É o lugar mais conhecido do Casal (quando mo perguntam e digo que moro em frente da taberna da Amália, ficam logo a saber onde é a minha casa), mas a fama já vem do tempo do pai, quando ainda era a do Marcelino, com outro ar e outra freguesia.
Atualmente é ponto de encontro, quase
só de mulheres, para um café e dois dedos de conversa; nas tardes de verão há
quem se demore na esplanada a beber um cai-bem,
refresco feito com uma mistura de refrigerante gasoso e xarope de groselha,
receita caseira. Mas isto são coisas dos tempos modernos, que, há pouco mais de
cinquenta anos, nenhuma mulher se atrevia a entrar na taberna, mesmo que fosse
para ir chamar o homem, esquecido a matar a sede depois de uma tarde de domingo
a jogar à malha. Por isso mandavam os filhos, se já se fazia tarde para a ceia,
que às vezes também eram encorridos para casa, apenas pelo apontar de um dedo e
o olhar esbugalhados de quem quer afirmar a autoridade do chefe da família. Eles
iam ficando sempre mais um pouco…
Mas havia o Ti Miguel Jerolme, um andarilho toda a vida, sempre
de um lado para ao outro à procura das melhores rezes para criar ou vender a
quem lhas rogasse nos mercados e nos talhos. Era uma paz d’alma, amigo de toda
a gente; também do Ti Marcelino, quase da mesma criação.
Quando deixou de andar por lá, no
negócio do gado, era raro o dia em que não aparecesse no Casal, quem sabe se
num chamamento do coração ao ninho onde se criou, ali a dois passos, e ficava
até se fazer noite, entremeando a conversa com mais um copinho. Vendo-o magrito,
não fosse o vinho cair-lhe na fraqueza, a Tia Trindade oferecia-lhe muitas
vezes uma bucha, quase sempre um bocado de pão com uma mancheia de azeitonas ou
uma talhada de queijo, e ele não dizia que não.
Quando começava a passar da hora, ia-lhe
dizendo: «É melhor ir andando, Ti Meguel, que se faz tarde e a sua mulher já
deve estar ralada…». Mas ele nunca tinha pressa de abalar: «Já vou…», e ia-se
deixando ficar, sentado num dos bancos corridos encostados à parede. Até que,
já noite escura, aparecia a Tia Laurentina com a lanterna na mão, e parecia ele
que via Deus: levantava-se logo, com a alegria de uma criança confiante na mãe
e, com o equilíbrio possível, caminhava atrás dela, pela vereda que os levava até
casa, no outro lado do ribeiro. E era assim, muitos dias…
Após a morte da Tia Laurentina, foi a
Chão, a última das filhas em casa, que, com a mesma dedicação e amor da mulher,
lhe serviu de estrela, alumiando-lhe as noites escuras no regresso, desde o
Casal da Fraga da sua infância, até ao Casalito onde se tinham criado os dez filhos que Deus lhes deu.
O Casal do Baraçal, já tão diferente, visto do Casal da Fraga (apenas as casas em primeiro plano, ao fundo é já a Devesa)
Nota: O senhor Miguel Jerónimo nasceu no Casal da Fraga, em 1905, numa casa duma travessa da rua de Santa Bárbara, uma das mais antigas do Casal, que ainda é habitada. Era filho de António Jerónimo Lopes, já aqui nascido, e de Maria Josefa, natural dos Pereiros. Teve oito irmãos. À exceção de uma irmã, todos se criaram, casaram e terão tido filhos. Do casamento com a senhora Laurentina Hipólito teve dez filhos, todos criados até à idade adulta, e só o Padre Zé e a Conceição (Chão) não deixam descendência. Será, por isso, uma das famílias com mais parentes em São Vicente. Faleceu em 1 de junho de 1981, poucos anos depois da mulher.
ML Ferreira