Altar dourado ao sol do infinito,
Robustecido pelo açoite
Flagelador do tempo,
É por milagre que, de dentro desse granito,
Pedra constante, firme e dura,
Quer de dia, quer de noite,
E a todo e qualquer momento,
Brota água tão fresca e pura?!
Suave no inverno, fresco no estio,
Cristal líquido que ali vamos beber,
Caudal de inextinguível rio,
Que não se inventa,
Que mágico algum pode prever,
Que não pode imaginar-se,
O que és tu, ventre desta fonte?
Choro de moura encantada que te alimenta,
Mais forte que uma catarse,
Mais infindo que o horizonte?!
Ou és, por acaso, o pranto dos deuses,
Que corre do Olimpo, no firmamento,
Inesgotável e intemporal,
Elixir balsâmico que a dor alivia,
Que à terra dás sustento,
Que reconforta e que sacia,
A sede ao corpo e o âmago imortal?!
Se calhar és esse lamento!
Mas foste também lugar de muitos amores,
Ponto de encontros discretos,
Encruzilhada de desejos,
De promessas, futuros secretos,
Bons augúrios e ensejos,
Pelo crepúsculo, à noitinha;
Testemunha das risadas altas e claras
Das raparigas da vila que iam procurar-te
A água perlífera, límpida e fresquinha,
Saída das tuas pedras brutas, ignaras.
Obra da nossa gente, da nossa arte,
Velha fonte quinhentista,
Nos bancos que te ladeiam, os rapazes,
Procurando uma conquista,
Prometiam infinitos amores, sentidos,
Vidas a dois, lares e remansos,
Imáculos, idílicos - não tanto carnais ou mundanos!
Porém, as moças, ariscas, risos furtivos,
Fugiam – pese embora inebriadas! - a tais avanços,
Muitas vezes temerosas da lisura de tais planos!
Largo térreo de séculos, alindado já a tardar,
- Pelos idos de sessenta –
Das bicas ao chafariz,
Onde os bois presos ao carro, fatigados e contraídos,
Ao peso de uma jeira - um dia inteiro a lavrar! –
Com a canga p’la cerviz,
Vêm, sôfregos, beber, ronceiros e condoídos.
Átrio que, em tardes de sol, por desfastio,
Tanto convidava à bachica,
Em correria, ao desafio,
Com as roupas encharcadas,
Entre a mocidade irrequieta, louca,
- Momentâneas disputas e emoções! -
Saias, calças, camisas, blusas ensopadas,
Rapazes e raparigas, na refrega, em êxtase - a voz rouca!
No fim, o afeto tornava aos estouvados corações!
Fonte velha que me precedeste
E, decerto, me hás de suceder,
Como já sobreviveste a tantos vicentinos!
- A vida é tão frágil como a tenra erva do jardim! -
Quem pode prevenir destinos?
E, embora eu não saiba o que irá acontecer,
Vós, pedras desta fonte, sereis sempre para mim,
- Como para os que a ti se encostaram e beberam da tu’ água -
Quando já não vos puder ver,
Minha saudade, minha mágoa!
Alcino dos Santos
3 comentários:
Corre morna, fumega a água nas bicas da Velha Fonte nos dias de refrigério. No tempo estival é fria, mas sempre saborosa
Nossa Velha Fonte foi, é, e continuará a ser um lugar de recordações, confidências, juras de amor eterno
Nas noites quentes à luz da lua o tempo parava, no muro da quinta vaga-lumes tremeluziam; na Rua das Laranjeiras os sapos coaxavam
As raparigas iam e vinham encher cântaros de água cristalina, fresca
Como passa depressa o tempo, grandes rebanhos seguiam em direcção aos pastos, no chafariz os animais bebiam; as bachicas...
Enfeitava-se a Fonte com palmeiras e vasos "roubados", os mancebos gritavam:- Vivam os apurados...
No ano em que o José Pereira dos Santos, o Bernardo Barroso... foram à inspecção a Velha Fonte não foi enfeitada com vasos floridos, folhas de palmeira, a fonte contemplada esse ano foi a Fonte da Praça
Os dois com suas vozes cristalinas no microfone da aparelhagem sonora cantavam
Tem sido na Fonte Velha
Este enfeite favorito
Este ano teve que ser
Na de São João de Brito
Que é da mesma maneira
Engraçadinha e bonito
(cantavam em uníssono)
Viva o T`i Zé do Telhado
Que hoje tanto nos anima
Viva o T`i Zé do telhado
Que é uma obra prima
A música foi "roubada" à canção popular "A azeitona já está preta" do grande compositor beirão natural da vizinha freguesia da Soalheira, Arlindo de Carvalho. Os versos forma feitos pelo nosso poeta José Lourenço.
Cantavam mais quadras que já não me recordo
É um saudosista o escrevinhador
J.M.S
Não há Vicentino que venha à terra, nem que seja em visita breve, que não passe por esta Fonte. Pelas pedras, pela água, mas sobretudo pela simbologia daquele lugar, tão cheio de memórias para todos os que já passámos dos cinquenta: festas, brincadeiras, amores, saudades, mágoas…
E é lá que, à tardinha, ainda se sentam alguns dos mais velhos de nós, provavelmente a reviver tempos bons, tal qual o faz, e tão bem, o Alcino Santos.
M. L. Ferreira
É a coisa mais bonita que eu já vi sobre a Fonte.
Um conjunto de belas imagens que me passaram na mente:
Numa linguagem culta (que dá a luz), as imagens poéticas (quais enquadramentos)criaram um álbum fotográfico, mais perfeito
que os do nosso João Passaraço, porquanto só com a imaginação podemos atingir a perfeição,
Obrigado Alcino.
FB
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