No Arquivo
Distrital de Castelo Branco existe um processo judicial do século XVIII, em que
o governo do Marquês de Pombal manda fiscalizar todo o Vale de Sande, que era
terra baldia e por isso o poder central tinha direito a um terço do produto da venda
das pastagens.
O Vale de Sande, hoje chamado Vale do Santo, onde corre o ribeiro
com o mesmo nome, vai das traseiras do Ninho do Açor até ao fundo do Monte de
São Brás. No 3.º quartel do séc. XVIII já muitos particulares se tinham
apoderado de parcelas de terras públicas ou ali plantado oliveiras, ficando por
isso donos delas. Por exemplo, o Conde de São Vicente vendia as pastagens do
fundo do vale, as melhores, como se fossem suas, subtraindo esse rendimento ao
concelho do Freixial do Campo (embrião da atual junta de freguesia), e ao poder
central. O Marquês de Pombal moveu processos judiciais a todos e a justiça foi
reposta.
Pela Memória da Indústria Agrícola, aqui recentemente
publicada, podemos concluir que foi sol de pouca dura, pois cerca de 1840 já
muitos particulares, os maiores proprietários, se tinham apoderado de muitas parcelas
dos baldios.
O documento que abaixo se apresenta vem na mesma linha. João
dos Santos Vaz Raposo, meu antepassado direto ou irmão de um meu antepassado, solicitou
à Câmara, em 1855, autorização para coutar (fechar) três barrocas contíguas que
possuía (Vale Covo, Vale de Castanheira e Barroca dos Negros), legalizando,
nesse ato, a posse de maninhos públicos que já ocupara e que se situariam entre
as três barrocas a coutar.
A Junta da Paróquia deu-lhe razão, a Câmara dividiu-se e o
Governo Civil terá dado resposta favorável, na linha da ideologia liberal que
então governava Portugal, a qual valorizava a posse particular de bens em
prejuízo do domínio público.
Tudo isto confirma a tradição oral existente na nossa terra
de que os ricos ficaram ricos porque fizeram grandes propriedades com as terras
que eram de todos.
Notas:
Notas:
1. Como investigador, não posso dar como totalmente certa uma conclusão destas, pois falta um
estudo sistemático da transferência dos baldios para os particulares, no século
XIX e inícios do século XX. «…pero que
las hay, las hay!»
2. Não esquecer que o nome deste blogue designa o baldio de toda a encosta da Gardunha, desde a Oles à Senhora da Orada.
Sessão da Câmara de 11 de fevereiro
de 1855
Ano de nascimento de
Nosso Senhor Jesus Cristo de 1855, aos 11 dias do mês de fevereiro, nesta Vila
de São Vicente da Beira e Paços do Concelho, sendo presentes o presidente da
Câmara – Brito – e os vereadores – Ribeiro Robles – Garrido – e Magalhães,
deixando de comparecer o vereador Neto, com motivo justificado, o dito
presidente declarou aberta a sessão.
E foram presentes os
informadores nomeados por esta Câmara a fim de declararem o que entendiam sobre
o coutamento que pretende fazer João dos Santos Vaz Raposo das barrocas do Vale
Covo, Vale de Castanheira e Barroca dos Negros, cuja declaração fazem pela
maneira seguinte:
Que avaliaram a
sementeira das três barrocas em cento e catorze alqueires, mas declararam que
esta sementeira nas duas primeiras se não pode fazer senão de seis a nove anos
e a última que nunca se poderá fazer menos de quinze a vinte anos;
Que aquelas ditas
barrocas cada uma foi de seu dono que nesse tempo eram separadas umas das
outras que por serem hoje do mesmo pretendente João dos Santos Vaz Raposo
apenas as separam uns regos de arado, mas que todos os maninhos contíguos às
ditas barrocas nunca lhe pertenceram em tempo algum que sempre foram estranhos
às mesmas, tidos como baldios desta Vila e freguesia e que desde tempo de que
se não lembram os nascidos sempre os ditos povos desta Vila e freguesia os
desfrutaram em comum indo ali cortar mato, arrancar torga e pastar com seus
gados grosso e miúdo e que os ditos terrenos baldios nunca foram nem podem ser
cultivados.
O documento continua informando que a Junta da Paróquia
(antepassada da Junta de Freguesia) tinha opinião diferente e mesmo entre os
vereadores não havia consenso. A Câmara ia enviar todo o processo para o Governo
Civil de Castelo Branco, ao qual caberia decidir.
José Teodoro Prata
2 comentários:
Quando agora vemos tantas terras abandonadas e grandes casas em ruínas, até nos apetece pensar que foi castigo para a ganância daqueles que se apoderaram do que era de todos, deixando os pobres ainda mais pobres: ficavam sem terras e sem sítio para cortar um molho de lenha ou de mato.
Parece que não foi só por cá…
Caro, a conclusão do investigador não está nada errada. Para confirmar, releia-se o velhinho Le problème agraire portugais au temps des premières Cortès libérales (1821-1823), Paris 1968. Não existe tradução em língua portuguesa deste O problema agrário português no tempo das primeiras cortes liberais, 1821-1822. São Vicente também lá está.
JMT
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