segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Gente nossa

 O Coluna e o seu filho Pedro

Na sexta-feira saí da escola acompanhado pelo meu novo colega de Geografia. Desejei-lhe bom fim de semana e perguntei-lhe se o passava em Castelo Branco. Respondeu-me que vivia agora em Castelo Branco, mas que era do Sobral do Campo e vivera toda a vida na Margem Sul. Eu disse-lhe que era de São Vicente e ele contou-me que o seu pai também era de lá.

Chama-se Pedro, é neto de um João Matias que vivia junto ao posto da GNR e o seu pai era o Coluna. Casou no Sobral e faleceu novo, com 46 anos. Eles reconstruíram a casa do Sobral, para onde ele ia logo que acabasse de almoçar.

Tenho algumas imagens do Coluna, que via no grupo dos rapazes mais velhos, mas não tenho memórias para escrever mais sobre ele. Peço a um dos seus amigos, o Zé Barroso, que complete este texto.

José Teodoro Prata


O José Joaquim Roque Henriques era filho do tio João Matias Henriques (?), conhecido por João Matrino, a quem acho que também chamavam "Chamiço". Não me recordo, de momento, do nome da mulher deste, mas com certeza que era Maria!  

 Não faço a mais pequena ideia de onde vem o epíteto "Matrino"! Como já em tempos aqui escevi, São Vicente da Beira tinha uma alta imaginação de apor alcunhas não só a todo o nativo, mas também a todo o estranho que com a comunidade entrasse em conctacto. Sem dúvida, uma forma eficaz de individualizar pessoas e identificá-las facilmente, assim contrariando o velho ditado "Há muitas Marias na terra". E muitos Manéis também.

Uma imaginação tanto maior quanto, grande parte das vezes, a alcunha requeria uma certa abstração como esta de "Matrino". Noutros casos, ficava-se por um nome muito mais concreto, como, justamente, no caso do "Coluna". Era exatamente por esta que o José Joaquim era conhecido.

Esta alcunha ficou a dever-se ao facto de o rapaz jogar muito bem futebol. Tão bem que o compararam ao Mário Coluna, um atleta, sobejamente conhecido, que militou no Sport Lisboa e Benfica por muitos anos.

Não se ficam por aqui as singularidades desta família. Tanto no que respeita à comparação com jogadores de futebol famosos como no que toca aos nomes dos seus membros.

Quanto à primeira, o José Joaquim tinha um irmão, de sua graça Alexandrino que, pela razão já acima explicitada, foi alcunhado de "Travassos", um outro futebolista, desta vez do Sporting Clube de Portugal, que foi, como é sabido, um dos grandes craques deste clube nas década de 50 e 60 do século passado.    

Relativamente à segunda curiosidade, não deixa de ser um tanto desconcertante que o tio João Matias e a mulher tenham posto o nome de José a dois dos seus filhos. O José Joaquim Roque Henriques, o nosso Coluna, quando nasceu, em 1953 (ele era o filho mais novo), já tinha quatro irmãos, o mais velho dos quais com o mesmo nome próprio de José e de seu nome completo (creio), José Matias Henriques.

Ora, o facto de o tio João Matias e a tia Maria terem posto, não se sabe se imprevidentemente, o mesmo nome próprio a dois filhos, deve ter criado dificuldades lá em casa quando fosse necessário chamá-los! A solução foi tratarem o mais velho por José (ou Zé), como já vinham fazendo; o mais novo nunca, que eu saiba, trataram pelo segundo nome, Joaquim, mas, sempre e, simplesmente, pelo diminutivo Quim. Todavia, os problemas não acabavam aqui porque eles tinham uma filha chamada Joaquina a quem chamavam "Jaquina"! Com tanto nome disponível para pôr aos filhos, parece que a confusão seria escusada, mas foi assim!

Sei de tudo isto porque eles foram meus vizinhos no Cimo de Vila antes de irem morar para lá do antigo Posto da GNR, à saída da Vila para o Casal da Fraga. Desenrascados eram eles porque, tendo, aparentemente, criado um problema com os nomes dos filhos, trataram logo de arranjar uma solução! Pelo menos para o caso dos dois "Josés"!

