sexta-feira, 14 de maio de 2010

Carta do Brasil

Chamava-se Tiago, o forasteiro do capítulo do livro Adeus Aldeia, publicado a 7 de Maio, com o título O Hortas. Isto no romance, pois na realidade era o pai da autora (Maria de Lourdes Hortas), de seu nome Manuel Joaquim Hortas.
Chegou a S. Vicente da Beira, viu, venceu e emigrou.
A chegada, já a conhecemos, pela recriação de sua filha.
Viu a loja, a farmácia, e comprou-a. Também arrendou a casa número 15 da Rua do Convento, onde lhe nasceram as duas meninas.
A farmácia dava-lhe para viver sem privações e amigos não lhe faltavam. Inseriu-se bem na vida local e até se gabava de ser o político-mor.
Mas o senhor Eduardo Cardoso relembrou-lhe o Brasil que lhe levara o pai na infância. Então partiu também, num ajuste de contas com o destino.
De lá, escreveu ao senhor Ernesto José Hipólito, Digno Alfaiate, como o intitulou no endereço do envelope, e seu amigo.
A carta que a seguir se reproduz foi-me facultada pelo Ernesto Hipólito, filho, e é um óptimo retrato de alguns aspectos da nossa terra, em meados do século XIX.
Está escrita à máquina, em papel vegetal. Os parágrafos são da minha responsabilidade, para facilitar a leitura. Também se acrescenta, entre parêntesis, a correcção de dois verbos, para uma melhor compreensão.
Se preferirem ler no original, clicar na imagem que se segue.




Recife, 9 de Janeiro de 1951

Meu caro Ernesto

Desejo que te encontres bem de saúde e bem assim todos os teus, nós vamos bem graças a Deus. Como prometi cá estou dando as minhas noticias e tambem sabendo como tens passado e ao mesmo tempo aproveito para te pedir para escreveres para o Fundão para que considerem o Senhor Eduardo Cardoso assinante do Jornal e como tambem me podes considerar a mim os pagamentos seram(serão) feitos tanto do meu como o do Senhor Eduardo pelo meu sogro a quem deves dar conhecimento deste meu pedido.
Então já conseguistes fundar um club de Futeból? Venho diserte que se tu conseguires um campo bom não o que existe podes contar com a fundação do club, pois daqui te mandaram(mandarão), calções, bolas, camisolas e botas mas não para jugar num campo como esse cheio de pedras.
Tens vendido muita tinta, pelo que sei tu tens tirado a freguesia da farmácia, por isso tens que deixar essa industria de tintureiro de contrario a Farmacia não vinga. Soube por alguém que já foi feito um apelo na Igreja para que ajudem a Farmacia; eu lembrava uma sugestão: Entrega-la ao Senhor Santo Cristo e talvez assim ela possa funcionar elegalmente, visto que enquanto esteve elegal não foi preciso faser apelos, legalisaram-na estragaran-na (é como diz o outro, limpastes estragas-tes) mas não compriendo como esteja a fazer pouco negocio como sabes ela na minha mão ia dando pois eu vivi ai 6 anos só da farmácia e como todos sabem eu vivia bem.
Tambem soube que o Guarda Rios comprou um carro fiquei satisfeito em saber que está progredindo, peço-te que escrevas e digas alguma coisa destas coisas, como deves compriender quem está longe da Patria gosta de saber noticias.
Junta, sempre a mesma para variar, Hospital bem entregue e por isso sinto satisfação. Como vai o Nosso João Ribeiro, João Lino, Arrebótes e todos esses amigos, escreve carta grande não tenhas preguiça.
Minhas garotas falam muito em ti e pedem para enviar vesitas, assim como minha mulher se recomenda para todos.
Sabes se já receberam ai uma maquina que os Senhores Cardosos ofereceram ao Hospital? Procura ao Senhor João Lino ou Joaquim Ribeiro e que acusem a recepção, já á muito que se encontra em Lisboa em casa de D. Isaura.
Tua caspa desapareceu? usa o remédio por que é barato.
Eu estou satisfeito em ter saído dai, isto por aqui são outras terras, pelo menos não á ditos e o calor tambem se soporta bem eu pouco estranhei e mesmo nada, e espero se Deus me der sorte e saúde voltar um dia para o nosso S. Vicente, voltando a ser ai o pulitico mór esto se não mudar de edeias.
O Senhor João Lino já tem o carro na praça? Oxalá que sim.
Peço-te o favor de apresentares cumprimentos a todos esses amigos e tambem a tua mãe teu sogro, teu avô tua esposa e a quem por nós procurar e tu recebe um grande abraço do que fica ao teu inteiro dispor e amigo certo.

