Já
lai vai mais de um ano que o Zé Barroso publicou aqui no blogue um artigo com
as alcunhas usadas na nossa terra. A lista foi sendo completada por vários
colaboradores e, no final, já tinha mais de trezentas.
Uma
das perguntas que se colocou na altura foi o que fazer a seguir. Parece que não
se chegou a nenhum consenso, mas penso que era interessante escrever-se uma
pequena história sobre a origem de cada uma. Algumas são tão óbvias que pouco
há a dizer; outras perderam-se no tempo e já ninguém se lembrará da sua origem;
mas muitas terão por trás episódios interessantes e engraçados.
Acho
que vale a pena tentarmos. Para já, aqui fica a minha colaboração, incluindo
também algumas alcunhas da Partida que acho deliciosas:
O Mil Homens
Quando
andava na escola todos me chamavam a Mil Homens. Eu ficava muito envergonhada
porque achava que era um nome muito feio.
Só
mais tarde é que fiquei a saber a origem daquela alcunha e a partir daí senti
sempre um orgulho muito grande nela: O meu avô andou na Guerra e quando
regressou foi recebido como um herói; mas vinha tão traumatizado que não
conseguia falar noutra coisa que não fosse naquilo que por lá passou. Todas as
conversas iam dar ao mesmo: as muitas tropas do seu batalhão; os muitos homens
nas trincheiras; os muitos mortos pelo chão. Referia-se sempre a eles
utilizando a expressão «Mais de mil homens!» um número que ele, analfabeto,
achava ser o maior para definir todas as atrocidades que por lá viu e
dificuldades que passou. Por causa disto puseram-lhe o Mil Homens e, a partir
daí, toda a família ficou conhecida por essa alcunha, até hoje.
O Quinta Casa
Antigamente
também não havia grandes farturas na Partida, mas quase toda a gente tinha um
bocadinho de terra para tratar uma horta. E havia por cá até algumas casas
ricas, com bons lameiros, olivais, terras de pasto e de pinhal que chegavam
para eles, para vender e davam trabalho a muita gente.
Um
dia o Ti Manuel Lopes pôs-se a deitar contas ao que cada um tinha e, lá para
com os seus botões, ia sentenciando qual era a casa mais rica, e a que vinha a
seguir, e por aí fora até chegar à dele que, pelas suas contas, estava em
quinto lugar. Começou então a gabar-se, para quem o queria ouvir, que a quinta
casa maior da Partida era a dele.
A
partir daí todos começaram a chamar-lhe o Quinta Casa.
O Conde Caniço
Também
tinha muito de seu, o Ti Domingos Nunes. Entre as várias propriedades que
possuía, também era dele o Caniço, uma das melhores terras da Partida. Tinha
tanto orgulho naquela propriedade que não se calava: «O meu Caniço é a melhor
terra que aí há. Nem o conde!».
Tanta
vez repetiu aquilo que começaram a chamar-lhe o Conde Caniço.
O Mata Nosso Senhor
Morava
no Casal, o João Teodoro. Um dia deu-lhe a preguiça e atrasou-se para vir para
a escola. Com medo de apanhar alguma reguada veio o caminho todo a correr até à
Vila. Quando chegou à Praça e viu que já toda a gente tinha entrado, correu
tanto que até parecia que vinham atrás dele.
Nesse
dia o Ti António Mosca andava a podar as olaias e quando o viu naquela pressa,
para brincar com ele, desatou a berrar lá de cima da escada: «Agarrem-no!
Agarrem-no que foi ele que matou o Nosso Senhor!».
O
cachopinho desatou a correr ainda mais e a partir desse dia toda a gente
começou a chamar-lhe o Mata Nosso Senhor.
O Nita
Morreu cedo,
a mulher do Ti Francisco Candeias, e quem lhe valeu para o ajudar a criar os
três filhos, todos ainda crianças, foi a Ti Rita do Manha, tia dos meninos por
parte da mãe.
O João, que
era o do meio, não saía da casa da tia que o tratava como a um filho e ele
também se afeiçoou muito a ela. Mas, como era ainda pequeno e tinha dificuldade
em falar, não conseguia dizer o nome dela e, em vez de Rita, chamava-lhe Nita.
Foi daí que começaram a chamar-lhe o João Nita.
O Caneco
Era ainda
criança e a mãe já o mandava a levar o jantar ao pai quando andava por dia. Uma
vez passou por um homem que viu que ele ia todo derreado com a cesta e disse-lhe
assim:
- Ó cachopo,
olha que tu endireita-me bem a cesta, que ainda entornas o jantar ao teu pai!
- Não entorno
não senhor, que hoje até cá levo um caneco de vinho!
Foi quanto
bastou para começarem a chamar-lhe o Emílio Caneco…
M. L.
Ferreira