Aparte as curiosidades concretas desta família, como concretas e curiosas eram muitas coisas, não narradas, das famílias da Vila, o Coluna foi um rapaz do meu tempo. Se fosse vivo andaria pelos 69 anos. Muitas vezes convivi com ele em tertúlias de malta nas ruas, na Praça, na Fonte Velha e, sobretudo, nos cafés de S. Vicente da Beira, quando ainda a povoação fervilhava de gente e não estava generalizada a televisão nas casas particulares. Por isso, iam todos para o café e ninguém ficava em casa! Era assim, sobretudo nos domingos e em todos os dias em que havia festas!

Quando éramos crianças ou muito jovens, eu e o Coluna fomos, muitas vezes, juntamente com outros (vizinhos ou vizinhas), com uma cesta, às soagens, uma erva brava dita boraginácea, espontânea, que os porcos comiam muito bem! Ou aos míscaros, no tempo deles, ou à lenha, ou apanhar a azeitona que caía nos caminhos públicos para meter em água e juntar à nossa, para o azeite grosso! Algumas vezes, jogámos futebol no Sport Clube de S. Vicente da Beira. Mas, já adultos, também trabalhámos juntos, integrados em camaradas, na colheita da azeitona, durante algumas safras, enquanto não encarreirámos melhor a vida. Fui ao casamento dele ao Sobral do Campo. A vida de cada um mudou entretanto, mas nunca deixámos de confraternizar quando nos encontrávamos na Vila.

O casal João Matias e mulher tiveram cinco filhos: o José, o António, o Alexandrino, a Joaquina e o José Joaquim. São ainda vivos o Alexandrino e a Joaquina.

O Coluna era um indivíduo de estatura quase normal, um português mediano; e também moreno e rijo como o granito, como diria o poeta. Inteligente, cheio de humor e presença de espírito! Atesto-o, não por conveniência de uma qualquer homenagem póstuma, mas porque é absolutamente verdade! Dominava muito bem a lexicologia local e regional, um certo falar e dizer, que lhe permitia proferir frases, por vezes quase só entendidas pelos membros da tertúlia, com as quais desbloqueava as conversas, pondo toda a gente bem disposta! Contava partes que conhecia, que se tinham passado com o tio Zé Nicho, com o tio Aires da Tonha e outros, às quais imprimia o seu cunho humorístico próprio!     

Creio que era esta sua faceta de jogar com as palavras que o levava, muitas vezes, a tratar-me por "Jostéfano", uma combinação entre "José" e "Di Stefano", um famoso jogador do Real Madrid. Não que eu alguma tivesse jogado futebol para ser comprado com esse jogador! Era apenas uma brincadeira! Mas bastava isso para a conversa ser logo mais bem disposta.

Um dia, quando me casei, fui dar uma volta pela Grande Lisboa, Azeitão, Setúbal, onde tinha (e tenho) família. Decidi então ir, com a minha mulher da altura, pela Moita do Ribatejo, visitá-lo, porque sabia que ele prestava serviço no Posto da GNR local.

Quem diria que o Coluna tinha ido para a GNR! Nós, ele incluído, de um certo ponto de vista, sempre detestámos a GNR de S. Vicente da Beira. Eram os guardas que constituíam o maior obstáculo à natural irreverência da nossa juventude: tentavam impedir o jogo da bola na Praça; ralhavam-nos quando fazíamos barulho a altas horas da noite na via pública; proibiam o roubo da fruta (a marouva), à noite, nas hortas da vizinhança; não admitiam o lançamento das bombas dos foguetes nas ruas, Praça e Fonte Velha... A juventude na Vila não conhecia regras, dentro, claro está, da sua própria inocência e simplicidade! Por isso, nunca imaginei que ele pudesse ir para a GNR e que viesse a encarnar a mesma autoridade que tinha imposto as regras à nossa juventude! Para mim, cometeu uma espécie de "traição"! De certo modo isso desiludiu-me, embora a GNR, com o "25 de abril de '74", tenha assumido uma postura muito diferente da anterior à revolução. Ele trabalhou sempre no duro e, como qualquer outro, também quis melhorar a vida! A GNR foi uma oportunidade que aproveitou para fugir ao campo e à fábrica da Argibloco! Mas ainda hoje penso que o fez por uma compreensível conveniência!

