terça-feira, 7 de abril de 2020

Temos a festa estragada!


Os tempos vão de chuva, que só passará lá para quarta-feira depois da Páscoa. Não vale a pena metermo-nos ao caminho, pois as celebrações foram todas adiadas. Até porque o piso das estradas está escorregadio e não há melhor andar do que em casa estar.
Não podemos arriscar a molhar o Ecce Homo ou o Santo Cristo com uma chuvada repentina durante uma das procissões. Noutros anos, por vezes na fuga apressada, quase se tombavam os andores e não podemos perder as nossas preciosidades. Ainda por isso agora que todos os santos estão recuperados e de jajas arranjadinhas.
Este ano não se vai ouvir o grito do Senhor Deus, Misericórdia, rua da Costa acima, para do céu nos vir o socorro de que tanto precisamos. Mas as procissões também já não são o que eram, com homens pelas esquinas, num tempo em que sobravam homens, a bloquear com paus a entrada às mulheres atrasadas pelos afazeres domésticos. Nesse tempo ainda não havia #MeToo e, na Igreja, enquanto há homens não se confessam mulheres.
Por falar em confissão, também já poucos respeitam o hábito de confessar-se pelo menos uma vez por ano, na Semana Santa. Vinham padres a ajudar o senhor Vigário e, em certos dias, passavam-se horas à espera de vez. Agora dizem que se confessam diretamente a Deus, parecem protestantes! Noutros tempos, corriam-se à pedrada.
O sacristão já não dá a volta à Vila a tocar a matraca, acompanhado da muidagem que nos dias anteriores improvisou matracas para o acompanhar nos tempos de luto.
O cordeiro da Páscoa?!! Mas nós somos judeus ou quê? Andámos a denunciar cristãos-novos durante 300 anos e agora queremos imitar a sua Páscoa? Um entrecosto e umas lasquinhas de presunto, mais uns enchidos, isso sim é alimentação de um cristão!
E os tremoços para a festa? Quem consegue encontrar uma saquinha com eles a demolhar num qualquer ribeiro ou mina? Ninguém. E os bolos e os doces? As encostas estão cheias de lenha, mas nos últimos tempos não avistei ninguém a apanhá-la para o forno. Guardaram-se para a última hora? Agora está encharcada. Mas como vamos ficar em casa, fazemo-los o forno elétrico! Nunca experimentámos, mas vale a pena arriscar.
Deixo-vos as receitas dos bolos de páscoa e dos bolos de leite, ambos muito bons. Para matar a saudade da felicidade…

Bolos de leite:
Ingredientes: 1 kg de açúcar, 1 colher pequena de bicabornato(bicarbonato), 1 dúzia de ovos, 1 litro de leite, meio litro de azeite e farinha.
Misturam-se bem o açúcar, os ovos já batidos, o azeite e o leite. Acrescenta-se o bicabornato e vai-se juntando farinha, até a massa ficar boa. Depois, com uma colher de sopa, deitam-se pequenas quantidades de massa nas latas, previamente untadas com azeite. Barra-se cada bolo com gema de ovo batida e polvilha-se com açúcar. Depois vão ao forno pouco aquecido.

Bolos da páscoa
Ingredientes: farinha, 12 ovos, meio quartilho de azeite, canela, 1 copo pequeno de aguardente, 1 litro de soro de leite (pode ser substituído por leite magro) e fermento do padeiro.
Batem-se os ovos e juntam-se o azeite, o soro, a aguardente e a canela. Vai-se acrescentando a farinha com o fermento, amassando sempre, até a massa ficar boa para fintar. Depois de finta, tendem-se os bolos e cozem-se no forno.

Saúde!
José Teodoro Prata

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Esperança (média de ...)


No último programa Prós e Contras, da RTP, o médico Felipe Froes (representante da Ordem dos Médicos para a crise do COVID 19), a propósito de um artigo que publicou e no qual afirmava que as pandemias sempre existiram e modelaram as civilizações, acrescentou uma ideia que parece ser bem verdade: «Nós somos os descendentes dos sobreviventes.» Esta afirmação virá um pouco na linha da teoria da seleção natural das espécies, que, embora nos nossos dias já não tenha o mesmo valor (pelo menos na espécie humana, o avanço da ciências e das tecnologias têm permitido a sobrevivência de grandes precoces e de crianças e adultos com patologias tão graves que não imaginávamos ser possível há cinquenta anos), continua a dar-nos alguma esperança não apenas no aumento de anos de vida, mas sobretudo na qualidade dessa vida.
Tenho andado a passear pelos registos paroquias da nossa freguesia no século XIX, e constatei que no ano de 1874 houve 78 batismo e 84 óbitos, dos quais 48 foram de crianças com menos de 10 anos, e apenas 12 de pessoas com idade superior a 65 anos. Uma parte significativa das crianças já não tinha um ou mais dos avós quando nasciam. Os motivos dos óbitos não estão registadas, mas sabe-se que naquele tempo as principais causas de morte eram as crises agrícolas que provocavam a fome e a pobreza, mas, sobretudo nas crianças, eram também as epidemias: disenteria, bexigas, tosse convulsa, escarlatina, sarampo e outras doenças que o desenvolvimento das vacinas têm vindo a eliminar ou, pelo menos, a tornar quase residuais nos nossos dias, em grande número de países.
Num contexto em que a média de vida era menos de metade da atual, pareceria quase impossível, mas encontrei alguns registos de pessoas que atingiam os oitenta e tal ou mesmo os noventa e alguns anos. O caso desta menina que nasceu no dia 11 de novembro desse ano de 1874, resistiu às epidemias que flagelaram o mundo também por aqueles tempos, e cá faleceu, cem anos depois, permite-nos ter esperança.

