Carrega de negro o corpo, curvado,
Afunda-se no luto até à alma.
Escureceram-lhe os anos a tez
lisa e clara,
O tremor quebrou-lhe o semblante,
já prostrado,
E o traço irrepreensível da face
rara,
Outrora rectilínea e alva.
O tempo deformou-lhe, a fina silhueta,
O sublime rosto,
E o angélico perfil.
O lenço descai-lhe agora p’rá
fronte, mortalha preta,
E realça as marcas do desgosto,
Como o jugo alquebrou o escravo, servil,
Vergado ao peso da grilheta.
Antes, forte e vigorosa, hoje
dolorida,
Quanto sofredora é a mulher do povo.
Enviuvou há muito,
Atirou-se, dia a dia, ao trabalho
duro da vida,
Enquanto pôde, a labutar,
Que o homem morreu ‘inda era
novo.
Da alvorada ao anoitecer a
moirejar,
Para criar os filhos pequenos. Teve
sete!
O sol tisnou-lhe a pele,
Amigo inconsequente, ronceiro,
Sulcando-a como um canivete,
Qual canelado feito por goiva,
Em peça de marceneiro.
Quando casou, deu uma formosa
noiva,
Das mais belas, que há muito não
se via,
Como pintura de Rubens.
Flor de laranjeira, na mão,
Perfeita, naquele dia,
No vestido diáfano, branca como
as alvas nuvens,
Caminha p’rá igreja, sem tocar no
chão.
Não tem desejos, mil,
Como antes, já nem sabe o que
isso é!
O corpo envelheceu e
acabrunhou-se,
Como uma rodilha de um antigo
pano de linho.
Já só espera a tumba negra e vil.
Morrer e acabou-se!
É esse apenas o único caminho?
Acalenta um sinal de esperança,
Nesse ente insondável mais fundo
-
A alma - esse impulsivo incorruptível.
Quando o corpo deixa o mundo,
Se a vida, a ele, não se reduz,
- Sua fé firme, irredutível! -
A matéria corrompe-se, não essa
luz.
João Gabriel Saraiva