sexta-feira, 4 de março de 2016

A solidariedade

Venho aqui à Praça Virtual na qualidade de “gestor de negócios” agradecer a onda de solidariedade que se gerou a favor do Chico Barroso, que poderia ser eu, mas que no caso é o meu primo e reconhecer que “há males que vêm por bem”.
Isto, porque se não fosse a publicação da Fonte Velha, na altura em que o foi, o caso poderia ter morrido por ali.
Mas alguém atento vem dizer: como é que se ralam tanto com questões colectivas de natureza estética, quando na família têm questões morais, por resolver?
Aqui digo eu. É fácil ver qual a questão prioritária. E nunca eu publicaria o artigo, se soubesse que a questão do palheiro dizia respeito a um primo meu.
Isto porque quando diz respeito à nossa família as coisas mexem de outra maneira. Praticamente só por isso, porque a televisão já nos imunizou relativamente à tragedias alheias. Basta olhar os telejornais. Mortos Síria, crianças afogadas na travessia do Mediterrâneo… e a vida não pára. Nem sequer nos tira o apetite do jantar.
Mas é sempre bom falar-se das coisas. Estive com ele no Carnaval. Não me deu conta dos seus problemas e eu, admito, nem sequer pensei que as coisas pudessem não estar na forma do costume. Mas ao saber da situação por portas travessas, não me alheio do problema. Estou solidário com o movimento.
E fico contente por saber que já foi dado conhecimento à Segurança Social e à Câmara Municipal. Aí o Zé Manel esteve bem. E acrescento, se estou solidário com a questão da Fonte, mais solidário estou ainda com onda do meu primo Chico.
Tanto num caso como no outro, depois das entidades competentes, tomarem as providências devidas. É para isso e para muito mais que se pagam tantos impostos.
O meu primo, seguramente não precisa passar fome, nem frio. Tem família e há instituições na Vila que fornecem bens alimentícios e que seguramente lhe darão uns cobertores para não enregelar no inverno.
Eventualmente a pobreza pior, como já foi sugerido, não será a material. Ele tem trabalhado ao longo da vida tanto, quanto sei. No seu caso como noutros, haverá é alguma dificuldade de gerir pessoas e bens. Como é que se ajudam estas pessoas?
Vejam a generosidade, do João Craveiro. O telhado do Domingos pode tratar-se rápido é uma coisa simples: Tão simples, digo eu, que nem devia existir. Ele próprio podia tratar disso. Telhas, bastava pedir ao pessoal das obras. Ripas e caibros podia ele fazê-los. Deve perguntar-se: o Telhado está assim porquê? Dificuldades materiais ou pura incúria?
O João Botelho não tem água canalizada, nem esquentador. É triste. Vamos tratar da canalização e oferecer-lhe um esquentador ou é melhor ensinar-lhe a aquecer água para o banho?
De toda esta exaltação o que restará? Irá fazer-se alguma coisa por alguém? Para já a nota é negativa. De tantos leitores que tem o blogue, quantos se pronunciaram? A mensagem implícita é: não me incomodem… Estou tão sossegado.
Para citar também o Evangelho, eu que fui seminarista, conheço pessoas na Vila que põem em pratica a máxima de Mateus: “que não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita,” quando deres alguma esmola.
E por aqui me fico…

Francisco Barroso

4 comentários:

Anônimo disse...

Aqui está um bom exemplo de como o tempo é bom conselheiro.
Se exceptuarmos o comentário da Maria da Luz, que teria já na altura um conhecimento melhor do caso que levou a esta discussão, todos os outros reagimos de uma forma muito emotiva. Não é que ache que as emoções e o coração devam ficar de fora quando pensamos estas questões ou possamos passar ao lado delas sem nos indignarmos. Penso que todos devemos ajudar na medida das nossas possibilidades, mas situações destas têm que ter respostas que nenhum de nós pode dar individualmente, nem mesmo em conjunto. Como sugere o Francisco Barroso, então para que é que serve a Segurança Social e tantos impostos que pagamos? Se calhar para pouco, se só se atribuírem subsídios, e depois não houver algum acompanhamento às pessoas que os recebem.
Mas tudo isto é muito difícil de fazer. Oxalá esta situação, que não é única cá na terra, se resolva rapidamente, mesmo que por agora ainda tenha que haver alguma ajuda das pessoas mais próximas.

M. L. Ferreira

José Teodoro Prata disse...

Não será fácil levar a água canalizada até à casa do Botelho.
A minha irmã São queria levá-la para a Tapada e teve de desistir, pois até os funcionários dos Serviços Municipalizados a desaconselharam, devido às normas existentes que iam encarecer muito a obra.
Para casa dele, só ser for feito pelos SMCB.

Anônimo disse...

Lúcido! Sentido! Racional! Preocupado! Sensato!
São estes alguns dos qualificativos que entendo que subjazem a este texto.
Já que o Chico Alves Barroso veio outra vez a terreiro com o tema, apenas quero dizer mais o seguinte: não podemos fazer da esperança uma palavara vã! Já passámos tempos muito maus! Quase todos sabem disso. Mas as mudanças vão-se fazendo. Muitos de nós lembram-se que havia gente em S. Vicente da Beira (e, cá está, toda a gente é pessoa!), a viver (quase) no submundo da estratificação social. Lembrem-se, por exemplo, dos pastores e dos criados (dos anos 50, 60 ou mesmo antes). Como por exemplo, o Nonga, o Zé Monaia, o Gala ou outros... Certamente que, em muitas situações, por esse país fora, nem desdenhavam dormir ao pé do gado! Pelo menos tinham um tecto, uns tostões e comida! E até imagino que para eles a parte mais dura da vida nem sequer fosse a falta de bens materiais, mas a desestruturação psíquica, a desconsideração e a ausência de afetos! Isso sim, seria duro!
Felizmente, muita coisa mudou. Respeitam-se mais todas as profissões. E as pessoas que as exercem passaram a ter mais dignidade. Hoje existem preocupações sociais inerentes à própria essência do Estado. A quem compete salvaguardar os casos mais prementes. Como é este que nos tem prendido as atenções nos últimos dias. É essa a competência do Estado Social. É pena é que as coisas não sejam tão urgentes como seria necessário.
Abraços.
ZB

Anônimo disse...

Para mim, o que o Francisco Barroso quis transmitir com a reflexão que fez sobre a solidariedade foi um pouco o que diz aquele provérbio chinês «Não dês o peixe; dá antes a cana e ensina a pescar», sem prejuízo da solidariedade e generosidade individuais a que, penso, todos estamos obrigados.
Acho que o que falta ao sistema da segurança social em muitos países, incluindo o nosso, é esta preocupação em habilitar as pessoas com competências que lhes permitam tomar as rédeas das suas vidas com alguma dignidade.
Há dias, andei pelas ruas da costa do castelo, em Castelo Branco. Passei pela escola onde muitos de nós fez o exame da quarta classe (de repente, fiquei quase em estado de choque porque a escola já não é aquela de que me lembrava…). Era a hora da saída e cruzei-me com uma mulher cigana que tinha ido buscar três crianças. Percebi esta conversa:
- Amanhã não quero vir á escola.
- Não queres vir à escola porquê?
- (não percebi os argumentos da criança)
- Ai isso é que vens! Já faltaste uma vez esta semana, e daqui a pouco cortam-nos o subsídio.
Gostava de ter ouvido argumentos que tivessem a ver com outro tipo de expetativas, mas, ainda assim, este já revela algum comprometimento com as regras estabelecidas exteriormente…

M. L. Ferreira