sábado, 28 de novembro de 2020

A nossa Ribeira

 Já não é bem a Ribeira da nossa infância, onde as mulheres, de joelhos, ou em pé, enfiadas na água, lavavam a roupa de toda a semana. Chegavam cedo, para apanhar a melhor pedra, a bacia da roupa à cabeça e, muitas vezes, o filho mais novo ao colo ou pela mão. Depois as margens iam-se enchendo de roupa a corar e, pelo meio, ia-se falando das coisas da vida.

Era lá que os rapazes aprendiam a nadar; primeiro nos açudes menos fundos, e depois no Pelome, só para os melhores, mas, mesmo assim, motivo de grandes sobressaltos para as mães. Alguns iam à pesca, um anzol improvisado, preso por uma linha, no fundo duma cana roubada da horta; à falta de cana, era à mão, ou com uma cesta de verga.

As raparigas começavam cedo a ajudar as mães na lavagem das peças mais pequenas, mas se havia oportunidade, arregaçavam as saias até aos joelhos e refrescavam-se na água. Também eram elas, quase sempre, que vigiavam o irmão adormecido dentro da bacia ou no cesto da roupa, não fosse alguma cobra ou sardão aproximar-se pelo cheiro a leite .

E, no tempo da azeitona, era um vaivém de carros de bois a caminho ou vindos dos muitos lagares ao longo da Ribeira. Para baixo, carregados de sacas de azeitona; para cima, cheios de potes de azeite a espalharem o cheiro a novo pelas ruas.   

Mas continua bonita, a nossa Ribeira! Este ano limparam-lhe as margens, e a chuva que tem caído nos últimos tempos alimentou-lhe o caudal e as inúmeras pequenas cascatas ao longo de todo o percurso. Que pena que não exista um caminho de onde se possa usufruir toda a sua beleza…


Quase no início, na Senhora da Orada

 

Perto do lagar do Major

 

A seguir às antigas passadouras

 

Um pouco mais abaixo, quase a chegar ao fundo do Casal do Baraçal (Casalito)

 

 

Depois da barragem, já perto do Sobral do Campo

M. L. Ferreira

4 comentários:

José Barroso disse...

Ó meu S. Vicente amado / Tu és banhado / Pela ribeira...
Uma bela ribeira que tem inspirado alguns poetas! É um dos braços do Ocresa. O outro é a Marateca. Curioso é que este curso de água toma os nomes dos lugares por onde passa: Ribeira da Senhora da Orada perto de S. Vicente, Ribeira do Ramalhoso perto do Sobral e por aí abaixo... Creio que passa perto da Póvoa de Rio de Moinhos (na primeira ponte quando se vai de S. Vicente), mas não sei que outros nomes terá. Precisamente, na Póvoa, mas na outra ponte, à saída, passa a Marateca. Depois, confluem em certo sítio e formam o Ocresa, um dos afluentes do Tejo.
O que eu acho é que, apesar de alguns verões prolongados e a água ser pouca, mesmo assim, a corrente é praticamente permanente na roda do ano. Percebe-se que na nossa terra o minifúndio está cada vez mais a dar lugar, não digo já ao latifúndio, mas a parcelas de terreno médias, onde se veem novas plantações de árvores, muitas delas não já para madeira (embora esta ainda predomine), mas de árvores de fruto: grandes olivais, medronheiro (e uma ao pé da barragem que não consegui identificar). Mas a ribeira oferece muitas potencialidades para o turismo que será, talvez, uma das principais fontes de receita do Interior, com gastronomia, passeios pedestres ou outras atividades. Andaram a gastar um balúrdio no Barrocal em Castelo Branco e acho que deveriam olhar também para Gardunha (ela, que dá de beber àquela gente!). Já referi noutro furom que a nossa ribeira merecia um passadiço, pelo menos, entre a ponte que vai para a escola/campo de futebol, por aí acima, até às Passadouras.
Abraços, hã!
JB

José Teodoro Prata disse...

Eis uma boa maneira de descomprimir dos confinamentos da covid, mantendo o distanciamento social.

M. L. Ferreira disse...

Há, de facto, muitas referências à nossa Ribeira ao longo dos anos, sinal de que é um lugar importante na vida de nós todos. Mas saliento um poema publicado em fevereiro de 2013, que vale a pena voltar a ler. Pelo nome não chego ao auto, mas deve ser alguém que conhece e gosta muito dela.
Apoio a ideia do passadiço ou mesmo uma vereda por onde fosse fácil passar. É que em grande parte do percurso os terrenos são propriedade privada, com arame à volta e é difícil aproximarmo-nos do leito.

José Teodoro Prata disse...

As vedações em arame (dantes eram de pedra) são um dos flagelos do nosso tempo. Quando organizava passeios por São Vicente, tentei um dia esse percurso, mas nada. Nem entre o Pelome e a Devesa, com caminho, aposto que público antigamente, agora vedado, me deram autorização para passar: fui ao dono pedir autorização para abrir, fechar a cancela do lado do Pelome e passar; não autorizou!
Felizmente no percurso em torno da barragem pode fazer-se quase toda a rota junto à água. Uma passagem entre a Oriana e o Casal do Pisco é que seria a cereja no topo do bolo, pois evitava-se o alcatrão entre a Oriana e o Alto da Fábrica.