Andava o deus Pã apascentando seus rebanhos na
campanha de Trans Serre, tocando com sua flauta mágica músicas campestres. Impulsivo,
lascivo, sua cabeça cornuda, barbicha hirsuta e patas de bode percorria montes
e vales. À medida que guardava o seu rebanho, cantava e tocava. O Eco
imitava-o, ele ficava danado e continuava a tocar músicas simples do campo.
De vez em quando, corria em perseguição de uma ninfa
ou pastora, pudera; lascivo e folgazão como ele era!
Algumas ninfas não iam na sua conversa, nem se
deixavam cativar pelas músicas campestres.
Foi o caso da Siringe que se transformou numa cana por
não ter cedido ao seu apetite sexual. Aproveitou-a e fez com ela uma flauta que
o passou a acompanhar para todo o lado, desta maneira tinha sempre a sua amada
nos lábios.
Certo dia, tendo-se afastado um pouco mais das
pastagens habituais “embora andasse por todo o lado”, foi dar a uma pequena
aldeia moura, teve sede, dirigiu-se à Fonte da Portela para se saciar.
Quando chegou, estava enchendo sua bilha uma linda
moura; faces rosadas, olhos pretos brilhantes como o sol, sorriso arrebatador.
Lascivo, luxurioso como sempre foi, não se conteve e
agarrou a linda moura. Ela esbracejou, gritou, por fim conseguiu libertar-se
das manápulas de Pã e fugiu em direcção à sua cabana.
Com seus pés de cabra, Pã lançou-se numa correria
desenfreada para apanhar a linda moça.
Já não estava muito longe de casa, mas, ao olhar para
trás, não teve dúvida nenhuma, estava prestes a ser agarrada.
Gritou com todas as forças, mas ninguém apareceu. A solução foi transformar-se
numa cobra que por sua vez se metamorfoseou.
Desde essa altura a moura continua enfeitiçada,
transformada numa pedra à espera que alguém a desencante.
Cuidado, ela é enganadora. Pela manhã mostra melhor a sua
bocarra, nem todos os locais em seu redor servem para a admirar. É preciso
saber escolher o sítio para que se deixe ver.
Quem sabe se numa manhã de São João algum príncipe afagando
o penedo não a desencante!
J.M.S