No Posto da GNR da Moita do Ribatejo, apareceu-me como nunca o imaginara, todo formal, metido numa farda! Apesar de saber que, muito provavelmente, o iria encontrar vestido dessa forma, mesmo assim, estranhei! Nunca tínhamos sido de formalidades em todo o nosso passado anterior, nem podíamos sê-lo, numa pequena vila do interior, como S. Vicente da Beira! Aquela não era, seguramente, a nossa praia! Por isso, fomos a casa dele, deixámos a etiqueta e, enquanto as mulheres tinham uma pequena conversa, nós fomos molhando o bico com um bom uísque, enquanto discorríamos vivamente sobre a vida e as voltas que ela dá!

Convivemos por muitos anos, é verdade. Mas, ainda assim, não tantos como pretenderíamos e a vida, afinal, nos podia ter proporcionado! Morrer aos 46 anos é muito cedo! Mas o destino assim o estipulou!

Amigo Coluna: um dia a gente vê-se por aí, em qualquer lugar!

José Barroso     

domingo, 25 de setembro de 2022

Santa Pulquéria

 “Olha lá cachopos, se vandes pra Lisboa e virendes por lá a minha ‘sabel, dai-lhe recomendações nossas!”

“Nossas” era como quem diz, da tia Pulquéria e do irmão da Isabel, ambos moradores numa casa que já foi abaixo, pedra em cima de pedra, com um balcão que dava para a estrada, no que eu sempre acreditei ser o lugar mais soalheiro do nosso Casal da Fraga.

Já grandes e com a arrogância que o cosmopolitismo aparentemente confere, sorríamos e acenávamos que sim, incapazes de compreender tanta simplicidade – é mesmo desarmante, a simplicidade, não é?

A mesma inocência com que, depois das pregações da Semana Santa, quando, regressados da igreja, descíamos a barreira de São Francisco, a tia Pulquéria repetia partes inteiras do sermão, exaltando a beleza de um gesto bíblico ou o sentido de uma parábola, que ela retivera e a nós, adolescentes de fresco, soava a prosa infantil. “Não é tão lindo, cachopos?”, ouvíamos ela dizer. Nesses dias, por causa das exéquias, ela calçava uma espécie de sapatos de pano – pretos, com uma presilha que abotoava de lado.

Nunca, que eu saiba, houve pessoa mais pura neste mundo.

Incapazes de perceber, pequenos e grandes, à uma, fazíamos pouco dela: do porco foçador, já com oito ou nove anos, que por vontade da dona nunca iria à faca; ou da pressa com que se mexia – ela não andava, corria, porquê? se não se lhe conhecia sombra de compromissos ou obrigações; ou do xaile ou pano preto com que sempre se cobria, já em muito mau estado; ou da horta e da criação que não tinha. E do afilhado, já homem e de bom físico, que a madrinha não deixava trabalhar, ao dia, porque se cansava, ou da limpeza por fazer, tanto da casa, como do corpo de passarinho; ou, ainda, de ela ter uma interpretação literal das parábolas da Bíblia ouvidas na igreja, e de, na sua ideia, Lisboa ser apenas um pouco maior do que São Vicente.  Sem semear, nem colher, interrogava-se o senso comum, que éramos nós todos, de que é que viviam aqueles dois pobres de Cristo – por que milagre, sem um vintém a entrar-lhes em casa?

Pobre de espírito ouvi chamar mais de uma vez à tia Pulquéria, uma senhora que, nós já adultos, ainda nos chamava “meninos”, para quem a pobreza era como se não fosse – antes, uma condição natural vivida com amorosa ingenuidade.

Em boa verdade, tal transcendência, para mim, foi durante muito tempo um caso de santidade. Hoje, mais incomodado com o conforto das certezas do que com o desconforto da dúvida, não vou tanto por aí. Ainda assim, guardo dela uma memória feliz, e isso para mim é mais importante que as questões da santidade.

Sebastião Baldaque

SET. 2022

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 José Caetano

José Caetano nasceu no dia 29 de janeiro de 1894. Era filho de Joaquim Caetano e Maria Joana, carvoeiros. De acordo com o registo de batismo, os pais viveriam na Paradanta na altura do seu nascimento, mas, a ser assim, terá sido durante pouco tempo, porque eram naturais do Casal da Serra e foi lá que José Caetano se criou.