Manuel Joaquim Hortas

Rua da Conceição nº 59 – Recife – Pernambuco - Brazil


quinta-feira, 13 de maio de 2010

Centenário da Filarmónica


No próximo domingo, dia 16 de Maio, a nossa Banda Filarmónica faz cem anos.
Vai haver festa rija!
Programa:
- Almoço volante para toda a comunidade, na Casa do Povo.
- Concerto de bandas, na Praça, a meio da tarde.
- Exposição de testemunhos deste cem anos: fardas, instrumentos, fotografias...
Que venham mais cem!

Nota: A foto é do José Manuel dos Santos e foi publicada no livro "Uma vida em construção - Homenagem ao Padre António Branco".

sábado, 8 de maio de 2010

Tó Zé

Era um adolescente aloirado e irrequieto, diferente dos outros, aquele Tó Zé dos anos quentes depois de Abril.
Falava-me das conversas que tivera, ainda menino, com os padres da sua paróquia, nos arredores de Luanda. Não fora a descolonização e talvez tivesse seguido o sacerdócio. Daí e de tanto mundo que vivera de África a Portugal lhe vinham os horizontes largos que o tornavam tão especial, nesta vila serrana.
Um dia apresentou-se-me como simpatizante do meu partido e passámos a partilhar conversas e actividades culturais. Havia um congresso em Lisboa, mas eu recusei-lhe a participação, por achar que ele não tinha idade para tais andanças. Ele arranjou autorização junto de quem mandava e foi. É difícil delimitar os horizontes de um adolescente, mas no Tó Zé isso era tarefa quase impossível.
Anos mais tarde, quando fui membro da Assembleia de Freguesia, pela APU, era já ele que tutelava a minha actividade.
Depois mudou-se para o litoral norte e tornou-se defensor e representante dos homens que lavram o mar à cata de peixe. Sempre que havia uma luta de pescadores, fosse em Aveiro ou Caminha, lá estava ele, barba e cabelo arruivados, boina na cabeça, a advogar para as câmaras a razão dos pescadores.
Era marinheiro de água doce a comandar a nau dos lobos do mar. Lembrava-me o Constantino guardador de vacas e de sonhos, essa versão portuguesa do D. Quixote castelhano.
Nem sempre estava de acordo com ele, sobretudo quando criticava a proibição de pesca com redes de malha muito apertada. Mas o meu pai dizia muitas vezes que devemos estar sempre do lado do trabalhador e por isso eu sabia que ele estava do lado certo.
Faleceu ontem e vai hoje a sepultar, em Ovar, após prolongada doença.
Honra ao António José Macedo!



Numa breve busca pela internet, encontrei notícias sobre o seu falecimento, duas no site da Rádio Terra Nova (http://www.terranova.pt/index.php?idNoticia=3483)...

PCP lamenta falecimento de António José Macedo.Aveiro 2010-05-07 14:16:17
O PCP lamenta o falecimento de António José Macedo e lembra que era militante comunista desde os quatorze anos, tendo sido eleito para a Direcção Nacional da JCP em 1980. Foi membro da Direcção da Organização Regional de Aveiro do PCP desde 1986, tendo ao longo destes anos assumido as mais diversas e importantes responsabilidades.
Foi membro do Executivo da Direcção Regional, candidato do PCP nas listas eleitorais ao Parlamento Europeu, à Assembleia da República e a diversos órgãos autárquicos de Ovar onde residia e onde, ainda em 2009, foi cabeça de lista da CDU à Câmara Municipal. Foi também membro da Comissão Nacional de Pescas junto do Comité Central do Partido.


O deputado do PSD, Ulisses Pereira, junta-se aos elogios à figura de António José Macedo e diz que o sector das pescas “ficou hoje muito mais pobre pelo desaparecimento de um sindicalista de referência, de um pescador que sabia que os caminhos do futuro passavam pelo diálogo e pela concertação social”. Ulisses Pereira afirma que AJM fará falta no processo de “discutir uma nova Política Comum de Pescas”.

