Ainda vínhamos longe e já
se avistava lá ao fundo, imponente e misterioso, a destoar do resto das
habitações ali à roda. Ouvíamos dizer que era uma casa de correção para onde
traziam vagabundos e malfeitores de todo o lado. A má fama aumentava-lhe o
fascínio e o mistério, mas fazia-nos também tremer de medo, só de imaginar que
algum poderia fugir e aparecer-nos à frente, como diz que às vezes acontecia.
Isto passava-se era eu
ainda criança e, provavelmente, muito destes medos e fascínios eram fruto da
idade e da ignorância, propícia a grandes confusões e fantasias. Mas nem sempre
foi assim o Colégio de São Fiel, como ainda hoje lhe ouvimos chamar muitas
vezes.
Naquele edifício,
construído em meados do século XIX, começou por funcionar um orfanato que se
destinava a acolher e educar crianças órfãs, pobres e abandonadas. Era também
frequentado por crianças e jovens pobres das redondezas.
A partir de 1873 passou a
funcionar ali o Colégio de São Fiel que, na altura, era um dos estabelecimentos
de ensino particular mais prestigiados do país. Estava a cargo da Companhia de
Jesus. Os alunos eram os filhos das famílias mais conceituadas e abastadas da
região, mas vinham jovens de todo o país para aqui fazerem os seus estudos
secundários. Lá estudaram personalidades que se destacaram nas mais variadas
áreas da vida do país: Afonso Costa, António Egas Moniz, Robles Monteiro, José
Ramos Preto e muitos outros.
Com a implantação da
República o Colégio de São Fiel foi extinto e, a partir de 1919, passou a
funcionar como reformatório. Destinava-se a acolher e reeducar jovens
delinquentes e marginais colocados pelo Tribunal de Menores. Para além da
escolarização, os alunos podiam também aprender um ofício que lhes permitisse
uma melhor integração social e independência financeira quando deixassem o
reformatório.
Desde há mais ou menos duas
décadas que o edifício deixou de ter qualquer atividade e, a partir daí, é
notória uma degradação acelerada. Parece que todo aquele complexo é pertença do
Estado; só isso justifica o estado a que aquilo chegou…
M. L. Ferreira
3 comentários:
Os colégios de São Fiel e Campolide em Lisboa eram no seu tempo duas das melhores escolas privadas existentes em Portugal. A revista Brotéria nasceu no colégio de São Fiel. O liceu de Castelo Branco guarda algum espólio que pertenceu ao colégio.
Há uns tempos em conversa com alguém vim a saber que tinham levado os altares da igreja; fiquei perplexo e duvidoso, perguntei para onde os tinham levado, não me quis dizer. Ver para crer, a foto não deixa qualquer dúvida.
Quando era catraio muitas vezes ia levar o "jantar" ao meu pai à Óles, por vezes estrada fora vinham um ou dois "vadios" fugidos do colégio, conheciam-se pela roupa
Almoço partilhado, o meu pai conversava com eles, quando passava a patrulha da GNR não tinham outro remédio senão regressar à instituição
JMS
Uma instituição brilhante no seu auge que, como outras, na falta de uma rede de escolas integradas num sistema político democrático serviu, à época, como pôde, os objetivos possíveis do ensino em Portugal.
Consultei uma publicação sobre este Colégio, no tempo dos jesuítas e fiquei admirado. Pois, os seminários (pelo menos nos programas antigos) são, normalmente, mais conotados com a Cultura Clássica (além da Teologia, o Latim, o Grego, as Línguas Românicas em geral, a Filosofia, a História e a Literatura Greco-Latina, etc.). E deixavam, por assim dizer, um pouco à margem, a Física, a Matemática, as Línguas Anglo-Germânicas (ditas, bárbaras) e, em geral, tudo o que fossem Ciências Nomotéticas (ditas, Ciências Exactas).
Ora, esse estudo (pelo menos a mim) veio dizer o contrário. Os jesuítas (outras congregações talvez nem tanto), interessavam-se pela Matemática, a Física, a Astronomia (estudavam os astros), etc., etc.
Sabiam muito! Por isso incomodavam muito! E também por isso, talvez, é que o Marquês de Pombal "deu ordem" ao Papa para os extinguir!
É uma pena ver a degradação daquele edifício! Pensei que tinha sido comprado pelo Sousa Cintra para restaurar, mas …
Abraços.
ZB
Para mim a coisa é mais sentimental. É que fiz lá o serviço cívico, requisito essencial de acesso ao ensino superior, em 1976 e ainda fervilhava de vida. Imensas crianças e jovens, professores, diretor, auxiliares e artesãos nas oficinas. 3 meses inesquecíveis, com companheiros da Lousa, Malpica, Monforte e do Ninho, na mesma situação que eu. Comíamos e Dormíamos durante a semana. Fim de semana casa, de boleia com o Luís Matias a quem fiquei sempre grato por isso, que trabalhava como um moiro no forno e a distribuir pão pelas redondezas. E agora a confirmação de que a 2.ª lei da termodinâmica é infalível. É tudo uma questão de tempo...
FB
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