No meu tempo era a rapaziada que ia dar o nome nesse
ano que se ocupava da fogueira. Pediam a quem tinha oliveiras, ou castanheiros,
ou pinheiros velhos, e aos domingos de manhã iam cortá-los e acarretá-los para
a Praça. E quando não tinham lenha que chegasse para armar uma fogueira como é
dado, iam de noite roubá-la onde quer que a houvesse.
Foi o que aconteceu no meu ano. Chegou-se quase às
vésperas do dia de Natal e o monte de lenha não era grande coisa. Já andavam
até a murmurar que a fogueira ia ser fraca. E nós cheios de vergonha! Reunimo-nos
todos e resolvemos que nessa noite havíamos de arranjar mais uma carrada de
lenha, desse lá para onde desse. Um deles disse logo que na Devesa havia muita.
O pior era arranjar um carro de bois, assim, à última da hora. Eu, que não era
homem para me atrapalhar, disse logo:
- Deixai estar que do transporte trato eu. Ide lá para
a frente que já lá vou a ter convosco.
Fui ao palheiro do pai da minha cachopa, peguei na
junta de bois, aparelhei-a ao carro e fui ter com eles.
Arranjámos uma carrada tão grande de oliveiras e
pinheiros que as vacas viram-se negras para subir a barreira. Mas o pior foi
quando estávamos a descarregar; não sei como é que foi, o carro virou-se e o
tiro partiu-se.
Àquela hora da noite estava tudo a dormir e não
tínhamos ninguém que nos valesse. Não tive outro remédio que esperar pela manhã
e ir a casa do ti Guilhermino e contar-lhe o sucedido. Ele até ficou amarelo e
ainda quis, a modos, que ralhar comigo; mas a Ti Mari Zé voltou-se para ele e disse-lhe
logo:
- Já não te alembras das partidas que fazias quando
eras novo, pois não? E os teus filhos? Olha que também pregam das boas…
Doutra vez, já estava casado, saímos da Missa do Galo
e fiquei eu, o meu sogro e o meu cunhado João à roda da fogueira. Às tantas, o
velho começa a provocar:
- Esta rapaziada d’agora não tem planta nenhuma. Havia
de ser no meu tempo e as galinhas e chouriças que já estavam a assar. Até a
gente se lembia só com o cheiro!
E nunca mais se calava com aquilo. Tanto arrazoou que
o meu cunhado puxa-me por um braço e diz-me assim:
-
Anda cá que a gente já o chapa.
Fomos os dois ao capoeiro onde ele tinha as galinhas e
pegámos na primeira que nos veio à mão. Metemos-lhe a cabeça debaixo da asa, e
fomos direitos à taberna da Viúva, com ela debaixo do casaco. No fim, já
assadinha, chamámos o Ti Guilhermino e foi comer e beber até às tantas. Até lhe
lambemos os beiços.
Ao outro dia é que foram elas! A minha sogra tinha ido
dar de comer à criação e deu por falta da galinha mais gorda e que mais ovos
punha. Contou-o ao homem e ele viu logo quem tinha sido.
- Deixai estar, meus malandros, que haveis de ma pagar
bem paga!
E a Ti Mari Zé:
- Não fazei caso do que ele diz, que no tempo dele até
cabritos chegou a roubar!
Ontem fui à Vila, passei pela Praça e vi que a
fogueira já está composta. Mas achei estranhos aqueles madeiros, tão diferentes
dos de antigamente. Disseram-me que eram das árvores da Estrada Nova que tinham
andado a cortar, a torto e a direito…
Haveria necessidade?
M. L. Ferreira