segunda-feira, 19 de junho de 2017

Fonte de São João

Foi particularmente quente o verão esse ano, durante o pino solar as temperaturas elevadas que se faziam sentir não eram convidativas para que se fizesse fosse o que fosse nos campos.
As ceifas tinham terminado, procedia-se à malhação dos grãos. Por todo o lado ouviam-se os manguais batendo ritmadamente nas eiras, “o calor é bom para a debulha”. À tardinha malhadores esperavam que o ar rarefeito trouxesse alguma brisa para que o trigo ou centeio se pudesse limpar; as praganas e os cachiços que estavam misturados com o grão voavam.  
Alguém, munido com um meio alqueire enchia-o e despejava-o nas sacas; contava a quantidade de medidas que ia deitando, atava-as, estas eram transportadas em carros de bois, burros ou às costas; conforme a quantidade de semente recolhida. Por vezes malhadores dormiam na eira em cima da palha; para a filharada era uma festa estarem deitados a olhar as estrelas ouvindo os ralos, as rãs coaxando nas presas, os cães a ladrar certamente afugentando alguma raposa, quiçá um lobo. Uma restolhada de gente dormindo ao relento.
Depois de um dia abrasador mal se estendiam começavam a ressonar; fadiga, cansaço; a cachopada, com os olhos abertos virados para o horizonte contavam estrelas…
A banda filarmónica vicentina esse ano tinha participado em muitas festas nas redondezas e mais longe; para se deslocarem partiam muito cedo a pé, em carroças… A filarmónica, menina dos olhos dos vicentinos; chegou a atuar em terras de Espanha tal a sua fama.
Naquela manhã os músicos entraram no ensaio que ficava na Rua da Misericórdia, pegaram nos seus instrumentos e foram de abalada a caminho de Castelo Branco. O relógio marcava cinco horas, chegariam à cidade por volta das dez.
Plérias, conversas de escárnio e mal dizer, anedotas…o tempo custava menos a passar. Ao chegarem a Castelo Branco dirigiram-se à estação onde estavam alguns malpiqueiros com suas carroças que os transportariam àquela aldeia raiana. Quando chegaram, mal tiveram tempo de repousar, deram uma arruada pelas ruas da povoação. O povo gostava das marchas tocadas pelos músicos, o arraial muito participativo, animado, todos dançavam ao toque da banda.
Terminado o concerto os músicos ajeitavam-se dormindo em casa dos festeiros, palheiros….
Quando a aurora acordou levantaram-se, prepararam-se, ei-los no largo principal da aldeia tocando a alvorada, foguetes estralejavam no ar enquanto percorriam novamente as ruas, o povo escancarava portas e janelas para ver passar a banda.
A missa de festa é mais demorada que uma missa normal, os músicos cantam e tocam durante a cerimónia, a procissão demorou bastante tempo a dar a volta, muitos crentes compenetrados entoavam cânticos e rezavam, a fome apertava. Findas as cerimónias, cada festeiro levou alguns músicos para suas casas onde almoçaram.
 Um foi parar à casa de uma família numerosa no meio da sala uma mesa rectangular tinha ao meio um grande alguidar que fumegava, não viu pratos na mesa, o chefe da família, a esposa e os filhos sentaram-se em redor… festeiro chamou o nosso músico que se sentou também.
Todos tiravam a comida do alguidar e comiam; músico cheio de fome quando viu aquilo perdeu o apetite
- Não come!
- Não tenho fome.
- Coma que está bom…
Ao lado, numa outra mesa estava um bolo de festa, nosso músico não fez mais nada, agarrou na faca e partiu uma fatia.
- O que é que está a fazer! Pergunta o dono da casa
- A partir uma fatia de bolo, respondeu:
- Ponha aí o bolo… primeiro come-se o que está no alguidar, e só depois …
Músico saiu porta fora vagueando pelas ruas da terra; nisto aparece o João Carvalho bem- disposto, vendo-o com cara tristonha, cabisbaixo, perguntou-lhe
- Há azar? - António Maria com a barriga a dar horas respondeu-lhe:
- Deixa-me cá, logo me havia de calhar uma casa onde todos comiam no mesmo caçoulo, os filhos com o ranho a sair do nariz, não fui capaz… estava um bolo em cima de uma mesita, quando ia partir uma fatia ele tirou-ma da mão…
- Vem comigo, eu levo-te à casa onde comi, gente boa, comida farta.
João Carvalho quando contou o episódio ao festeiro este respondeu:
- Sempre assim foi; sente-se e sirva-se à vontade…
António Maria comeu, bebeu e ficou saciado.

