A comunidade cristã da vila de São
Vicente da Beira vivia o tempo quaresmal, estava-se no mês de Março do ano 1744,
quando dois frades oriundos do convento de Brancanes, Setúbal, vieram pregar à
nossa paróquia. Frei Paulo da Assunção e frei Francisco de Santo Alberto
empolgaram de tal maneira os paroquianos com as suas pregações que logo
fundaram uma fraternidade franciscana.
A direção da nova fraternidade ficou
entregue aos confessores das religiosas do convento das clarissas da vila
vicentina. Os padres confessores vinham, a maior parte das vezes, do convento
da Conceição da Covilhã.
A fraternidade começou a crescer e,
com a extinção das ordens religiosas (1834, conventos masculinos; os mosteiros
femininos terminariam só com a morte da última monja) passou a ser dirigida por
um irmão leigo.
Um deles foi o senhor João José
Ramalho (pai do padre Tomaz, do bispo D. João, da freira Maria de Jesus
Ramalho…). João José foi durante muitos anos ministro dos terceiros vicentinos.
Em 1921, o padre Tomaz é nomeado comissário, da ordem pelo superior provincial
Nos anos cinquenta do século passado,
a irmandade ainda tinha à volta de trezentos irmãos e irmãs (atualmente não
chegamos aos cinquenta, a maioria idosos).
Até aos anos setenta do passado
século, a comunidade participava ativamente em todas as atividades organizadas
pela ordem Durante o período quaresmal, realizava-se a procissão dos terceiros
(procissão de penitência). Não havia necessidade de pedir às pessoas para
pegarem nos andores (na hora aparecia quem os levassem). Nos nossos dias,
quando se realiza, temos que contactar as associações.
Terra de olivais, de lagares, chegou
a haver oito na vila (hoje não há nenhum), os irmãos andavam de lagar em lagar,
de casa em casa, a pedir a esmola do azeite. Atualmente ainda se pede a esmola
do azeite, sempre se arranjam alguns litros que depois são vendidos.
No mês de Fevereiro, um irmão andava
de rua em rua a pedir o ramo de Santo António. As pessoas davam chouriças,
morcelas, toucinho, presunto... Era uma maneira de agradecerem ao Santo António,
por lhes ter guardado os animais. Num domingo à tarde, o ramo era vendido na
praça, a quem mais desse (o pregoeiro era o senhor Chico Calmão).
No mês de Agosto, realizava-se a
festa de Santo António, era muito bonita. Treze dias antes, o pároco fazia a
trezena, à noite. A capela enchia-se de devotos e, à luz bruxuleante de velas,
o pároco lia as orações e todos cantavam:
António santo
De Jesus querido
Valha-nos sempre
O vosso patrocínio
Valei-me António
Na minha última agonia
Para que nos possas levar
A Jesus, José e
Maria
A senhora Lucinda, a “morar” na
Santa Casa, recordou-me a totalidade do último verso.
A senhora Antónia dos Anjos, do
Casal da Serra, também utente do Lar, contou-me este pequeno responso:
Ó meu rico santo António
Livrai-me deste demonho
Que m`anda atentar
No dia da festa, à hora da missa, as
pessoas não cabiam no templo, a missa era festiva, a banda vicentina
acompanhava cantando e alguns músicos tocando (participavam graciosamente). Uma
grande parte ficava na rua, o calor apertava, as pessoas não arredavam pé. A
procissão era grande. À tarde, as paroquianas iam chegando de tabuleiros
à cabeça, com apiparas vitualhas, no alto do palanque. E o Chico Calmão,
sempre ele, leiloava-as.
A banda tocava marchas alegres, o
povo dançava e, ao lado, os mais afoitos tentavam subir a um pau ensebado, no
alto encontrava-se um bacalhau, quem conseguisse subir lá acima, ganhava-o.
Havia um passatempo meio bárbaro: no
chão, abria-se um buraco, metia-se lá dentro um galo, tapava-se e deixava-se
somente com a cabeça de fora; a uma certa distância, as pessoas com pedras
apedrejavam-no, quem lhe acertasse ganhava-o. Era um dia alegre, a festa de
Santo António.
Hoje sobra templo, faltam fiéis, a
procissão muito pequenina percorre somente algumas ruas, a banda não
participa (custa dinheiro a sua contratação) e fogaças não há. A juventude
envereda por outros caminhos.
Que coincidência: Santo António de
Lisboa, de Pádua, nasceu, segundo os historiadores, no dia 13 de Agosto de
1195, ano em que a nossa vila recebeu o primeiro foral. Reinava o filho de D.
Afonso Henriques, D. Sancho I.
Valha-nos Santo António, o português
mais santo e o santo mais português!
José Manuel dos Santos
9 comentários:
É significativa esta devoção a Santo António: na época da criação da Ordem Terceira, na nossa terra, a capela tornou-se a sua sede e deixou de ser devotada a Santo António para o ser a São Francisco.
Mas o povo continuou a sua devoção a Santo Antonio e, não fora a existência desta irmandade, hoje já ninguém lhe chamaria de São Francisco.
Ontem, li algo de semelhante com a capela da Senhora de Mércoles, em Castelo Branco: os frades do convento de Santo António (atual prisão) conseguiram das autoridades eclesiásticas e camarárias a mudança para a devoção a São José, mas o povo nunco ligou a isso. Eles bem protestaram junto das autoriades civis e religiosas, mas a mudança não vingou.
