A oliveira, talvez a par da azinheira e do
sobreiro, é das árvores mais bonitas de Portugal. Será também das mais antigas,
com maior simbolismo e das que mais tem contribuído para a economia doméstica e
do País.
Mapa de implantação da
oliveira no período romano:
zonas de cultivo (a verde claro), rotas de
transporte (setas) e principais portos de tráfego (pontos pretos)
Foram os Romanos que desenvolveram o cultivo da
oliveira na bacia do mediterrâneo, mas, muito antes deles, já existiam olivais
em várias regiões, principalmente no Médio Oriente, Grécia, Itália, e Espanha,
talvez trazidas pelos Fenícios. Existiriam também em Portugal muitos anos antes
da chegada dos Romanos, uma vez que, métodos inovadores de datação das oliveiras,
permitiu identificar vários exemplares com mais de 2000 anos, a maioria no
Alentejo, mas na freguesia de Mouriscas foi identificada uma com 3350 anos.
Será a oliveira mais velha de Portugal.
Não precisamos de andar muito para percebermos
que também no território do que foi o antigo concelho de São Vicente da Beira,
os olivais existiram desde há muitos séculos. A prová-lo estão alguns
exemplares, belíssimos, que nos enchem de espanto e respeito só de olharmos
para eles e imaginarmos as muitas gerações que já alumiaram e a quem temperaram
o prato.
Algumas têm o tronco tão carcomido que parece
impossível que consigam manter-se em pé, e suportarem e alimentarem os ramos
que continuam a dar fruto (parece que uma das características das oliveiras que
explica a sua longevidade é o facto de desenvolverem raízes aéreas e camadas à
superfície do tronco, que substituem as que vão morrendo no interior).
Provam-no também os muitos lagares que existiram, até há pouco tempo, ao longo
da nossa Ribeira.
Seriam ainda uns sete ou oito em meados do
século XX. Não paravam durante todo o inverno, dia e noite a moer, enquanto
durasse a apanha da azeitona, que era transportada em carros de bois de quase
toda a freguesia.
A primeira operação no processo de transformação
da azeitona em azeite era a moagem: a azeitona era deitada no pio, um
recipiente com capacidade para cerca de 500 kg, sendo depois triturada pelas
galgas, duas mós de granito com 5 toneladas cada uma.
Depois de moída a azeitona, a pasta obtida era
colocada sobre seiras (ou ceiras?) que eram sobrepostas em camadas e depois
espremidas através da prensagem. O líquido obtido era uma mistura de azeite,
água a muitas impurezas que era transferida para a tarefa, um recipiente onde era
adicionada água muito quente. O azeite, menos denso, vinha à tona, e a água e
as impurezas, que ficavam no fundo, eram rejeitadas. Agarrado às seiras ficava
o bagaço, composto pela maior parte do caroço e pele da azeitona.
Para completar o processo, o azeite era
colocado numa máquina que, girando a alta velocidade, centrifugava o azeite, eliminando
completamente a água. O azeite ficava, finalmente, pronto a ser consumido.
VERDE FOI MEU NASCIMENTO
MAS DE LUTO ME VESTI
PARA DAR A LUZ AO MUNDO
MIL TORMENTOS PADECI
Exemplos de antigos
mecanismos de moagem da azeitona (gravura recolhida no Museu do Azeite de
Belmonte)
A produção do azeite, desde a apanha da
azeitona até ao produto final, era bastante penosa até há pouco tempo.
Atualmente, com a introdução de tecnologias mais modernas e de outras espécies
de oliveiras, todo o processo ficou mais facilitado. Dizem que o azeite não é
tão bom, mas talvez seja exagero. A verdade é que, sendo Portugal um país
pequeno, está atualmente entre os principais produtores de azeite, em
quantidade e qualidade, devido à introdução dessas tecnologias e novas
plantações. A desvantagem é que os novos olivais nunca chegarão a atingir a
beleza e a resistência dos mais antigos (parece que a sua vida útil não
ultrapassa muito as duas décadas). Mas a função das oliveiras também não é
serem bonitas. O pior é se, dentro de algum tempo, as velhinhas se tornam
apenas árvores decorativas de jardins e rotundas.