...e uma no site da OvarNews (http://www.ovarnews.com/2/index.php?)

Faleceu António Macedo, militante do PCP e cabeça-de-lista da CDU à Câmara Municipal de Ovar nas últimas eleições autárquicas, faleceu esta manhã vítima de cancro.
António José Macedo nasceu em 1964 e era militante comunista desde os quatorze anos, tendo sido eleito para a Direcção Nacional da JCP em 1980.
No quadro da JCP teve tarefas de grande responsabilidade nos distritos de Castelo Branco, de onde é originária a sua família, da Guarda e de Aveiro – assumindo neste distrito, onde passou a viver em 1986, a responsabilidade da Organização Regional da Juventude Comunista Portuguesa.
(...)
Envolveu-se totalmente na vida, nas aspirações e nas lutas dos pescadores. Era pescador e destacado dirigente do Sindicato dos Pescadores do Norte, da Federação das Pescas, da União dos Sindicatos de Aveiro e do Concelho Nacional da CGTP-IN.
Nesta qualidade desempenhou importantes tarefas institucionais em diversas comissões da União Europeia. E ainda recentemente assumiu também responsabilidades na Associação dos amigos da Ria de Aveiro e do Barco Moliceiro.
(...)
António José Macedo faleceu. Era um daqueles homens que lutaram toda a vida em defesa dos trabalhadores e do povo em defesa das causas e dos ideais do seu Partido, pela paz, pelo Socialismo e pelo Comunismo. Um daqueles homens de quem Brecht dizia serem “os imprescindíveis”.
Os comunistas do Distrito de Aveiro associam-se ao sentimento de pesar da sua companheira, dos seus filhos e da sua família, a quem expressam toda a sua solidariedade.
O corpo de António José Macedo encontra-se hoje, a partir das 15 horas em câmara ardente na Capela de S. Pedro em Ovar e o funeral terá lugar amanhã às 15h30 para o cemitério de Ovar.
À família enlutada, o "OvarNews" endereça sentidos pêsames.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O Hortas

«Uns poucos casebres dispersos. Uma quinta. Depois as hortas. Mais para longe, os campos de oliveiras. Então, um velho moinho d´água e, logo a seguir, o monumento com escadas diante do cemitério.
A uma velhinha que passava o viajante interroga. E ela diz-lhe:
- Continue por esta estrada, e desça até à esquina. Verá daí uma praça, e nela uma taberna. Pergunte que hão-de informá-lo.
Pela estrada foi e ei-lo dentro da povoação, com suas ruas de pedras reboludas, ruas estreitas, de antigas casas, muitas delas arruinadas.
E logo se viu na dita praça. Com um pelourinho de vila, coluna de granito, encimada por símbolos misteriosos, pássaros e barcas, sabe deus de quê, que mistério e que tempo ali inscritos.
Guiou o cavalo a passo lento e parou em frente à porta onde alguns aldeões se encostavam, logo a olharem para ele de esguelha da forma que se olham os forasteiros. Apeado, foi prender a montaria à argola de ferro, ali como em outros lugares, com a finalidade referida. Deu os bons dias a todos e, entre dentes, os nativos deram-lhe troco na mesma moeda, porém com muito menos entusiasmo.
Entrou. O taberneiro aguardava. Repetiu a saudação:
- Bons dias, ponha aí um copo, tio, que o tempo não está para brincadeiras.
O taberneiro investigou-o com olhar desconfiado e aproximou-lhe a caneca, no balcão.
Depois, no silêncio, uma cabra baliu, pondo a cabeça para dentro da venda. Um pastor aproximou-se:
- Então, o amigo parece vir de longe…
Seguindo-lhe o exemplo, os demais fregueses se aproximaram sem cerimónia, para conferir se o velho Estêvão estava com a razão.
Tiago tomou o seu trago de vinho e olhou tranquilamente a assistência à sua volta. Viajante calejado, sabia que aquela era a primeira pergunta do inquérito a que o submeteriam. Respondeu:
- Se venho de longe? Bom, isso depende o que se chama longe. A verdade é que meu modo de vida é viajar, e por isso, para mim, talvez as distâncias pareçam mais curtas.
Não era mal encarado o peregrino. Antes pelo contrário. A fisionomia do dono da casa aligeirou-se num cordial sorriso:
- Mas o amigo tem cá família? Ou veio em negócios?
Tiago procurou no bolso os apetrechos de fumar, começando então a embrulhar um cigarro:
- Família? Não, não tenho.
Na primeira bofarada acrescentou:
- Mas talvez vossemecê me possa ajudar: como poderei encontrar, aqui em São Joaquim da Serra, os herdeiros de uma loja de comércio que anunciaram para venda, num jornal?»

