domingo, 9 de janeiro de 2022

Sanvicentinos na Índia Portuguesa

 


Estes versos foram publicados no jornal “Pelourinho” de maio de 1961. Passados poucos meses, no dia 19 de dezembro, pela recusa teimosa de Portugal em negociar as condições de transição pacífica propostas por Nehru, a União Indiana invadia o território português na Índia.

Mesmo sendo evidente a desproporção de meios, em homens e armamento, Salazar, na desumanidade própria dos ditadores que lhe era tão comum em muitas decisões, deu ordens para que as nossas tropas resistissem até à morte do último soldado. Mas o general Vassalo e Silva, governador do território na altura, teve a coragem de desobedecer, e rendeu-se ao fim de algumas horas de combate, já com várias dezenas de militares caídos de ambos os lados.

Dos portugueses que escaparam à morte, algumas centenas foram feitos prisioneiros e sujeitos a trabalhos forçados durante meses. Entre eles estava o António Duarte Pedro que, sobre esse tempo, pouco consegue dizer; mas a pergunta «Viste A Ponte do Rio Kwai? Então podes avaliar o que nós lá passámos. Dizem que foi tal e qual.» é bem clara sobre os tormentos por que passou.

Para além de muitas memórias sombrias, talvez lhe venha também desse tempo de guerra aquele assobio melodioso que nos abranda o passo quando lhe passamos à porta. Quem sabe se é o seu jeito de espantar os fantasmas quando teimam em assombrar-lhe a alma…

M. L. Ferreira

Nota: O Albertino (Albertino Justino) referido nos versos do António Pedro já faleceu. O Alfredo (Alfredo da Silva Lobo) vive em Lisboa, mas ainda volta ao Casal da Fraga de vez em quando.

Não consegui confirmar se também foram feitos prisioneiros, mas penso que sim.

3 comentários:

José Barroso disse...

Falei uma vez com o Albertino e com o Tó sobre o assunto. Não sabia que havia o Alfredo, nem estou a ver quem é.
O que eles me disseram foi pouco, mas o tempo de conversa talvez não tivesse dado para mais. O que referiram de relevante, foi, no fundo, o que, de alguma forma, já sabíamos: eram cerca de 3.000 portugueses para 30.000 indianos. Mas Aljubarrota não se podia repetir porque os tempos eram outros e não era, de todo, a mesma causa que estava em discussão!
Eu tinha 9 anos de idade quando se deu a invasão da chamada Índia Portuguesa (1961). Toda a gente sabia que estavam lá estes nossos conterrâneos. E o sentimento que se vivia era o propagandeado pelo regime de Salazar; ou seja, a Índia (Goa, Damão e Diu), eram nossos e o grande inimigo era o Nehru, por sua vez, grande amigo e sucessor de Gandhi à frente da Índia, então já independente do Reino Unido, uma potência europeia na época. Gandhi, o tal "faquir seminu" (como dizia Churchill), que conseguiu impor-se por meio da "não violência".
Imagino, portanto, os esforços que terá feito Nehru para anexar os territórios sob administração portuguesa, sem recorrer a ações armadas. Mas, como se sabe, Salazar era absolutamente irredutível (e, por isso, totalmente ignorante quanto à leitura da História do seu tempo).
Dada a propaganda da época, é claro que havia manifestações a favor da nossa causa em várias áreas da sociedade portuguesa (no retângulo continental europeu), nomeadamente, nas escolas. Por isso, quando, de manhã, chegou a D. Natália, toda a gente, de pé, na aula, rezou por intenção da Índia (havia, como se sabe, um crucifixo na parede das escolas).
Aquele ano de 1961, marcou, assim, o início (no que toca às ações militares) do ruir do "glorioso Império Português" não só na Índia, mas em todas as outras colónias portuguesas.
E a nós, na curiosa aleatoriedade que é o nascer, o viver e o morrer das gerações, foi-nos dado testemunhar a derrocada de uma grandiosa construção de meio milénio, mas que Salazar (e muitos outros) acreditava ser eterna! Ora, nada no mundo é eterno!
Abraços, hã!
JB.

José Teodoro Prata disse...

Não sei quem são os protagonistas desta história de vida (os nomes, só por si, pouco dizem; tenho de perguntar na Vila)), mas foi bom a Libânia ter trazido este assunto, pois completaram-se há pouco 60 anos desde os acontecimentos referidos e eles foram a pedra de toque para o que viria a seguir nas colónias portuguesas de África. Fenómeno aliás comum a todas as colónias europeias em África e na Ásia.
O excelente comentário do José Barroso mata o assunto, não ficando mais nada para acrescentar.

M. L. Ferreira disse...

Não sei se adianta, mas o Alfredo da Silva Lobo é filho do José da Silva Lobo (José Cipriano), um dos militares da G.G. e irmão da Zulmira, a nossa fadista, já falecida. O Alfredo Justino (nome por que era mais conhecido), era da família da Justina (irmão?), que vive perto do forno dos Matias. Também não me lembro dele.
Sobre a dificuldade em falar dos tempos da guerra, penso que é comum à maior parte dos militares que viveram aquele terror. Depois de ter acabado a pesquisa para o livro sobre a Grande Guerra ainda pensei, aproveitando a "embalagem", fazer o mesmo com os militares da Guerra Colonial. Desisti porque, das pessoas que abordei, poucas se mostraram disponíveis para falar daquele tempo. Também achei que, não tendo eu formação adequada, podia estar a agravar os traumas que ainda possam existir.
Um BOM ANO 2022 para todos!