Canto da nossa praça onde existiu a fonte de São João de Brito.

Nota: a imagem está invertida (a casa da varanda é à esquerda), 
mas era esta a fonte de São João de Brito.

Na atualidade, parte da fonte em São Francisco.

O presidente da Junta daquela época chamava-se Manuel da Silva, quando chegava à praça todo ele se orgulhava: câmara, igrejas, casas solarengas… faltava qualquer coisa para o ramalhete ficar completo. Que bem ficava uma fonte naquele canto e não afectava nada a monumentalidade da praça. Contactou os outros elementos da Junta, um deles era o senhor João Prata; um dia rumaram a Castelo Branco, a verba apareceu e a fonte foi edificada.
Durante algumas décadas deu de beber aos moradores e aos viandantes.
A Rua do Beco era estreita a Junta da época pensou e muito bem alargar a artéria, houve necessidade de “roubar” um pouco à praça, a fonte teve que ser desmontada; findas as obras, voltaria para o seu lugar. Azar dos azares; a fonte de São João de Brito nunca mais foi reposta, algumas pedras desapareceram, a parte central trasladaram-na para junto do calvário, onde se encontra.
Faz este ano setenta anos, esquecida sem dar fruto ou seja sem jorrar água, julgo que deve voltar a erguer-se no local original nem que para isso tenha que se abrir uma subscrição pública para que a velha fonte regresse ao lugar que lhe pertence por direito.
Assim sendo; haja quem aja.
São João de Brito nasceu em Lisboa no dia 1 de Março do ano 1647; trezentos anos depois foi canonizado pelo papa Pio XII no dia 22 de Junho do ano 1947
Em sua homenagem nascia na praça uma fonte.
Fiquem bem

J.M.S

6 comentários:

José Teodoro Prata disse...

Enquanto a fonte de S. João de Brito existiu, parte dos festejos de São João transferiram-se da Fonte Velha para a Praça.
Depois morreram, com a fonte e sobretudo porque o mundo rural também desapareceu.

Anônimo disse...

Não sabia que o S. João de Brito era português! Há vários: S. João Batista, S. João Evangelista, S. João de Malta... Qual é o que se celebra a 24 deste mês? Acho que é o de Malta (porque julgo que é o que diz um dos versos das quadras populares!). Gostava de saber. Zé Manel, orienta aí isso!
Mas foi muito bem edificada a fonte na praça, no dia da canonização do S. João de Brito. Lá isso, foi! E foi uma pena terem estragado aquilo. Mesmo tendo-se alargado a rua, acho que a fonte deveria ter sido reposta no sítio. Não interferia e até enriquecia o adro. Mas não foi recolocada! É à (são)vicentino!
E por que é que a fonte tinha, além das armas nacionais, a cruz de aviz? Zé Manel ou Zé Teodoro, orientem aí isso!
Também me fartei de rir com aquela de o nosso músico (António Maria, o sacristão ou o teu pai? O teu pai era António Maria?), ter tido o azar do alguidar comum, com os cachopos ranhosos à volta!
Mas belos tempos aqueles, os das malhadas! Mesmo com as grandes dificuldades. As malhas, as noites quentes de verão, a dormir ao relento!
E belos tempos também quando a banda aí a tocar a muitos locais, longe e sem transportes! Ainda no sábado, quando houve aquele desastre em Pedrógão Grande, comentava, com pessoa de família, que me lembrava, quando era miúdo, de a nossa banda ir muitas vezes tocar a Pedrógão. Só não sei é se era a Pedrógão Grande ou Pedrógão Pequeno. De todo o modo, uma zona que ninguém sabia onde ficava e, de repente, foi posta no mapa-mundo, pelos piores motivos!
Aos que morreram, dai-lhes, Senhor, o Eterno Descanso!
Abraços.
ZB