O forasteiro fez negócio e, recém-casado, mudou-se para a nova terra. Ali lhe nasceram as duas filhas, Maria Daniel e Maria de Lourdes.
Foi esta que assim reconstituiu, em Adeus Aldeia, o primeiro contacto do seu pai com São Vicente da Beira.

Maria de Lourdes Hortas, Adeus Aldeia, Sólivros de Portugal, Trofa, 1990

domingo, 2 de maio de 2010

Feira de Gastronomia e Artesanato



A Junta de Freguesia de S. Vicente da Beira promove, nos próximos dias 11, 12 e 13 de Junho, a I Feira de Gastronomia e Artesanato da nossa freguesia.
Cabe-me, entre outras coisas, organizar e guiar um percurso pedestre por alguns dos locais mais ricos do nosso património cultural. Será no dia 13, domingo, pela manhã.
Ontem, comecei a preparar a visita. Andei pelas cercanias da Azenha Nova, mas nem consegui chegar ao Pelome: além do caminho cortado, desertificação humana e erva, muita erva florida. Tirei fotografias, mas não trouxe o melhor, um concerto celestial de um casal de rouxinóis e outra passarada.
Deixo-vos as fotos, que para mais não deu o engenho e a arte.


Já ninguém passa para a casa, mas o lilás não se importa.


Forno com sol à espreita.


A porta que guardava o calor de cozer o pão.


Esta mesa carregou cada tabuleirada de pão! Deixemo-la descansar.


A levada aguarda por dias mais quentes.


O moleiro já cá não vem.


A Natureza assenhora-se do que nunca deixou de ser seu.


Passagem aberta na rocha: o engenho do povo.

Deprimente? Se tivessem ouvido a sinfonia da passarada...

sexta-feira, 30 de abril de 2010

A ponte de Alcântara


Volto sempre à ponte romana de Alcântara, passagem para a capital da Lusitânia, Emerita Augusta (Mérida), situada nas margens do rio Guadiana, a pouco mais de meia centena de quilómetros de Badajoz e Elvas.
Mas por aqui faço a viagem de regresso. Na ida, é obrigatória a passagem por esta extraordinária obra de engenharia que maravilhou o Mundo Antigo.
A ponte romana de Alcântara situa-se a escassos quilómetros da fronteira de Segura, no concelho de Idanha-a-Nova. Foi erguida, no ano de 106, a fim de facilitar a travessia do Tejo, ligando a via romana que de Mérida e Cáceres seguia para norte, com a via que depois levava até Conímbriga, Viseu e Braga, por Idanha-a-Velha, Belmonte, Valhelhas…
A ponte foi construída no tempo do Imperador Trajano, por Caio Julio Lacer. Tem 194 metros de comprimento, 61 de altura e 8 de largura.
Na época árabe (após 711 até à Reconquista Cristã) a ponte deu nome à povoação que nasceu junto dela, pois, em árabe, “a ponte” diz-se al-quantarat (Alcântara).
A ponte romana de Alcântara diz-nos respeito, porque foram os povos, os municípios, das duas margens do rio que pagaram a sua construção, logo, os nossos antepassados de há cerca de 1900 anos.
Chamávamo-nos, na altura, Lancienses, segundo uns, Tapori, segundo outros investigadores. Talvez os Tapori fossem um subgrupo dos Lancienses. A nossa capital de então é ainda desconhecida.




Pormenor da inscrição, em pedra mármore, no arco do triunfo, à esquerda, com os nomes dos municípios que pagaram a ponte. Em primeiro, na sexta linha, vêm os Igaetani (Idanha-a-Nova).

