Eu
vivi na casa onde apanharam o Pistotira, antes do meu irmão Zé Maria lá morar.
Na cozinha, havia um buraco na parede, ao lado do lume, que dava para a cozinha
da tua tia Carlota. Quando precisávamos de alguma coisa, lume ou que uns
tratassem dos filhos dos outros, era por lá que os dávamos. O buraco era
pequeno, só lá cabia um bebé. A tua prima Celeste passou por lá muitas vezes,
para a minha mulher tomar conta dela.
Assim
me contou o senhor Luís da Tomásia, há anos, quando o entrevistei a propósito
da prisão do Pistotira. É curiosa esta expressão Luís da Tomásia, que ouvi desde criança, tratando-se este Luís de
um homem com uma personalidade forte, num tempo em que as mulheres ainda
riscavam pouco.
Tenho
refletido muito sobre esta expressão, por isso a demora. Ele é o Luís Rodrigues, também Luís Prata e ainda o Luís da Tomásia. Mas o que tinha ela
para tamanho reconhecimento social? Acho que era um coração enorme, onde todos
cabíamos.
A
senhora Tomázia fazia parte do meu mundo de criança, prima da minha mãe por
afinidade. Nunca fomos muito próximos, talvez por eu ser arredio, mas sentia-se
um clima de carinho sempre que nos saudávamos.
Era
ao alambique do Chão da Bica que nós da Tapada, a minha mãe e a minha tia Stela, íamos
fazer a aguardente. Massa carregada em bacias, à cabeça, e depois longas horas
noturnas de pouco trabalho e muita espera. A presença da senhora Tomásia era
constante, nos intervalos dos seus afazeres domésticos. Às vezes aparecia-nos já
noite dentro para uma conversa ou um conselho sobre a intensidade do fogo
debaixo da caldeira e a temperatura da água no tanque.
As
minhas irmãs eram muito amigas das filhas mais velhas dela, e praticamente da mesma idade.
Num ano do final da minha infância, eu, a Eulália, o meu primo João e não sei
se o Tó, fomos ajudar nos trabalhos outonais: vindima, apanha do feijão
pequeno… Era um misto de trabalho e brincadeira, a de comer e ainda nos pagavam
qualquer coisa. A senhora Tomásia recebia-nos na cozinha, a cada meio-dia.
Lembro-me como se fosse hoje de um bacalhau com batatas e muito azeite. Ainda
tenho o sabor na boca. Depois, à sobremesa, já na rua, a melancia que coubesse
na barriga.
Nós
com os olhos no infinito do universo, na esperança de uma ajuda dos santos e eles
no meio de nós…
José Teodoro Prata
4 comentários:
Há dias, durante a missa pela Ti Eugénia, o Padre Zé lembrou um ditado antigo que diz mais ou menos isto: «Dos mortos não digas senão bem». Depois explicou, como ele tão bem sabe fazer; mas podia ter resumido tudo assim: «Nós com os olhos no infinito do universo, na esperança de uma ajuda dos santos e eles no meio de nós». É a mais pura das verdades!
M. L. Ferreira
Obrigada, Zé, pelas tuas palavras que me fizeram chorar as lágrimas da saudade e de tantas recordações. Tantas, tantas, tantas recordações que ficam no silêncio dos corações mas vivas no nosso olhar a Vida. O meu pai deu-nos a conhecer o valor da palavra dada-quando ele se comprometia a fazer uma coisa tinha de a realizar ainda que se prejudicasse. A minha mãe mostrou-nos o bem maior: o Amor e respeito por todas as pessoas e a igualdade entre todos. Aquele coração tão grande onde o rir e o chorar chegavam quase em simultâneo... Foi aí que eu sempre encontrei a ajuda, a compreensão, o perdão. Aprendemos num berço do ouro mais fino, todos nós filhos desta geração de pais trabalhadores, humildes, honrados.
A grandeza da Ti Tomázia é que não mostrou só bem maior aos filhos, como refere a Celeste. Mostrou-o a todos os que a conheceram de perto. um coração alegre e bom, generoso e reconhecido.
a minha mãe contou-me várias vezes(coisa de velhos): ó filho sabes lá o mogango que a Ti Tomázia me deu para as filhós...só porque lhe dei umas pevides duma variedade que a nossa Rita tinha em Aveiro. E todos os anos me traz um. Vê a vezes que ela me agradeceu meia dúzia de pevides.
Espero que esteja em paz e tenha recuperado a alegria que a abandonou no final da vida.
FBarroso
Bem - Haja, Zé.
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