Dizer
Não
Diz NÃO à liberdade que te oferecem, se ela é só a liberdade dos que ta querem
oferecer. Porque a liberdade que é tua não passa pelo decreto arbitrário dos
outros.
Diz NÃO
à ordem das ruas, se ela é só a ordem do terror. Porque ela tem de nascer de
ti, da paz da tua consciência, e não há ordem mais perfeita do que a ordem dos
cemitérios.
Diz NÃO
à cultura com que queiram promover-te, se a cultura for apenas um prolongamento
da polícia. Porque a cultura não tem que ver com a ordem policial mas com a
inteira liberdade de ti, não é um modo de se descer mas de se subir, não é um
luxo de «elitismo», mas um modo de seres humano em toda a tua plenitude.
Diz NÃO
até ao pão com que pretendem alimentar-te, se tiveres de pagá-lo com a renúncia
de ti mesmo. Porque não há uma só forma de to negarem negando-to, mas
infligindo-te como preço a tua humilhação.
Diz NÃO
à justiça com que queiram redimir-te, se ela é apenas um modo de se redimir o
redentor. Porque ela não passa nunca por um código, antes de passar pela
certeza do que tu sabes ser justo.
Diz NÃO
à verdade que te pregam, se ela é a mentira com que te ilude o pregador. Porque
a verdade tem a face do Sol e não há noite nenhuma que prevaleça enfim contra
ela.
Diz NÃO
à unidade que te impõem, se ela é apenas essa imposição. Porque a unidade é
apenas a necessidade irreprimível de nos reconhecermos irmãos.
Diz NÃO
a todo o partido que te queiram pregar, se ele é apenas a promoção de uma ordem
de rebanho. Porque sermos todos irmãos não é ordenanmo-nos em gado sob o
comando de um pastor.
Diz NÃO
ao ódio e à violência com que te queiram legitimar uma luta fratricida. Porque
a justiça há-de nascer de uma consciência iluminada para a verdade e o amor, e
o que se semeia no ódio é ódio até ao fim e só dá frutos de sangue.
Diz NÃO
mesmo à igualdade, se ela é apenas um modo de te nivelarem pelo mais baixo e
não pelo mais alto que existe também em ti. Porque ser igual na miséria e em
toda a espécie de degradação não é ser promovido a homem mas despromovido a
animal.
E é do
NÃO ao que te limita e degrada que tu hás-de construir o SIM da tua dignidade.
Vergílio
Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'.
Nota: Este texto do Vergílio Ferreira é todo um manifesto político de uma revolução que deve começar dentro de cada um de nós, que é onde todas as revoluções têm de se fazer, mais tarde ou mais cedo. Vem na linha do existencialismo dos anos 50-70 do século passado,uma filosofia centrada no homem, em todos e cada um.
E para ouvir hoje, 25 de ABRIL, duas canções do Zeca.
José Teodoro Prata
2 comentários:
Vergílio (e, neste caso, não Virgílio), o pensador.
Homem intrigado (ou mesmo atormentado) pelo pensamento acerca de uma das grandes questões do homem: a sua própria existência. Existência e vida para onde foi, inexoravelmente, atirado e condenado a viver. "Eu nem sequer fui ouvido no acto de que nasci." (António Gedeão, in "Pedra Filosofal"). É, assim, o homem concreto, na sua angústia e no seu desespero, como é toda a condição humana.
Pessoalmente, discordo de uma das vertentes do existencialismo (só na sua versão moderna), que elege o primado da existência sobre a essência. O que, em certa medida, nega a espiritualidade do homem. Não podendo explicar isto, refugio-me na intuição, mas também nalguma razão. Vale o que vale mas, seja como for, penso que é importante para cada um de nós.
Ademais, nada é preto no branco, porque o próprio Vergílio pertenceria a uma linha mais ou menos agnóstica. Apesar disso, disse um dia numa entrevista: "Quero entrar no paraíso a escrever."
Quanto ao texto aqui inserto sobre a liberdade, acho que o escritor e pensador, no fundo, quis dizer que a liberdade só o é, verdadeiramente, se exercida livre de qualquer compromisso.
Por estas e por outras é que embora goste de Ciência Política, Filosofia, etc., nunca consegui inscrever-me em nenhum partido político.
Um dia, em ”Serões na Adega”, poderemos discutir estas e muitas outras coisas nossas.
Finalmente, quero dizer que eu e o Chico Barroso já falávamos nesses serões, muitos anos antes de eles se realizarem na casa do Hipólito Raposo, organizados pela Junta de Freguesia. Gente nova a pensar, à sua medida, nas “Conferências do Casino” de Eça de Queirós e sua geração.
Mas vida é … vida. E está tudo dito.
Abraços.
ZB
Depois de Manuel Alegre, Adriano Correia de Oliveira, Vergílio Ferreira e Zeca Afonso, fica a faltar Ary dos Santos. Ouvi esta noite num concerto no Cine-Teatro Avenida excertos do seu poema “As portas que Abril abriu”. Não conhecia, mas assim que cheguei a casa fui procurar no Google e está lá inteiro, dito pelo próprio. São dezasseis minutos de arrepio!
Sobre as dúvidas/inquietações do Zé Barroso que já vêm de trás, nem consigo entrar na discussão por falta de argumentos (um eufemismo para ignorância ou comodismo), mas há tempos ouvi o Padre Carreira das Neves dizer que a religião era uma questão de fé e, por isso, até os que se diziam ateus e agnósticos tinham que ser chamados ao diálogo. Senti-me mais incluída…
M. L. Ferreira
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