Os
nascimentos são porventura os nossos momentos de maior encantamento. Quando era
criança, esses momentos mágicos não eram tanto os nascimentos das minhas irmãs,
cheios de silêncios e segredos, mas os dos pintainhos, porquinhos e chibinhos,
só os gatos não nos davam a liberdade de partilhar com eles o milagre da vida,
eles lá sabiam porquê.
Como
desisti de refazer a minha colónia de periquitos, lembrei-me das ninhadas de
pintos que anualmente a minha mãe tirava das galinhas. A meio do choco,
costumávamos ir de noite à loja, ver a galinha choca que estava num cesto com
palha. Colocávamos cada ovo entre o nosso olho e a luz do candeeiro a petróleo,
para ver se cada ovo estava escuro e por isso com um novo ser ou se continuava
claro e não vingara. Tirávamos estes, para que os outros tivessem mais espaço
para receber o calor da mãe galinha. Depois, no nascimento, ajudávamos os
pintainhos a nascer, tirando pedacinhos da casca dos ovos que já estavam
picados ou até parcialmente abertos. É que às vezes os pintainhos não
conseguiam quebrar as cascas tão duras. Ou seria a nossa vontade de participar.
Decidi
criar galináceos, pois a gaiola é suficientemente grande para isso. Mas não
para galinhas, só cocós. A minha mãe tinha na Tapada um casal e pedi-lho
emprestado, só para tirar uma ninhada. Ela disse-me que não eram dela, mas da São.
No
dia em que os fui buscar, a minha mãe estava de molho, em casa. Ficámos a
conversar.
Esta noite, como
sabia que vinhas cá, fartei-me de pensar nos cocós. Quem mos deu foi a tia
Maria José. Pedi-lhe para me vender a cocó, mas ela respondeu que “Quem levar a
mãe, leva o filho.” E contou-me uma história com este dito.
Um dia, um homem
encontrou uma galinha de ouro e a seguir o filho dela, também de ouro. Foi
oferecê-los ao rei que morava em Monsanto. Ele ficou tão contente que disse ao
homem que lhe pedisse o que ele quisesse, como paga. Então o homem indicou
todos os campos que se avistavam do alto do monte e disse ao rei que queira
todas aquelas terras e ele deu-lhas. O homem ficou a viver das rendas dos camponeses
que trabalhavam nessas terras.
A tia Maria José
deu-me o casal de cocós. Tiraram a primeira ninhada na altura em que a burra me
partiu o nariz com um coice. Quando soube que ficava internada no hospital,
mandei recado à tua irmã Fátima, para ir à Tapada buscar a cocó e os ovos, pois
estavam quase para nascer. Depois dei um casal à tia Stela. E vê lá tu: nós
acabámos com eles, mas os teus tios não. Por isso o João deu agora um casal à
São. Ainda são dos mesmos que a tia Maria José me deu!
A
minha casa anda num desassossego. O macho é imperial, de cores avermelhadas, com
esporas nas patas que parecem dentes de javali! Canta todo o dia, sobretudo de
manhã, e não sai de junto da fêmea, sempre que ela passa pela penosa tarefa de
pôr o ovo quase diário. Ela é fraca ave, mas os ovos são enormes, parecem de
galinha. Não os tiro do ninho, para lhe despertar o instinto da maternidade.
Muito
me engano ou qualquer dia dou-vos notícias, e imagens, do choco e da ninhada de
cocós pequeninos.
José Teodoro
Prata