O inverno tinha sido duro naquele
ano, muita chuva e neve; havia trabalho, mas o tempo… Os homens passavam-no na
taberna; jogavam às cartas, ao nôcho, ao burro e a emborcar copos de vinho. O
pouco dinheiro que havia, uma boa parte ficava na taberna do Fecisco Ourico ou
do Marcelino.
A nuvem estava a ficar lisa, o vento
calado que nem um rato, não estava capaz de se fazer fosse o que fosse;
acomodar o vivo; a lenha era fraca, estevas verdes, os pinhais estavam
exauridos; tocos, chamiços, tanganhos ou tangãos. Tudo tinha sido aproveitado
pelas pessoas, ai de quem cortasse um pinheiro; se o dono soubesse pagava-o bem
pago, mesmo assim os mais afoitos aventuravam-se furtivamente durante a noite
A neve começou a cair, as vidraças
da janela aos poucos foram ficando pintalgadas do branco imaculado, não tardou
muito os campos em redor das casas estavam cobertos da alva e branca neve, frio
de rachar, as estevas enchiam a cozinha de fumo que saía pelo telhado de telha
vã, uma rafada de vento assobiava, com um temporal destes ninguém se aventurava
a andar na rua.
Toda a família estava reunida em
volta da fogueira, pai, mãe, filhos e sogra.
A panela de ferro fumegava, de vez em
quando a mãe destapava-a, mexia o caldo com a colher de pau e provava. As
couves engroladas precisavam de levar mais sal.
Lá fora a neve continuava a cair, o
brasido das estevas tornava aquele espaço acolhedor.
A mãe levantou-se dirigiu-se à
cantareira, tirou os pratos de esmalte e foi-os enchendo de caldo.
A família tinha terminado a refeição,
o pai já com um grãozito na asa, voltando-se para os filhos disse:
- Ó filhos, a vossa mãe já anda
outra vez cheia.
A sogra, que estava sentada num
canto embrulhada no xaile preto e um rafado lenço na cabeça, respondeu:-
- Não, não há de estar cheia, comeu
agora dois pratos de caldo…
Os dias começaram a melhorar, o
verão ia a meio, naquela humilde casa a mulher dava mais uma vez à luz, um
bonito rapaz.
Chegou a altura de o baptizar. O pai
da criança quando terminou a missa do dia foi falar com o padre Tomaz para
marcarem a data da cerimónia.
No dia e hora marcada, a família
espera pelo senhor vigário ao fundo da igreja, que estava sentado na sacristia.
Inesperadamente aparece o pai do menino e disse:
- Senho Vegário; a criança já está
ao fundo da igreja, quando quiser…
- Mau, mau; só cá tenho vinte
escudos.
- Não quero saber, são quarenta mil
réis…
- Quer os vinte escudos ou não? Olhe
que a taberna da viúva não está longe!
- Dá cá os vinte escudos, vamos lá
baptizar a criança.
J.M.S.
Um comentário:
Também podia ser dos figos!
E temos de realçar o pragmatismo do Pe. Tomás: mais vale um pássaro na mão do que dois a voar.
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