Deixo-vos com a divisão dos povos da Lusitânia, segundo Jorge de Alarcão, na sua obra Novas perspectivas sobre os Lusitanos (e outros mundos), publicada pela Revista Portuguesa de Arqueologia, volume 4, número 2.2001.
Mas está on-line, no site http://www.apocalipse.us/forum/index.php?topic=895.0;wap2
A parte referente aos habitantes desta zona vem no final do trecho citado.

«Já em diversas ocasiões considerámos as posições geográficas e limites destas civitates (com excepção da dos Elbocori), civitates que possivelmente mantiveram, e sem grande alteração, na época romana, as fronteiras entre populi proto-históricos (Alarcão, 1990a, ultrapassado por Alarcão e Imperial, 1996 e Alarcão, 1998). Vamos manter essas fronteiras, com algumas correcções derivadas de mais atento exame do quadro oro-hidrográfico.
Referiremos, em primeiro lugar, que a proposta de situar os Lancienses Transcudani na margem esquerda do Côa, apresentada por muitos autores, assenta na ideia de que o Côa se chamava Cuda. Fernando Curado (1988-94, p. 216) observou já que o nome antigo do rio seria Cola, ainda atestado na época medieval. J. P. Machado (1993, voc. Côa) considerou Cola dos documentos medievais como um falso latinismo mas não cremos, neste particular, que o autor tenha razão.
Situados no planalto da Guarda/Sabugal, os Lancienses Transcudani viriam até ao rebordo desse planalto ou, mais concretamente, até às alturas de Cabeço das Fráguas (1018 m), S. Cornélio (1008 m) e Mosteiro (939 m), três elevações que se observam na paisagem a muitos quilómetros de distância. A sul, o limite passaria pela serra da Malcata (que, aliás, poderia ter sido a Cuda romana, nome não atestado literária nem epigraficamente mas pressuposto pela própria designação de Transcudani).
A norte, os Lancienses Transcudani confrontavam com Aravi e Cobelci, embora não possamos propor uma linha muito provável (vid. todavia Alarcão, 1998, onde se traça essa fronteira).
É também incerta a raia oriental, bem como a localização da capital desta civitas, capital que poderá corresponder à Tutela do Parochiale suévico.
Na Cova da Beira ficariam os Ocelenses Lancienses, cuja capital também permanece, por enquanto, desconhecida, já que as escavações de Terlamonte, sítio proposto por nós como provável sede administrativa, não revelaram núcleo urbano.
É muito possível que o vale da ribeira de Meimoa integrasse ainda os Ocelenses Lancienses, cujo limite meridional poderia correr, de nascente para poente, pelos actuais marcos geodésicos de Santa Marta (804 m), Cabeça Gorda (525 m), Ferreira (578 m) e Enxames (604 m). Entre os dois últimos há uma passagem por onde corre a ribeira de Taveiró e, hoje, a estrada n.º 346 de Penamacor a Capinha. Na área dessa passagem, numerosos topónimos em que entra a palavra "vale" sublinham o seu carácter afundado. Vale das Ovelhas poderá referir-se a rota de transumância para as campinas de Idanha.
Em Salvador, um terminus augustalis entre Igaeditani e Lancienses Oppidani, CIL II 460, permite situar estes últimos para além da serra de Penha Garcia. Por ficarem sediados maioritariamente em território hoje espanhol, consideraremos os limites dos Lancienses Oppidani mais adiante. Diremos aqui apenas que, ao contrário do que já propusemos, não nos parece que Penamacor tenha sido o lugar da capital destes Lancienses (Alarcão, 1998, p. 149).
O topónimo Penamacor não derivará de Pena+Macur ou Macurium? Pena é topónimo medieval comum. Macur ou Macurium conteria uma raiz Mac- ou Mag- e uma componente -ur-, que surge em Verurium e Elbocoris. A raiz Mac- ou Mag-, também observável na Beira central, onde se situariam os Magareaicoi (Vaz, 1997, p. 188), encontra-se no suposto território dos Ocelenses Lancienses, donde temos menção de um Silo, Angeiti filius, Maguacum (Alarcão, 1993, p. 37). Pelas imediações do local onde foi encontrada a inscrição que regista este Silo corre a ribeira de Mogo. A alternância o/a verifica-se em época romana, como se prova pelo nome de Copori, que Ptolemeu chama Capori, e em português medieval, porque o nome de Penamacor também aparece grafado Penamocor (Machado, 1993, voc. Penamacor).
Se esta proposta de etimologia for correcta, Penamacor, chamada Macur ou Macurium, não pode ter sido capital dos Lancienses Oppidani, visto que esta se chamava Lancia Oppidana. Penamacor seria apenas vicus ou castellum, aliás possivelmente importante, no limite entre Oppidani e Ocelenses.
A sul da serra da Gardunha ficavam os Tapori, que confinavam com os Igaeditani. Propusemos, em trabalho anterior (Alarcão e Imperial, 1996, p. 42), uma fronteira entre estas duas civitates correndo pela ribeira de Alpreade até à sua confluência com o Ponsul e descendo depois por este rio até ao Tejo. Não podemos, hoje, deixar de perguntar-nos se a fronteira entre Igaeditani e Tapori não poderia coincidir com a extrema oriental da enorme herdade da Cardosa, doada aos Templários, em 1214, por D. Afonso II (documento publicado por Cardoso, 1940, p. 27-29).
Infelizmente, não conseguimos localizar os topónimos que no documento de 1214 se citam entre o Tejo (talvez não longe da sua confluência com o Salor, rio da sua margem esquerda, em território espanhol) e Escalos (não importa se o documento se refere a Escalos de Cima ou de Baixo, dada a proximidade a que se encontram as duas povoações). Podemos, todavia, com alguma verosimilhança, fazer passar a extrema da herdade pela actual freguesia do Ladoeiro e pela Ponte da Munheca, onde se encontra, numa gravura possivelmente proto-histórica, uma cruz demarcatória, talvez feita por ordem de Rodrigues Mendes e Mendo Anaia, com outros bonis hominjbus, encarregados, segundo o documento de 1214, de assinalarem a extrema per petras et per signos (Figs. 4 e 5). Neste caso, a fronteira entre Tapori e Igaeditani, que voltaremos a discutir mais adiante, seria um limite artificial, não coincidente com linha orográfica ou hidrográfica.
A localização dos Tapori na área de Castelo Branco parece-nos suficientemente credível. Talvez a cidade de Verurium, citada por Ptolemeu, tenha sido a sua capital.»