Maria Libânia Ferreira

quarta-feira, 1 de abril de 2020

O nosso falar: ganal (ou ganau?)

A minha mulher insistiu comigo para que substituísse a palavra ganal da publicação anterior por ganau.
Eu teimei, porque ela não está dentro do espírito da coisa, mas fiquei na dúvida.
Os dicionários online nada dizem sobre ganal, mas informam que ganau é um piolho, um chato, um conjunto de aves de capoeira ou um conjunto de crianças turbulentas.
E que ganau vem do castelhano ganado, que significa gado, enxame e conjunto de pessoas. Já estamos mais próximos do meu ganal!
Na minha infância, os meus pais sempre se referiram aos nossos animais domésticos como o ganal. Ou diriam ganau e eu percebi ganal? Talvez isso tenha acontecido, com os nossos antepassados, há muitos anos atrás, pois tentem dizer em voz alta as duas palavras e verão que elas de facto soam parecido.
O que me dizem? No nosso falar, é ganau ou ganal?

José Teodoro Prata

sábado, 28 de março de 2020

Primavera

Fui tratar do ganal (abelhas) e encontrei  a Natureza tão linda que não resisti a partilhá-la convosco.

 Giesta grande

 Sargaço

 Mato branco

 Carqueja

 Gladíolo

 Cerejeira
(ao fundo, o casal do David e da Helena)

  
 Malmequer em tremoceiro

 Nem o sabugueiro resistiu a dar um ar da sua graça

José Teodoro Prata

sexta-feira, 20 de março de 2020

Cabeleiras


Há dias fui oferecer os meus préstimos ao Carlos Semedo, programador cultural da Câmara, a propósito do nosso Festival primaveril. 
Falei-lhe das minhas recordações de infância, de ver a Fonte Velha embelezada com vasos de flores e cabeleiras, na festa do São João, data em que nós realizamos este nosso Festival. 
Depois tive dúvidas se seria no São João ou na festa da malta que ia à inspeção militar. Perguntei ao José Barroso que me disse ser a fonte embelezada apenas aquando da inspeção militar. Não lhe falei das cabeleiras!
Tenho recordações muito difusas de ver a Fonte Velha muito bonita, decorada com grandes cabeleiras e vasos de flores. E o meu inconsciente continua a teimar que foi numa festa de São João! Mas então seria a fonte da Praça, de São João de Brito, e não a Fonte Velha!
Terá sido numa data pontual, obra de pessoas virtuosas e engenhocas, como a Menina Isaura e outras?!
Quem me ajuda a aclarar estas recordações?
Mas recordo-me bem de replicar depois as cabeleiras, semeando trigo ou centeio em tigelas da resina que colocava no escuro do forro, junta das pinhas e das batatas. Ficavam parecidas com esta da imagem, embora tenha saído um pouco descabelada (as da fonte da minha infância eram tão perfeitas!).
Esta tradição tem que se lhe diga em termos de ciência, pois é a ausência de luz que dá às hastes do cereal semeado o tom amarelo claro, devido à ausência de clorofila. A ESE de Castelo Branco tem um projeto chamado "Os nossos avós eram cientistas". Penso que as cabeleiras nunca lá foram apresentadas!