M. L. Ferreira
3 comentários:
Nos anos setenta do passado século ainda havia arrendamentos em que as oliveiras eram colhidas pelos proprietários da terra
-O 25 de Abril tinha acontecido à pouco tempo, um dia jornalistas do jornal
"Voz do Povo" deslocaram-se a São Vicente, mais precisamente ao Casal dos Ramos onde entrevistaram algumas vizinhas do lugar
Ouçamos:-Tenho 58 anos, uma vida longa como assalariada agrícola, casei com 18 anos e já há muito que andava na azeitona juntamente com a minha mãe. Depois passei a deixar os filhos "que eram três", entregues a ela para poder ir trabalhar e dividia o ganho ao meio com a minha mãe.
Andávamos "à perca e ao ganho" por nossa conta; de cada oito , uma era para a camarada toda "homens e mulheres"
Chamava-se a "oitava", mas algumas vezes era ao "nono", de cada nove tirava-se uma.
Tinhamos dias de nem tirar uma quartilha de azeite para cada uma. Andávamos meses de nem trazer dois alqueires para casa.
Nessa altura havia muito pouco quem andasse ao dia, a dinheiro, mas seriam uns dez escudos por dia.
Hoje é muito melhor...
A senhora Maria dos Santos foi interrompida por uma vizinha que disse:- eu andei a carregar camionetas de areia e barro com uma pá a ganhar 33 escudos por dia...
Maria dos Santos atalhou dizendo:-já ganhei 170 escudos, mas andei com uma escada na mão a apanhar a azeitona, porque aqui sobe-se às árvores e colhe-se a azeitona com uma escada.
Os homens é que ganham um bocado mais: andam a 250 ou 260 escudos...
Antigamente era muito pior, atalhou a senhora Emília da Conceição, 60 anos que nos disse.
Antigamente trabalhávamos de sol a sol e isso foi até 1976. Agora já não. Mas quando se trabalha longe daqui é como se fosse: a minha filha sai de manhã num carro e só volta noite cerrada...
J.M.S
Um pouco de história local:
No tempo do artigo da Voz do Povo, o jornal da UDP a que se refere o José Manuel, era eu um dos udpes de São Vicente. Não tenho esse artigo, nem me lembro dele, mas possivelmente ajudei a fazê-lo, através do contacto com os entrevistados.
O primeiro contacto nacional que tivemos foi através de um familiar (filho ou filha?) do Domingos da Borrega, que veio de Lisboa, numas férias, talvez em 1976. Depois tivemos contactos com um funcionário do organismo governamental da agricultura, colocado em C. Branco. Penso que foi ele a promover esta entrevista, até porque o tema era da área dele. O artigo será de 1976 ou 1977.
3350 anos é o tempo dos Fenícios (atuais Libaneses), que aqui vinham comerciar. Terão sido eles, então, que trouxeram as primeiras oliveiras para a Península Ibérica.
Há cerca de 3000/2800 anos, os habitantes de uma cidade grega fizeram um concurso para escolher a divindade protetora da cidade. Ganhou a deusa Atena, por ter oferecido uma oliveira. E assim a cidade se chamou Atenas. É um dos mitos gregos, histórias, com intervenção de deuses, que procuram explicar a realidade.
Os romanos promoveram o cultivo da oliveira em toda a bacia do Mediterrâneo. Foram eles que desenvolveram a sua plantação no sul do atual Portugal. Depois os muçulmanos, seus herdeiros em muitos aspetos, disseminaram a oliveira pela centro do país. Cordovil vem de Córdova, uma importantíssima cidade do Al-Andalus. E a oliveira foi progredindo para Norte, até Portugal se encher da árvore que durante milénios forneceu o óleo para o fogo sagrado.
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