitos só têm o nome próprio.
Vou tentar explicar porquê.

Até 1910, todos os registos demográficos eram realizados pela Igreja Católica. Registava o batismo, o casamento e o óbito. Quando o Governo precisava de saber quantos portugueses tinha no reino, raramente fazia contagens (mas os censos começaram no século XIX), pois era mais prático pedir essas informações à Igreja. Quase podemos dizer que Portugal era orientado por dois poderes, o temporal e o espiritual, ambos articulados entre si.
Em 1911, o governo da República criou o Registo Civil. O batismo, o casamento ou o óbito de cada pessoa continuava a ser feito na igreja a que cada um pertencia, mas todos tinham de se registar no Registo Civil (neste caso o nascimento, pois a Igreja Católica registava o batismo).
Ora, até 1911, no batismo, apenas se registava o nome próprio. Registava-se Maria, filha de ... e de .... Só depois, no casamento, é que seriam acrescentados os apelidos familiares. Se a Maria ficasse solteira, ficaria Maria, simplesmente, para toda a vida. Com sorte, acrescentava-se-lhe um apelido que a distinguia das outras marias. Exemplo: publiquei aqui, há anos, o testamento de uma tecedeira de São Vicente, chamada Jozefa de Mena. Ela chamava-se Jozefa, só, pois era solteira, mas o povo acrescentou-lhe de Mena, provavelmente o nome (o diminutivo) da mãe.
Mas se isto foi antes de 1911, porque é que há ainda tanta gente, só com o nome próprio? Foram vítimas o processo de transição. Exemplo: a minha mãe nasceu em 1927 e foi registada, no Registo Civil, apenas como Maria da Luz. Não devia, pois desde 1911 que a pessoa ganhava o nome completo logo à nascença, mas quem fazia os registos ou os pais, ou ambos, demoraram décadas a incorporar isso nas suas práticas. Muitos, sobretudo meninas, por serem menos importantes, eram registados apenas com o nome próprio, mas depois já não lhes eram acrescentados os apelidos, na altura do casamento, e por isso ficaram para sempre com o nome abreviado.
Umas dezenas de anos depois, esse desleixo deixou de existir e por isso só encontramos pessoas apenas com o nome próprio, entre os mais velhos.

José Teodoro Prata

2 comentários:

Ernesto Hipólito disse...

Este tema dos nomes das pessoas trouxe-me à lembrança um caso um pouquinho diferente:
Tenho um primo no Casal da Serra que quando nasceu, o pai Joaquim Caio, se deslocou à Vila para o registar com a incumbência de lhe por o nome Arménio que era o nome da pessoa que seria seu padrinho de baptismo. Antes de chegar ao Sr. Professor Couto para registar a criança, passou por várias tabernas o que fez com que a criança fosse registada com o nome de Albertino dos Anjos Caio.
Quando chegou a idade de ir para a escola descobriu-se que o Arménio afinal se chamava Albertino mas ainda hoje no Casal da Serra se perguntarem pelo Albertino Caio ninguém sabe quem é. Até a própria mãe Maria dos Anjos quando fala comigo sobre o filho diz sempre:
O meu Arménio!.

Eu estive quase para me chamar Martinho por ter nascido no dia daquele santo. O Professor Couto bem queria mas o meu pai foi mais teimoso.

E.H.

Anônimo disse...

Aconteceu o mesmo com a minha mãe que nasceu dois anos depois, e também ficou toda a vida Maria da Luz, simplesmente. No caso dela, que era o segundo filho do casal, deve ter sido pela condição feminina porque o irmão mais velho, por ser homem, já tinha os apelidos todos da família.

Esse facto não teve consequências para mim nem para os dois irmãos que se me seguiram porque, não sei como, temos no nome os apelidos que eram devidos à minha mãe. Já a minha irmã mais nova, em vez de dos Santos Moreira, chama-se da Luz Moreira (tal como Jozefa de Mena). Isto passou-se na segunda metade do século XX e tem dado azo a alguns equívocos...

M. L. Ferreira