Publiquei, a
3 de abril de 2011, um artigo intitulado Os
franciscanos em São Vicente. Recupero a parte inicial:
«A presença franciscana
remonta, na nossa terra, possivelmente, ao século XV ou XVI. Quase todos os
templos da Vila são desses finais dos tempos medievais e inícios da Idade
Moderna, exceto a Igreja Matriz (erigida na época da fundação da povoação) e a
Orada (é muito mais antiga que a Matriz, mas a atual capela também foi
construída naquele período).
Nesses fins da Idade Média,
São Vicente terá alcançou o seu máximo desenvolvimento económico e social.
Houve então riqueza para levantar templos, palácios e equipamentos públicos,
como a Câmara Municipal e o Pelourinho.
A capela de São Francisco
não foge a esta regra. O grande arco de volta perfeita, no seu interior, com a
aresta cortada, é, na nossa Beira, tipicamente quinhentista. Esteve, até há
poucos anos, pintado de azul.
Mas o templo não foi, desde
o início, de devoção a São Francisco, mas sim a Santo António, ele próprio
franciscano e contemporâneo do fundador da Ordem Franciscana, com quem ainda se
encontrou, na Itália que depois o adotou como seu e onde se tornou um dos
santos maiores da Cristandade.
Foi, pois, a capela dedicada
a Santo António, até 1744. Nesse ano, veio a São Vicente um grupo de frades
franciscanos pregar uma missão. E sementeira foi de tal modo fecunda que, nos
anos seguintes, a capela deixou de pertencer apenas a Santo António para a ser,
sobretudo, dedicada a São Francisco. Nela teve sede, logo de seguida, a Irmandade
da Ordem Terceira…»
São Francisco recebendo a bula da criação da Ordem Terceira das mãos do Papa Inocêncio III.
Procissão dos Terceiros, 2010 ou 2011.
Ando a ler o
livro FRANCISCO, Desafios à Igreja e ao
Mundo, do Pe. Anselmo Borges, e ontem encontrei algo que diz diretamente
respeito a São Vicente da Beira. Cito uma parte do capítulo “As «sopas» do
Espírito Santo”, páginas 242 e 243:
A propósito
das festas do Divino Espírito Santo, nos Açores, escreveu o Pe. Anselmo Borges:
«Se
formos à procura da origem destas festas, encontramos um monge célebre do
século XII, Joaquim de Fiore, que deu o joaquinismo. Segundo ele, a História do
mundo está dividida em três idades: a Idade do Pai ou da Lei, que é a idade da
servidão e do medo; a Idade do Filho, que é a idade da submissão filial; a
Idade do Espírito Santo, na qual se ia entrar, e que é a idade do Amor, da
Liberdade e da Fraternidade.
[Segue-se um
parágrafo em que se refere o eterno conflito no seio da Igreja entre o lado institucional
e hierárquico e o lado espiritual e fraternal; a esta nova mensagem
revolucionária tinham aderido os franciscanos espirituais, desgostosos com os
papas que abafavam o Espírito. Os franciscanos espirituais viriam a abrir um convento na serra da
Arrábida.]
Em
1282, D. Dinis casa com D. Isabel de Aragão, a futura Rainha Santa. (…) Toda a
família da nova rainha de Portugal era partidária dos frades espirituais e a própria
rainha possuía um conceito franciscano de vida: simplicidade, despego dos bens
terrenos, amor aos pobres e fracos. Santa Isabel protegia os franciscanos, e
foi por seu intermédio que entrou um culto especial ao Espírito Santo.
Fundaram-se confrarias do Espírito Santo, irmandades de socorro mútuo, e
instauraram-se as Festas do Império do Espírito Santo, nas quais se celebrava o
Pentecostes, comemorando a descida do Espírito santo sobre os Apóstolos.
Ora São Vicente da Beira, embora nos últimos
séculos não tenha nenhum culto ao Espírito Santo, teve-o na Idade Média,
precisamente na sequência da difusão do joaquinismo em Portugal, pelos
franciscanos protegidos da Rainha Santa. É que, em 1362, menos de 100 anos após
a chegada de Isabel de Aragão a Portugal, existia na Vila a albergaria do
Espírito Santo, certamente gerida por uma confraria do Espírito Santo. Pensa-se
que foi esta irmandade que deu origem à nossa irmandade da Misericórdia, na sequência
de nova dinâmica fraternal criada por uma outra rainha, D. Leonor, nos finais do século XV. Os fins eram
os mesmos e talvez até a albergaria da Misericórdia, situada no início da Rua
da Misericórdia, fosse a mesma antes chamada do Espírito Santo.
José Teodoro Prata
2 comentários:
Muita coisa se aprende aqui sobre S. Vicente! Por exemplo, não fazia ideia que a igreja matriz era do tempo da fundação da vila! Em relação às festas do Espírito Santo, interroguei-me algumas vezes, sobre qual seria a razão de não existirem em S. Vicente. Pois imaginava que deviam ser muito antigas, mas mas só se realizavam nas terras da Raia: creio que em Salvaterra do Extremo, Zebreira, Rosmaninhal, etc (conf. "Etnografoa da Beira" de Jaime Lopes Dias). Está explicado!
Já agora: o Pe. Anselmo Borges é (ou foi até há pouco tempo), professor na Fac. de Letras de Coimbra (Curso de Filosofia).
Abraços.
ZB
É sempre um grande orgulho encontrar referências à nossa terra, seja em que área for. Dá-nos mais consciência de como somos importantes desde há muitos séculos. E é bom saber que partilhámos da pujança económica que o País teve no início da Idade Moderna que, entre outras coisas, permitiu a construção dos principais edifícios de que ainda hoje nos orgulhamos e são o nosso cartão de visita (também não foram construídos outros que se lhe assemelhassem…). Penso que merecem uma visita bem mais atenta do que habitualmente lhes fazemos.
E vale a pena olhar para trás: fui ler o artigo de Abril de 2011 e aprendi ou lembrei muitas coisas. Também achei interessantes as memórias do Irmão José Amaro sobre o funeral do avô e o respeito pelas suas últimas vontades ligadas à devoção de S. Francisco.
M. L. Ferreira
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