Assentou praça em Castelo Branco, no dia 9 de junho de 1914, e foi incorporado no Regimento de Artilharia de Montanha, como Atirador de 3.ª Classe. Na altura era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro. Terminou a recruta em 24 de maio de 1915 e passou ao quadro permanente, em virtude de sorteio.

Foi destacado para Moçambique, integrando a 2.ª Expedição enviada para aquela província ultramarina. Embarcou no dia 7 de outubro de 1915 a bordo do paquete Moçambique, um dos maiores navios portugueses da altura. Durante o período em que esteve em Moçambique, registaram-se muitas baixas, sobretudo por efeito das doenças que atingiram os militares portugueses, mas às quais José Caetano conseguiu sobreviver. Regressou à Metrópole, em 28 de setembro de 1916, após cerca de um ano em África. Desembarcou em Lisboa no dia 5 de novembro.

Passou ao 2.º escalão do Exército e ao 7.º Grupo de Baterias de Reserva, em dezembro de 1924, e ao depósito de Licenciados do Regimento de Artilharia de Montanha, em Outubro de 1926. Em 31 de dezembro de 1935, passou à reserva territorial, por ter atingido o limite de idade.

Condecorações:

  • Medalha comemorativa das operações militares na Província de Moçambique;
  • Medalha da Vitória.

Família:

José Caetano casou com Maria do Nascimento, no Posto do Registo Civil de São Vicente da Beira, a 30 de novembro de 1921. Tiveram 5 filhos, um dos quais faleceu com dois anos de idade. Criaram:

1.    Manuel Caetano que casou com Maria Rosa Barroca;

2.    Maria da Purificação Batista que faleceu ainda jovem;

3.    João Batista da Ressurreição que casou com Ana da Conceição Candeias;

4.    António Batista que casou com Maria do Nascimento Candeias.

José Caetano viveu sempre no Casal da Serra e trabalhou a vida inteira na agricultura, nas terras que herdou e foi comprando. Sobre esse tempo, lembra o filho João Batista:

«Tivemos sempre uma vida boa e uma casa farta, mas de muito trabalho, tanto para o meu pai e para a minha mãe, como para filhos. Trabalhávamos todos para o mesmo e criávamos de tudo para casa e até para vender. Uma vez ainda me desafiaram para ir trabalhar para as minas, que era onde trabalhavam muitos rapazes da minha idade, mas o meu pai disse logo que não me deixava abalar, que depois tinha que andar a pagar ordenados aos estranhos, e mais valia pagar-me a mim. Ele era assim, muito boa pessoa, mas quando dizia uma coisa tinha que se fazer. Acabei por não ir e, se calhar, hoje até lhe dou razão.

Também tivemos sempre uma boa cabrada, com um ou dois pastores, e a minha mãe fazia todos os dias uns poucos de queijos, para casa e para vender. Eram tão afamados que até vinha gente de fora à procura deles, principalmente o pessoal que, naquele tempo, andava por cá a trabalhar nas águas.»

José Caetano enviuvou em março de 1970, após quase 50 anos de casamento. Faleceu pouco tempo depois, em 18 de agosto de 1971. Tinha 77 anos de idade.

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

sábado, 17 de setembro de 2022

A Rota Romana ou Medieval de São Vicente da Beira

 Há dias decidi ir (a pé, está claro), à Portela da Senhora da Orada ver como paravam as modas. É uma forma de dizer. Desde a última vez que por lá andei, já passaram alguns anos. Foi num dia em que escrevi um texto (por sinal, publicado neste blog) e fotografei um cão que por lá apareceu, ao qual também fiz referência.

A partir da Portela da Senhora da Orada não consegui encontrar qualquer afloramento de calçada, na encosta norte da Gardunha, em direção a Alcongosta, Fundão ou outra povoação próxima.   

No dia seguinte fui à outra Portela a sul e, mais além, até ao fundo das Vinhas e Valouro. Agora como da outra vez, o fito principal era ir ver o estado da calçada romana ou medieval que vem do meridião, segue para norte, na parte que se contém, mais ou menos, nos limites da nossa freguesia. Ou seja, da estrada vicinal, hoje alcatroada, que vai do Louriçal do Campo à EN 352, próximo do Valouro e que corta, ortogonalmente, a nossa rota romana ou medieval.

