domingo, 11 de setembro de 2016

Como se fazia um nobre

Aprendemos na escola que os nossos reis fundadores conquistaram o centro e sul aos mouros e depois doavam as terras a quem se distinguia no campo de batalha. Muitos pequenos nobres do norte tornaram-se assim grandes possuidores de terras e por consequência ricos e poderosos e por consequência ocuparam importantes cargos e por consequência ascenderam à média ou alta nobreza.
Alguns vilãos tornaram-se nobres, pois conseguiram tornar-se médios/grandes proprietários e por isso tornaram-se homens-bons, a elite dos concelhos. E como, na crise de 1383-85, souberam escolher o lado certo da História e lutar, em Aljubarrota, ao lado do Mestre de Avis, receberam de D. João I títulos de nobreza.
Havia outras formas de uma pessoa se tornar importante, mas quase todas passavam pela posse da terra, pois ter propriedades era ter poder sobre os vilãos que ali viviam, fazendo-lhes justiça, protegendo-os e comandando-os na guerra e cobrando-lhes impostos, tudo em nome do rei.
E foi assim ao longo dos tempos.
Peço-vos que leiam o documento que se segue e no final voltamos a conversar.


Em os dezoito dias do mês de agosto da era de mil setecentos e quarenta anos, faleceu da vida presente com todos os sacramentos, o padre Domingos Dias Martins deste lugar de Tinalhas, e fez testamento…
…Mais disse ele testador que deixava como seu testamenteiro e universal herdeiro o seu sobrinho e afilhado, o Alferes Theodoro Faustino Dias e por seu trabalho lhe instituía um morgado ou capela nas peças seguintes:

- Primeiramente umas casas que tem defronte da Igreja neste dito lugar com todos os seus quintais e serventias que lhe pertencem, que partem de uma banda com casas de Manoel Duarte Vincente deste dito lugar, e com estrada do concelho.
- Mais um lagar de vinho que está detrás das ditas casas que foi de Manoel Vas Duarte.
- Mais uma quinta que está aonde chamam o Ribeiro detrás da capela do Divino Espírito Santo, com sua casa e o mais que lhe pertence, que parte com herdeiros de Maria Agostinha e com estrada do concelho.
- Mais uma terra ao Ocreza, aonde chamam as Casas do Leitão, limite de São Vicente, que parte com a mesma Ocreza e com terra de Jorge Lourenço deste dito lugar.
- Mais uma terra com seu olival aonde chamam Vale Coelheiro, limite do lugar da Póvoa, que parte com herdeiros de Maria Agostinha deste dito lugar.
- Mais uma vinha aonde chamam o Vale do Feixe, limite deste dito lugar, e duas terras junto à mesma vinha, uma da parte do poente e outra da parte do nascente, com tudo o que lhe pertence; e vinha e terras que partem com Matheus Fernandes da Póvoa e com Manoel Simão do Cabo deste lugar.
- Mais uma tapada junto à mesma vinha, a qual foi de Domingos Dias de Amaral, a qual tapada anda em litígio no tribunal (…), a qual parte com Manoel Affonço Delgado e com herdeiros de Domingos Fernandes Ratto, ambos deste lugar.
- Mais uma terra ao Vale do Monte, limite do lugar da Póvoa, testa com herdeiros de Maria Gomes deste lugar.

Este Teodoro Faustino Dias estava casado com Maria Cabral de Pina do Violeiro, irmã dos Cabral de Pina que viviam em São Vicente (3 padres e 2 irmãs solteiras). A mulher morreu-lhe cedo, assim como 2 dos 4 filhos, e ele tornou-se sacerdote. Dos dois filhos, o rapaz foi jesuíta. A filha Eusébia casou bem, a neta Joana ainda melhor, de forma que o bisneto José (o da foto do fundo da publicação anterior) se tornou fidalgo e o rei D. Luís o fez visconde.
Porquê? Porque este José seria pessoa de qualidade, mas sobretudo porque os seus antepassados, através de uma inteligente política de casamentos, tinham acumulado uma grande soma de propriedades que o tornaram rico e importante.
E porquê Visconde de Tinalhas, se as propriedades se espalhavam por toda a região (Violeiro, São Vicente, Soalheira...)? Porque ali tinha residência (entre várias) e sobretudo ali se situava o morgado que o Pe. Domingos Dias Martins instituíra ao sobrinho Teodoro Faustino Dias, o núcleo duro da riqueza desta família.
É que estas terras do morgado não se podiam doar, nem dividir, e tinham de ser herdadas pelo filho mais velho macho e só não havendo machos é que herdava a fêmea mais velha. E o herdeiro tinha de casar com alguém aceite pelos pais e ser de boa raça (não podia ser judeu/cristão-novo).
E porquê chamar-se também capela a este conjunto de propriedades? Porque quem herdasse o morgado tinha a obrigação anual e perpétua de mandar rezar 6 missas por alma do instituidor e de seus parentes.
Era assim, naquele tempo...

Nota: Reparem que o solar do 1.º visconde de Tinalhas se situava (situa ainda, embora já degradado - é o solar da notícia anterior) no sítio de umas casas que o seu bisavô Teodoro Faustino Dias herdou do Pe. Domingos Dias Martins.

José Teodoro Prata

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