Ontem à noite, Sexta-Feira, depois de uma semana de trabalho, o meu filho Zé regressou à casa paterna para passar o fim de semana.Já há quinze dias que cá não vinha. Ao jantar, como de costume, estivemos a conversar sobre o que se passou em S. Vicente enquanto ele por lá andou. Falou-se também sobre o evento da Ordem Terceira e todas as circunstâncias que rodearam a preparação deste evento.
De repente o meu filho lança-me a seguinte pergunta:
- Pai, para que serve a Ordem Terceira?.
Eu,olhei para a mãe e a mãe para mim e ficámos embatucados. Penso que foi a primeira vez que não tive resposta para o meu filho.
Pensei então em pedir ajuda aos meus colegas de blog, principalmente ao Zé Teodoro, Zé Barroso, Libânia e Chico porque na próxima semana o meu Zé torna a vir e eu gostava de já ter uma resposta para lhe dar.
Desde já quero agradecer-vos com um grande Bem-Hajam.
´
E.H.
És um brincalhão!
Estava aqui ao computador, a passar pelas brasas, e conseguite acordar-me.
Essa é quase uma dúvida existencial!!!
Brincalhão e provocador, este nosso amigo!
Gostaria de responder no mesmo tom, mas, como não tenho a habilidade do Ernesto, aquilo que me ocorre dizer é que cada um se agarre às âncoras que entenda. Pessoalmente, tenho escolhido outros caminhos: privilegio a relação com as pessoas à relação com os santos que já estão lá bem sossegadinhos no céu; mas quem sabe se não serei eu que estou errada?
Dúvidas existenciais, como bem diz o José Teodoro…
M. L. Ferreira
Mas há uma explicação histórica que pode ser dada (já estou refeito do choque inicial):
Até às revoluções liberais dos séculos XVIII e sobretudo XIX, isto é, na Idade Média e no Antigo Regime, a sociedade regia-se por valores muito diferentes daqueles que surgiram nessas revoluções e que são os que temos hoje.
As irmandades religiosas foram uma forma de os leigos participarem na vida religiosa, em tempos de extrema religiosidade.
Depois, os liberais (os burgueses, hoje diríamos os empresários/capitalistas)organizaram a sociedade em novos moldes, dando um caráter utilitário a tudo, questão que antes não se punha com tanta permência.
Por isso, fecharam conventos e mosteiros e venderam os seus bens e ainda os das irmandades. O que aconteceu na Primeira República foi apenas a conclusão deste processo (em São Vicente, fechou-se o convento e venderam-se os seus bens, após 1835, e venderam-se os bens da Misericórdia, após 1910).
É que os frades e freiras, monges e monjas não são sacerdotes e por isso podiam ter uma vida mais produtiva, casando, tendo filhos (numa época em que havia pouca gente) e administrando bem as suas terras (as da Igreja que foram postas à venda eram arrendadas e os rendeiros, por não serem suas, pouco as rentabilizavam e por isso a agricultura era muito pouco produtiva).
Em síntese, diria que as irmandades são restos de outros tempos, muito diferentes dos atuais, estes baseados na utilidade concreta das coisas.
E é neste contexto que surge a pergunta do Zé do Ernesto, uma pergunta bem do nosso tempo!
Caros amigos:.
Quando eu era pequenito, na catequese ensinavam que as Obras de Misericórdia eram catorze: Sete corporais e sete espirituais. Hoje o Zé Teodoro e a Libânia praticaram uma obra de misericórdia espiritual; ensinaram um ignorante.
Quando vos lancei este repto a ideia era só aquela; saber para que servia aquela Ordem em S. Vicente da Beira.
Pensava que, tal como a Libânia, se privilegiava as relações com as pessoas.
Nos dias que correm há uma grande crise, todos o sabemos. Há fome, Há enfermos a necessitarem de uma visita, há tristeza, há desespero etc. etc.
E.H
Ora cá estou eu Ernesto: as irmandades religiosas foram uma forma de os leigos participarem na vida religiosa, em tempos de extrema religiosidade como refere o ZT. Contrariamente ao que parece, continuam a viver-se tempos de grande religiosidade. Os judeus e os árabes continuam a matar-se em nome de Deus. Em Lisboa à Igrejas (que não a nossa) cheias de pessoas. Logo Ernesto, o que devias ter respondido ao teu Zé era que: a Ordem Terceira deveria servir para por em prática as obras de misericórdia que aprendemos na catequese, ou não será? Se não temos disso noticia é porque vivem virados para dentro, em vez de visitarem os doentes, rezarem por nós, visitarem os idosos, ver em que é que podem ajudar os mais necessitados.
Para quem foi seminarista, Ernesto, estiveste uns furos abaixo. É pena que o Zé tenha ficado sem resposta...
Abraço
Francisco B.
Tens razão Francisco. No entanto a pergunta do meu Zé foi diferente. Ele perguntou para que serve. Para o que devia servir todos nós sabemos, muito mais os ex-seminaristas.
Bem-hajas e um abraço.
E.H.
A Dona Antónia teve pudor e não ensinou a cantiga toda. Nós tivemos a sorte de a receber da avó Maria dos Anjos Alves. Durante a vindima cantamos bem alto lá do cimo da serra, não ouviram?
É uma cantiga deliciosa e quem sabe não foi o santo que fez do vinho BAGRA do melhor que há...
Santo Antoninho
Lá do Fundão
Dai um menino
Ao meu patrão
Santo Antoninho
Lá da Barroca
Dai um menino
Àquela cachopa
O meu rico Santo António
Livrai-me deste demonho
Que me anda a aturmentar
É o santo matrimónio
Porque eu morro por casar.
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