Anônimo disse...

Pela idade, podia não ter grande valor histórico, mas foi à roda dela que, durante alguns anos, se desenrolou muita da vida social da nossa terra; até lá terão nascido muitos amores… Depois chegou a água canalizada e a eletricidade a quase todas as casas e, se isso significou uma grande alteração em termos da qualidade de vida, trouxe também algum isolamento: as pessoas deixaram de ter de sair para ir à fonte e passaram a fechar-se em casa a ver televisão. E o pior é que até dentro de casa, os filhos passaram a viver separados dos pais porque já tinham televisão no quarto (agora são os computadores e seus sucessores…).
Apoio a ideia da reposição da Fonte da Praça!

M. L. Ferreira

A S disse...

Apoio a reposicao da fonte da praca. Quanto a historia do bolo esta gravada na minha memoria desde crianca, falava se dela la em casa a volta da braseira, mas tinha na ideia que quem levou a palmada na mao e proibido de tocar no bolo tinha sido o meu vizinho sr Fernando latoeiro. E mais uma cena de gente boa e humilde- Ponha ai o bolo

Anônimo disse...

Zé Barroso, vou tentar esclarecer as tuas dúvidas.
1-O santo que se comemora no dia 24 de Junho é o São João Baptista, "Eu baptizo-vos em água, mas vai chegar quem é mais poderoso do que eu, Alguém cujas correias das sandálias não sou digno de desatar. Lucas 3-16. Alimentava~se de gafanhotos e mel silvestre, Herodes mandou-o degolar.
2-São João de Brito,foi educado na corte de D. João IV, pajem do príncipe D. Pedro II. Jesuíta, foi para a Índia missionar, chamavam-lhe o Xavier português. Morreu degolado no dia 4 de Fevereiro do ano 1643.
3-Na vila, como todos sabemos; a Ordem de Avis possuía uma comenda, dai talvez a colocação do símbolo na parte central da fonte
4-Quem conta um conto acrescenta sempre uns pozinhos, Fernando latoeiro ou António Maria (sapateiro, sacristão)pouco importa, um deles foi com certeza. O meu pai chamava-se António dos Santos.
5-Não creio que a nossa banda alguma vez tenha ido a Pedrogão Grande ou Pedrogão Pequeno. No concelho de Penamacor existe uma freguesia que se chama Pedrogão de São Pedro, seria a essa povoação que se deslocariam os nossos músicos.
6-Com a recolocação da fonte na praça, esta ficaria mais airosa e bela.
J.M.S



Anônimo disse...

Um dia houve aqui essa dúvida, mas, afinal, prova-se que quem sabe de santos é o JMS e não eu. A parte das citações evangélicas ainda vou sabendo. Mas quanto à cultura popular é com ele!
Sabia, obviamente, que o teu pai era António dos Santos, mas podia haver no meio algum "Maria". Como acontece com o teu irmão João e creio que, também, com o teu irmão António.
Quanto ao Pedrógão onde ia a nossa banda, pensava eu que era para os lados destes Pedrógãos de Leiria / Coimbra.
Em relação à cruz de Avis desconfiava disso, porque havia a tal comenda dessa ordem lá para a Sra. da Orada... Acho.
Eh!, pá, vocês sabem muito disso!
Abraços.
ZB