segunda-feira, 26 de abril de 2021

Bordado de Castelo Branco - 2

Há duas semanas, publiquei aqui o texto do primeiro de três podcasts que fiz para a Rádio Castelo Branco, sobre o bordado de Castelo Branco. Ele serviu apenas de introdução ao texto que hoje vos apresento, este sim recheado de boas informações sobre São Vicente da Beira.

Como imaginar que São Vicente foi, no século XVIII, além de um grande centro de industrial de lanifícios, um dos centros de maior produção de bordado?

Luísa Fernandinho publicou nos Estudos de Castelo Branco, Nova Série, n.º 4, os resultados de uma investigação aos inventários dos órfãos existentes no Arquivo Distrital de Castelo Branco.

Pretendia-se averiguar a existência de colchas de Castelo Branco nestes inventários. Entre os fins do século XVIII e a primeira metade do século XIX há referência a 160 colchas bordadas a seda nas localidades de Salgueiro, Palvarinho, Malpica, Escalos de Baixo e de Cima, Alcains, Cafede, Monforte, Sarzedas, Vila Velha de Ródão e arredores, Lousa, São Vicente, Tinalhas, Freixial, Póvoa e Mata.

Colchas brancas contam-se cerca de 500, concentradas em Vila Velha de Ródão, Lousa, Alcains, Escalos de Cima e São Vicente.

Há ainda registos de antecamas de vários tipos, destacando-se Monforte com o maior número. Também surgem toalhas de linho bordadas a seda, principalmente na zona de São Vicente.

Além do pano de linho utilizavam-se o pano rei, sobretudo em Alcains, Lousa e Escalos de Baixo e de Cima, principalmente nos inícios do século XIX, e o tecido pita, fabricado a partir das fibras da piteira ou figueira das Índia, usado apenas na Lousa, entre 1807 e 1818.

O valor das colchas bordadas a seda podia atingir os 9 000 réis no século XVIII, mas desceu no século XIX para 4 000 réis. Mas havia colchas a valer 10 a 20 000 réis.

Estes inventários aparentam pertencer a famílias com posses, quer pelos apelidos familiares conhecidos, quer pela quantidade e valor dos bens móveis e imóveis registados.

José Teodoro Prata

6 comentários:

M. L. Ferreira disse...

Não admira que em São Vicente houvesse tantas colchas de bordado Castelo Branco: a maior parte das mulheres da freguesia, de acordo com os registos paroquiais do século XIX, , eram fiadeiras e tecedeiras, provavelmente de linho. E, pelo preço, não seriam de quem produzia. Eram um bom dote para as filhas dos ricos do concelho, quer fossem casadoiras ou destinadas ao recolhimento no convento.
Mas são uma preciosidade, estas colchas! Talvez do melhor, em termos de bordado, que se faz em Portugal. Houve tempos em que desejei muito ter uma, mas eram tão caras que desisti. Agora, não consigo decidir se bem ou mal, já fazem peças pequenas acessíveis a quase toda a gente, para emoldurar. Ainda não me resolvi, porque o que gostava mesmo era de ter uma colcha como as originais. Mas se nem quarto ou parede tenho para a expor…
No museu Tavares Proença Júnior há uma coleção extraordinária, algumas muito antigas, que merece uma visita. Ando para lá voltar há que tempos, só por elas. Acho que vai ser desta!

José Barroso disse...

Já aqui temos dito que a nossa geração ainda conheceu a Idade Média. A diferença estava apenas em alguns automóveis e um ou outro telefone. Imagino o que seria as pessoas, para terem os tecidos, terem que semear o linho! Ainda tenho uma toalha de linho da minha avó Maria Espírito Santo. Deve ter sido um bocado do mesmo tamanho para cada um! Lembro-me de ela ter a roca e a dobadoura do linho e trabalhar nessa tarefa. Eles semeavam o linho, mas disso já não me lembro. Mas aquela toalha creio que ainda é feita do linho que eles semeavam. Uma relíquia afetiva para mim! Não tem outros enriquecimentos com bordados. É mesmo só de linho simples mas robusto. Mas para uma zona onde cultivavam tanto linho como em S. Vicente, era natural que as peças fosse m decoradas, nomeadamente com seda. Mas de onde vinha a seda? Abraços, hã!
JB

José Teodoro Prata disse...

A seda podia vir de fora, mas na segunda metade do século XVIII e primeira do século XIX haveria muitas amoreiras em São Vicente, como em todo o país, pois o Marquês de Pombal tornou obrigatória a sua plantação, precisamente para alimentar o bicho da seda.
Na investigação que fiz, encontrei na net um estudo muito bom e completo sobre a produção de seda em Trás-os-Montes. Era uma produção em laga escala, até para exportação!

Anônimo disse...

Já agora, porque não uma visita ao Museu da Seda de C. Branco. vale a pena. O espaço envolvente também é muito interessante, com imensas amoreiras e um percurso de passeio bem bonito. Aliás, é ali produzida seda utilizada pelas bordadeiras da cidade.
FB

José Teodoro Prata disse...

Da leitura do estudo em que me baseei para escrever este texto, ficaram-me duas dúvidas não esclarecidas na publicação: porque é que a cidade de Castelo Branco não tem qualquer referência e se para a autora todo o bordado com seda é bordado de Castelo Branco, o que será uma interpretação lata do conceito, mas legítima, na minha opinião.
Para um bordado ser bordado de Castelo Branco tem de ser feito num certo ponto (frouxo) e apresentar certos temas na decoração (pássaros, cravos, árvore da vida...). Mas não sei se sempre foi assim, aliás penso que o próprio nome bordado de Castelo Branco é uma marca recente, do século XX (talvez ligado ao folclore do Estado Novo). Este bordado tem muitos aspetos em comum com o que se faz/fazia noutros pontos do país e em Espanha, sobretudo Toledo.

M. L. Ferreira disse...

Ainda temos na freguesia ruas e largos a lembrar a existência de amoreiras (Casal da Serra e Partida) e plantações de linho (Mourelo) naqueles lugares. Que pena que sejam já só nomes...