A fim de situar as pessoas relativamente ao itinerário desta antiga estrada romana ou medieval da Vila, digo aquilo que me parece: entra na nossa freguesia a sul, pelo Valouro, Vinhas e Fonte da Portela. Foi cortada perto deste local pela EN 352 fundindo-se com esta. Ao fundo da Barreira da Fábrica, do lado da Vila, volta a autonomizar-se e segue pela estreita rua das Poldras para o Ribeiro do Marzelo; passa pela rua da Corredoura e segue pelo caminho do Cimo de Vila para a Senhora da Orada, até ao Alto da Portela, local em que desce para a encosta norte da Serra da Gardunha. Antes do calcetamento da rua da Corredoura e quelhas adjacentes (a nossa antiga circular externa!), ainda havia alguns afloramentos de calçada antiga na barreira do Ribeiro do Marzelo, do lado dos Cunhas, mesmo junto ao muro da quinta.   

Tal como me aconteceu na Portela, a norte, a partir da mencionada estrada vicinal para sul, não pude vislumbrar a referida via romana ou medieval, dadas as dificuldades do terreno e da vegetação. Mas creio que seguirá para Castelo Branco. Talvez se consiga encontrar, penso eu, se se fizer a pesquisa inversa, começando naquela cidade ou, em todo o caso, algures na Póvoa de Rio de Moinhos ou Tinalhas caminhando para norte.

Mas, digo estrada "romana ou medieval", porque, não sendo eu um especialista na matéria, entendo que não posso (nem devo) classificar, para já, esta via, sem que outros se pronunciem sobre o assunto. Sei apenas que se trata de uma estrada antiga (razão pela qual deve ser preservada), com algumas caraterísticas nas quais, segundo os entendidos, se podem enquadrar as estradas romanas, mas também as medievais. Esta via pode, de facto, ter uma origem romana e ter sido, posteriormente, modificada como, de facto, aconteceu por todo o país. Os melhoramentos, hoje, são desaconselhados, a não ser que sejam feitos por especialistas.   

A construção das vias nas províncias romanas não era tão complexa como na península itálica. Basicamente, era aberta uma caixa no terreno que se enchia de pedras e areia ou cascalho ou cal que, depois de batida, levava na superfície uma camada de lajes a formar uma face convexa, tudo para permitir a drenagem das águas pluviais. Algumas podem apresentar, ao centro, uma fila longitudinal de pedras. É o caso desta via junto à Senhora da Orada que, assim, se aproxima mais da configuração das antigas ruas da Vila de S. Vicente da Beira construídas na Idade Média.  De uma forma ou outra, o que é certo é que este sistema de construção das obras permitiu que a rede viária romana perdurasse por 2 milénios! Mesmo o MacAdam, com o seu método moderno, obrigava a reparações permanentes levadas a cabo por um verdadeiro exército de cantoneiros, cada um com seu "cantão"! Nenhum dos povos seguintes (Godos, Árabes) teve, como os Romanos, a noção da importância das estradas no desenvolvimento militar, económico e administrativo. Com o início da Idade Média (sensivelmente, no séc. V), como se sabe, a civilização ocidental estagnou ou deu passos atrás! Segundo os historiadores, até quase ao século XX (imagine-se!), a nossa rede viária assentava, fundamentalmente, na profusão dos caminhos rasgados pelos romanos!

Estão indicados na internet vários trilhos na nossa região, seja na planície ou na serra, nomeadamente, Castelo Branco, Sarzedas, Almaceda, Alcains, Soalheira, Louriçal do Campo, Alpedrinha, Castelo Novo. Todos seguem, como é óbvio, pontos de interesse turístico, quer naturais, quer culturais (culturais, isto é, onde há mão humana). Em S. Vicente da Beira também há indicação de trilhos no terreno mas, na internet, no que concerne à freguesia, creio que apenas se faz referência ao Casal da Serra, quando se descrevem as rotas do Louriçal do Campo ou de Castelo Novo.