Templo romano em honra do arquitecto da ponte Caio Julio Lacer, que ali foi sepultado. Após a conversão dos romanos ao Cristianismo, o templo foi dedicado a S. Julião.

domingo, 25 de abril de 2010

Em Abril, lutas mil

Era uma vez um povo que labutava de sol a sol, para garantir o pão de cada dia. A sabedoria das suas coisas simples condensava-a nos provérbios que fazia:

Em Abril, águas mil.
Em Abril, salga o teu olivil.
Abril frio e molhado, enche o celeiro e farta o gado.
Abril molhado, sete vezes trovejado.


Uma vida simples, sem ambições e de horizontes estreitos.

Bendita seja a miséria, porque faz o povo humilde.
(Cardeal Cerejeira)


Mas os poetas vêem as coisas noutra perspectiva.

Habito o sol dentro de ti
descubro a terra aprendo o mar
rio acima rio abaixo vou remando
por esse Tejo aberto no teu corpo.

E sou metade camponês metade marinheiro
apascento meus sonhos iço as velas
sobre o teu corpo que de certo modo
é um país marítimo com árvores no meio.

Tu és meu vinho. Tu és meu pão.
Guitarra e fruta. Melodia.
A mesma melodia destas noites
enlouquecidas pela brisa no País de Abril.
...
(“A Rapariga do País de Abril”, Manuel Alegre)


E semearam a inquietação:

Menina dos olhos tristes
o que tanto a faz chorar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar


ou

Eles comem tudo
eles comem tudo
eles comem tudo
e não deixam nada


ou

Grândola, vila morena
terra da fraternidade
o povo é quem mais ordena
dentro de ti, ó cidade
(José Afonso)


E no dia 25, até o poeta se comoveu ante a realização do sonho.

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
(Sophia de Mello Breyner Andresen)


Depois, o povo fez desse dia 25 de Abril um marco divisório, entre um antes...

O tempo da fome
O tempo da outra senhora
Um tempo dum filho da p…


...e o depois:
o direito ao voto para todos,
melhores salários,
mais educação,
melhor saúde...