José Teodoro Prata

segunda-feira, 16 de março de 2020

Primavera com virose

Estava para vos escrever sobre a alegria de ver, no sábado, um casal de estrangeiros, o David e a Sara(?), ele belga e ela inglesa, a cuidar da horta que compraram ao meu primo João (Baloia), no Ribeiro Dom Bento. Moram no bairro do Hospital até reconstruírem a casa que existe na horta. No contexto do despovoamento deste interior, a sua chegada foi uma lufada de ar fresco, uma esperança de dias melhores.
Também tinha muito para vos dizer sobre a chegada da Primavera à Gardunha. As cerejeiras estão branquinhas, os malmequeres bravos já estão em flor há mais de um mês, alimentando de pólen as abelhas, que aos milhares zumbem de flor em flor, numa azáfama incansável. Há umas flores azuis, de plantas rasteiras em tufos circulares verde-escuro, que reforçam o policromado da paisagem.
O próprio clima ajuda nesta sinfonia da natureza. O mês de fevereiro foi quente e luminoso (o mais quente desde que há medições) e o março vai pelo mesmo caminho. É uma tragédia já anunciada, mas que nos sabe tão bem, alimentando o nosso instinto animal de viver o presente, despreocupados com o passado e o futuro.
Tudo tão bom, mas o raio do Covid-19 está a lixar tudo. Há pouco mais de 100 anos (outono de 1918), os nossos antepassados (os avós dos mais velhos ou os bisavós dos mais novos) sofreram uma outra pandemia, a pneumónica, que nos levou alguns familiares e outros conterrâneos. Tenhamos esperança que daqui a uns tempos nos possamos reencontrar todos na nossa Praça!

José Teodoro Prata

terça-feira, 10 de março de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra


António Mendes
António Mendes nasceu no Mourelo, a 2 de maio de 1894. Era filho de António Chamiça e Joaquina Mendes, jornaleira.
Tinha a profissão de jornaleiro e era analfabeto quando se alistou, em 22 de fevereiro de 1915. Fazendo parte do CEP, embarcou para França, no dia 21 de Março de 1917, integrando a 4.ª. Companhia da 1.ª Bateria do Regimento de Infantaria 21. Era o soldado n.º 698, com a placa de identidade n.º 44902.
Do seu boletim individual constam as seguintes ocorrências:
a)     Punido em 18/8/1917, pelo Comandante da 4.ª Companhia, com 10 dias de detenção, por faltar a 2 tempos de instrução e ser reincidente;
b)     Punido em 20/10/1917, por faltar à instrução e ser reincidente;
c)      Punido em 3/11/1917, com 10 dias de detenção, por ter faltado à revista do dia 31 de Outubro;
d)     Baixa ao hospital, em 31/1/1918;
e)     Punido em 23 /2/1918, com 5 dias de prisão disciplinar, por ter faltado à formatura para os trabalhos;
f)       Punido pelo Comandante da Brigada, em 03/03/1918, com 10 dias de prisão disciplinar, por ter faltado aos trabalhos em 27/02;
g)      Punido pelo Comandante da Companhia, com 10 dias de detenção, em 19/04, por ter faltado à formatura para os trabalhos;
h)     Transferido por motivo disciplinar, para o Batalhão de Infantaria 22, em 23/04/1918;
i)        Baixa ao hospital, em 04/05/1918; alta em 10/5;
j)        Baixa ao hospital, em 30/06/1918; foram-lhe concedidos 30 dias de licença para convalescer;
k)      Punido em 10/07/1918, pelo Comandante, com 15 dias de detenção por, na formatura da 2.ª refeição, não acatar prontamente as ordens do 1.º Sargento;
l)        Punido pelo Comandante, em 02/08/1918, com 15 dias de detenção, por, na formatura do pré, se ter ausentado do local onde se fazia a distribuição do mesmo;
m)   Punido em 23/08/1918, com 5 dias de prisão por ter sido encontrado na praia sem passe, em mau estado de higiene e sem grevas;
n)     Colocado no Depósito Disciplinar 1, em 06/09/1918;
o)     Punido em 18/09/1918, com 20 dias de prisão correcional, por se ter ausentado sem licença do Depósito Disciplinar 1;
p)     Punido em 02/01/1919, pelo Comandante do Depósito Disciplinar 1, com 20 dias de detenção, por ter sido apanhado com um pão que tinha comprado a civis e tencionava vender aos presos do regime especial;
q)     Baixa ao hospital, em 04/02/1919; alta em 13/02;
r)       Punido com 90 dias de prisão correcional, porque, «enquanto marchava da Base para a sua Unidade, ter exigido aos superiores que lhe arranjassem um transporte que o conduzisse ao destino dizendo que estava muito fatigado. Como não viu satisfeita a sua exigência começou a murmurar contra os superiores.» (Esta punição foi anulada, por efeito do artigo 4º da Ordem de Serviço n.º 156 de 11/06/1919);
s)      Abatido ao efetivo do Depósito Disciplinar 1, em 24/5/1919, seguindo para o P. E., a fim de ser repatriado;
t)       Regressou a Portugal, a 28 de maio de 1919.




Algum tempo depois, António Mendes domiciliou-se em Castelo Branco, onde casou civilmente com Maria Folgado, natural de Segura, no dia 3 de Outubro de 1926. O casal não terá mantido um contacto regular com os familiares do Mourelo ou de Segura, pois não há memórias deles nas respetivas terras de origem. Não foi possível saber se deixaram descendência, nem qual foi o seu modo de vida.
António Mendes faleceu em Castelo Branco, em abril de 1963. Tinha 69 anos de idade.

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"