Acontece, então, que a dita estrada romana ou medieval a norte, não está tão bem conservada como estava há uns anos atrás quando lá estive! É certo que foi contida a invasão da vegetação e, mais que contida, foi alargado o seu limite de crescimento. Essa operação, em si mesma, seria benéfica, porque deixaria mais à vista uma obra humana antiga que nós não temos o direito de destruir! A sul, esta via, está e sempre esteve pior porque foi sempre muito mais utilizada! O presidente da Junta de Freguesia disse-me, pessoalmente, há tempos, que iria ser limpa na área da Fonte da Portela, mas, por enquanto, ainda continua na mesma.

Sucede, porém, que, hoje, naquela zona norte, há eucaliptos para cortar e eólicas que ali foram instaladas que necessitam de manutenção. Deve ter sido por isso que a estrada, além do corte da vegetação, foi alargada por máquinas; e, embora pareça que a calçada foi poupada, encontra-se, na sua maior parte, coberta por uma camada de entulho. Não me parece que a estrada tenha sido, propriamente, soterrada, mas a cobertura de terra deve ser retirada e a calçada limpa! Em muitos locais do país estas vias antigas foram destruídas. É preciso que não se destruam mais. Por isso, a Junta de Freguesia deve tomar medidas e verificar melhor o que se passou, a fim de tentar preservar os afloramentos ainda existentes.  

Anexo: fotos de alguns afloramentos da calçada antiga e um vídeo de uma das eólicas da Portela Norte. 



José Barroso  

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

José Ambrósio



José Ambrósio nasceu em São Vicente da Beira, no dia 26 de julho de 1891. Era filho de Manuel Ambrósio, jornaleiro, natural da Aldeia do Cabo, e de Catarina Narcisa, moradores na rua Manuel Lopes.

Assentou praça em Castelo Branco, onde fez a instrução da recruta. Alguns anos após ter sido licenciado, foi novamente mobilizado para fazer parte do CEP. Embarcou para França no dia 21 de janeiro de 1917, integrado na 1.ª Bateria do 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, como soldado com o n.º 156 e placa de identidade n.º 8798.

Do seu boletim individual constam as seguintes ocorrências:

a)   Baixa ao hospital, no dia 1 de outubro de 1917; alta a 6 do mesmo mês;

b)   Baixa à Ambulância n.º 3, no dia 27 de dezembro; evacuado para o Hospital Sangue n.º 1, no dia 31;

c)   Evacuado para o Hospital Canadiano n.º 3, em 2 de janeiro de 1918; alta no dia 15; baixa à Ambulância n.º 3, no dia 26, e evacuado para o H. de Sangue 1 no dia 27; alta a 28; baixou de novo à ambulância em 2 de fevereiro; julgado incapaz para todo o serviço no dia 11;

d)   Embarcou para Portugal, no dia sete de Abril de 1918, a bordo do Cruzador Auxiliar Pedro Nunes.

Família:

José Ambrósio casou com Maria Inês Martins, no dia 2 de Abril de 1921. Maria Inês era natural dos Pereiros e foi aí que ficaram a viver e criaram os quatro filhos que tiveram:

1.   Justina Inês, que casou com João Lourenço e tiveram 6 filhos;

2.   Maria do Carmo, que não se casou nem deixou descendência;

3.   Maria Natividade, que casou com Joaquim Louro, mas não teve filhos;

4.   António Joaquim, que casou com Maria Angelina Varanda e tiveram 1 filho.

José Ambrósio trabalhou a vida inteira na agricultura, nas terras que herdou e noutras que foi comprando. Tinha uma casa farta de tudo o que a terra dava, o que, juntamente com a pensão que lhe foi atribuída por ferimentos na guerra, lhe permitiu ter sempre uma vida desafogada.

«Eu era o neto mais velho do meu avô e, se calhar por causa disso, gostava muito de mim e dava-me muitos mimos. Eu também gostava muito dele e, se me queriam encontrar, era atrás dele. 

Às vezes chegava da escola e ia destapar a panela para ver o que era o comer; se não me agradava, saía porta fora e ia direitinho à casa dos meus avós, porque sabia que lá se comia melhor. Já havia arroz, açúcar e tudo, coisa que na casa dos pobres era rara, naquele tempo.

