Queixava-se
há tempos o Zé Barroso de, no blogue, não haver ninguém a dar notícias cá da
terra. Referia-se nomeadamente à morte de conterrâneos, da qual tem muitas
vezes conhecimento apenas através da Reconquista.
Tem ele toda a razão; mas quem é que se acha com coragem de falar da morte de
alguém e, por consequência, da morte anunciada da nossa terra?
Pelo censo de 2011 havia na
Freguesia 1259 habitantes. De lá para cá os nascimentos são cada vez menos: um
ou dois por ano. Os óbitos até cortam o coração: no ano passado foram trinta e
oito e este ano também já foram bastantes (só na semana passada foram três no
mesmo dia). As contas não são assim tão simples, mas é bom de ver que, se a
situação não se inverter, dentro de pouco mais de três década, pouco restará da
freguesia.
Hoje estamos todos tristes, porque os
sinos dobraram pelo senhor José Matias. Teria muitos defeitos como todos nós,
mas em criança ouvia-lhe chamar pai, e à mulher, Maria do Céu, mãe dos pobres.
Acho que na altura não percebia muito bem a razão de ser desta qualificação,
mas na última conversa que tive com ele, há cerca de um mês, compreendi
finalmente.
Entre várias coisas que contou do
seu percurso de vida, nem sempre fácil, falou-me duma promessa que tinha feito
caso conseguisse vencer as dificuldades em que se encontrava em determinado
momento, e que passava por dar aos pobres um determinado montante em sacas de
farinha. Passados anos, quando sentiu que estava em condições de cumprir a
promessa, aconselhou-se com o confessor que o terá convencido a mudar o alvo da
sua generosidade. Um pouco contrafeito aceitou a proposta, mas quando chegou a
casa desabafou com a mulher que também não gostou nada do novo acordo. Para
tentar remediar a situação, a Senhora Maria do Céu prometeu que dali para a
frente havia de confortar a família de todas as pessoas que morressem com uma
panela de canja quentinha na noite do velório. Cumpriu enquanto pôde, e quando
adoeceu foi o marido e os filhos que continuaram a cumprir a promessa até ao
fim da vida dela.
Há casais assim, que foram feitos
mesmo um para o outro, e, se o Céu existe, já estão de novo juntos. Nós é que
hoje nos sentimos todos um pouco mais pobres…
M. L. Ferreira
5 comentários:
José Francisco Matias:- Um empreendedor
J.M.S
A propósito da falecimento da sr.ª (senhê) Tomázia, no fim de semana passado, dizia-me a minha irmã Tina que era uma pessoa da nossa criação, muito próxima de nós. O sr. (senhô) José Matias era menos próximo, mas não menos importante.
O Zé Manel tem razão: ele foi o maior empreendedor de São Vicente, no último meio século.
Da crónica da Libânia ressumbra um certo confrangimento. É natural. Estamos a perder de forma acelerada, referências importantes da nossa comunidade.
De cada vez que regresso à nossa Praça real sinto uma nostalgia imensa. Faz-me o Albertino Maiaca, - com quem estabeleci uma grande cumplicidade nos tempos em que com a caixa de peixe às costas para o Casal da Serra, lhe comprava uns chicharros para a minha mãe fritar e que ficavam divinais com arroz de tomate, - que me punha ao corrente de todas as passagens importantes desde a minha ultima estadia na Vila. Faz-me falta a Ti Aurélia, que me enchia a barriga de alegria, que me dava para mais de um mês, de cada vez que me sentava um bocado, com ela no banco da Praça mais próximo da casa da irmã, o seu poiso favorito. Faz-me falta a Ti Janja que tinha sempre uma história interessante para partilhar. Faz-me tanta falta o meu tio Luis, filósofo da realidade, com quem adorava conversar e beber um copito ao lume do Inverno, acompanhado por um dos malápios que a tia Rosa ia buscar para me consolar.
Para não falar da minha mãe e do meu pai que me ensinou não só a ver, mas reparar nas coisas. Em cada regresso, nova visita atenta aos bacelos cujo enxerto pegou, à carga de carepa das oliveiras, à flor das cerejeiras, aos cabritos acabados de nascer…repara no amojo da cabra. Reparar é mais que ver. É ver com muita atenção e é assim que se vai entranhando o amor pelas coisas.
Agora o Zé Matias, que nos últimos tempos em que o encontrava ao pé da sua antiga casa, ali na fonte, me dizia: anda cá, anda cá ó Chico a provar a pinga, como se fossemos compinchas da mesma geração e ficávamos a lembrar as visitavas ao Seminário, para ver os filhos e aos conterrâneos.
A vida é também este sentimento de perda…O equilíbrio na corda que vai da tristeza à alegria é a arte do existir, nem sempre igual. Importante é mantermo-nos de pé.
FB
A questão da perda de população é uma afecta todas as aldeias infelizes, há mais funerais que nascimentos, mas a população residente (principalmente a mais jovem) tem também "culpa" nesse aspecto, com a falta de emprego nas anexas e na vila, os jovens vêem-se obrigados a ir trabalhar para Castelo Branco e arredores, em muitos dos casas podendo ir vir todos os dias para o local de origem, optam por ir viver para a cidade, claro que cada um faz o que quer, mas ainda há quem faça esse sacrifico, até porque o que se gasta em combustível num mês é menor do que as despesas de se viver na cidade. Penso que este seja um dos fatores principal de perda de população.
Deixo aqui os dados dos dois últimos Censos realizados, relativos à Freguesia de São Vicente da Beira, onde se pode comparar a perda de população, que nos próximos Censos de 2021 continuara a descer, o mesmo se passa em todas as outras freguesias do concelho, com as excepções de Castelo Branco e Alcains que são as únicas em que a população vai aumentando.
LUGAR CENSOS 2001 CENSOS 2011
Casal da Fraga 177 130
Casal da Serra 172 128
Mourelo 77 34
Paradanta 52 29
Partida 232 171
Pereiros 54 39
S. Vicente da Beira 651 676
Vale de Figueira 62 45
Tripeiro 68 50
Violeiro 52 26
Cá está! Soube da morte da senhora Tomásia pelo Reconquista. Do senhor José Matias, acabei de saber por este blogue. Mais duas mortes a lamentar.
Há tempos estava eu no café do Virgílio, "O 13". Como não tenho Net na vila, tinha o computador em cima de uma mesa (numa hora morta de clientela) para consultar o Google. E diz-me o José Matias, após me fixar um pouco: Eh, pá! Nem te estava a conhecer, com barba! Há muito tempo que não te via! Um dedo de conversa. Muitas vezes falei com o teu pai nesta rua, quando ele vinha do Marzelo, rente à noite... Outros tempos!Infelizmente já cá não está. Outro dedo de conversa. E concluiu: e eu o que é que cá ando a fazer?!...
Agora vejo que Deus lhe fez a vontade...
E assim vamos morrendo aos poucos...
Esta coisa da Senhora Morte - como há dias lhe chamou Eduardo Lourenço numa entrevista na RTP - é deveras enigmática. Mas, na nossa mente, apenas cabe a ideia de que nos voltaremos a ver, todos, quando lá estivermos, para conversar em amena cavaqueira, numa praça mais ou menos ampla, como a de S. Vicente.
E pode ser que assim seja ou que seja ainda melhor!
Porque, afinal, "NUNCA NINGUÉM PROVOU QUE DEUS NÃO EXISTE!"
(antigo Cardal Patriarca de Lisboa, José Policarpo, dixit, à Comunicação Social)
Paz às suas almas.
Abraços.
ZB
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