sábado, 3 de setembro de 2016

Por metade do preço

            O inverno tinha sido duro naquele ano, muita chuva e neve; havia trabalho, mas o tempo… Os homens passavam-no na taberna; jogavam às cartas, ao nôcho, ao burro e a emborcar copos de vinho. O pouco dinheiro que havia, uma boa parte ficava na taberna do Fecisco Ourico ou do Marcelino.
            A nuvem estava a ficar lisa, o vento calado que nem um rato, não estava capaz de se fazer fosse o que fosse; acomodar o vivo; a lenha era fraca, estevas verdes, os pinhais estavam exauridos; tocos, chamiços, tanganhos ou tangãos. Tudo tinha sido aproveitado pelas pessoas, ai de quem cortasse um pinheiro; se o dono soubesse pagava-o bem pago, mesmo assim os mais afoitos aventuravam-se furtivamente durante a noite
            A neve começou a cair, as vidraças da janela aos poucos foram ficando pintalgadas do branco imaculado, não tardou muito os campos em redor das casas estavam cobertos da alva e branca neve, frio de rachar, as estevas enchiam a cozinha de fumo que saía pelo telhado de telha vã, uma rafada de vento assobiava, com um temporal destes ninguém se aventurava a andar na rua.
            Toda a família estava reunida em volta da fogueira, pai, mãe, filhos e sogra.
            A panela de ferro fumegava, de vez em quando a mãe destapava-a, mexia o caldo com a colher de pau e provava. As couves engroladas precisavam de levar mais sal.
            Lá fora a neve continuava a cair, o brasido das estevas tornava aquele espaço acolhedor.
            A mãe levantou-se dirigiu-se à cantareira, tirou os pratos de esmalte e foi-os enchendo de caldo.
            A família tinha terminado a refeição, o pai já com um grãozito na asa, voltando-se para os filhos disse:
            - Ó filhos, a vossa mãe já anda outra vez cheia.
            A sogra, que estava sentada num canto embrulhada no xaile preto e um rafado lenço na cabeça, respondeu:-
            - Não, não há de estar cheia, comeu agora dois pratos de caldo…
            Os dias começaram a melhorar, o verão ia a meio, naquela humilde casa a mulher dava mais uma vez à luz, um bonito rapaz.
            Chegou a altura de o baptizar. O pai da criança quando terminou a missa do dia foi falar com o padre Tomaz para marcarem a data da cerimónia.
            No dia e hora marcada, a família espera pelo senhor vigário ao fundo da igreja, que estava sentado na sacristia. Inesperadamente aparece o pai do menino e disse:
            - Senho Vegário; a criança já está ao fundo da igreja, quando quiser…
            - Olha: são quarenta mil rés.
            - Mau, mau; só cá tenho vinte escudos.
            - Não quero saber, são quarenta mil réis…
            - Quer os vinte escudos ou não? Olhe que a taberna da viúva não está longe!
            - Dá cá os vinte escudos, vamos lá baptizar a criança.


J.M.S.

Um comentário:

José Teodoro Prata disse...

Também podia ser dos figos!
E temos de realçar o pragmatismo do Pe. Tomás: mais vale um pássaro na mão do que dois a voar.