Lembro-me dele lá ter um copo de esmalte, com uma asa, que disse que tinha trazido da França, e era por ali que eu gostava de beber sempre. Ele ficava todo orgulhoso e comovido por eu estimar assim tanto aquela recordação que tinha trazido da Guerra com tanto empenho.

Como naquele tempo a casa do meu avô era das mais fartas da terra, era lá que o padre Tomás ia comer muitas vezes, nos domingos em que ia dizer a missa aos Pereiros. Faziam-lhe sempre uma galinha para o almoço e ele, enquanto a não comia toda, não se levantava da mesa. Eu bem andava ali à roda a ver se me dava alguma coisa, mas ele até fazia que não me via.

Nos dias da feira, o meu avô trazia-me à Vila e comprava-me roupa e calçado novo. Era uma alegria!

E o tempo foi passando. Quando chegou a altura, fui para a tropa, para Moçambique, e andei por lá três anos; depois casei e fui viver para Lisboa. Mas sempre que podia vinha à terra, e ia sempre visitá-lo aos Pereiros.

Morreu já lá vão uns bons anos, e continuo a ter muitas saudades dele.» (testemunho do neto Domingos Lourenço).

José Ambrósio faleceu no dia 10 de Abril de 1981. Tinha quase noventa anos.

 

(Pesquisa feita com a colaboração do neto Domingos Lourenço)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Megali na Sala da Nora

 

A sala da Nora é um espaço utilizado para exposições, situado na cave do edifício do Cine-Teatro. É assim chamada porque no seu interior existe ainda um enorme poço com nora, que durante séculos, até cerca de 1900, regou o vale agrícola atualmente ocupado pela Avenida Humberto Delgado.

A arte da Megali manifesta-se no feminino, misturando tintas com têxteis, linguagem numérica e escrita em português, francês e inglês. Os quadros são para venda (têm inidicado o preço).


Do jornal Reconquista da quisnta-feira passada (último número)

A Megali Candeias é gente nossa: filha de José (Bernardino) e Manuela Candeias.

Goya foi um pintor espanhol dos finais do século XVIII e inícios do XIX e Alba foi uma menina/mulher negra adotada pela duquesa de Alba. Viveu na mesma época que o pintor e eram amigos. Foi recentemente editado um romance (A Filha de Cayetana) baseado na história desta mulher.

José Teodoro Prata

sábado, 3 de setembro de 2022

Espaços de leitura

A notícia desta exposição de fotografias foi divulgada em vários semanários regionais. Esta foi retirada do Reconquista.

O desafio feito pela Alma Azul e Câmara Municipal de Castelo Branco foi que se fotografassem possíveis espaços de leitura, o que permitiu dar asas à imaginação e criatividade dos participantes (ler um livro é bom em qualquer lugar…). O resultado foi interessante e muito variado.

Em São Vicente tínhamos várias opções, mas resolvemos participar com esta fotografia, se calhar demasiado óbvia, mas que serve também de divulgação de um espaço que está a renascer na nossa terra:

Algumas pessoas conhecem e já terão frequentado este espaço, mas haverá ainda quem não saiba que temos um lugar como este, com muitos livros que podem ajudar-nos a crescer e voar para lá da pequena migalha do universo que nos coube na vida. São isto, as bibliotecas!

Existem de facto muitos livros, doados por instituições ou por particulares, mas que estavam arrumados sem grande critério, alguns em segunda fila nas prateleiras (faltam-nos algumas estantes…) e, por isso, de difícil acesso. O trabalho que tem estado a ser feito desde há algum tempo é, tanto quanto possível, separar os livros por temas, autores, e idades, e criar instrumentos que tornem a biblioteca num espaço cómodo, funcional.

Apesar do envolvimento de muita gente (o Miguel Jorge que criou uma página na internet e iniciou a separação dos livros, alguns ainda encaixotados; a Elsa Santos que criou um programa para registar o inventário e fazer as requisições; a Sara Varanda que ajudou a selecionar parte dos livros e a Isabel Teodoro que organizou a secção infanto-juvenil; a São Luzio, a Celeste Teodoro e eu a fazermos um pouco de tudo), ainda temos muito trabalho pela frente, mas esperamos dar boas notícias em breve.   

M. L. Ferreira