sábado, 23 de junho de 2012

São João era bom homem...

Os rapazes aproveitaram o regresso do trabalho para trazer molhos de rosmaninho e deitaram mão a toda a marcela que encontraram. Sabiam bem onde os havia com fartura, senhores que eram de montes e caminhos. As raparigas também ajudaram, com braçados de rosmaninho e sobretudo de marcela, sua preferida.
O rosmaninho e a marcela eram para a festa do São João e com eles fariam várias fogueiras e não uma só, como no Natal. À noite, todos trouxeram o rosmaninho e a marcela para os lugares do costume, largos, praça ou cruzamento e entroncamento de ruas, e fizeram montes que depois atearam.
A Vila encheu-se de um fumo acre, mas ninguém se importou, até tinha piada alguém tentar saltar a fogueira e chocar com outro que vinha do lado oposto. Todos saltavam, pequenos e grandes, novos e velhos, dependia do entusiasmo que cada um punha nas coisas da vida.
Assegurada a manutenção da fogueira pelas crianças na companhia dos adultos, os jovens solteiros percorriam, em rancho, todas as fogueiras da terra, saltando e galhofando de alegria.

Uma mulher mais velha entoou:

A 24 de Junho,
Ai a 24 de Junho,
Nasceu uma linda flor.
Nasceu S. João Batista,
Ai nasceu S. João Batista,
Primo de Nosso Senhor.

E outra continuou:

São João não tem capela,
Ai São João não tem capela,
Nem flores para a fazer.
Vamos ao rio Jordão,
Ai vamos ao rio Jordão,
Algumas lá há de haver.

Donde vens meu São João,
Ai donde vens meu São João,
Donde vens tão orvalhado.
Venho do rio Jordão,
Ai venho do rio Jordão,
Regar o pé ao cravo.

E a primeira respondeu com uma outra versão.

Donde vens meu São João,
Ai donde vens meu São João,
Donde vens tão molhadinho.
Venho do rio Jordão,
Ai venho do rio Jordão,
De regar o cebolinho.

Sim, porque o São João também tinha uma horta e regava as flores e o cebolo, como os demais.
E, sendo bom filho, nunca se esquecia do pai e da mãe.

São João subiu ao céu,
Ai São João subiu ao céu,
A regar o seu jardim.
Trouxe um cravo para Sant´Ana,
Ai trouxe um cravo p´ra Sant´Ana,
E outro p´ra São Joaquim.

Ele era povo. E nem sempre virtuoso.

São João era bom homem
Ai São João era bom homem,
Se não fosse tão velhaco.
Levava três moças à fonte,
Ai levava três moças à fonte,
E vinha de lá com quatro.

Homem macho, como se queriam todos os da espécie, a lançarem a escada às moças.

Para o São João que vem,
Ai para o São João que vem,
Já não moro nesta rua.
Inda não tenho casa,
Ai inda não tenho casa,
Menina arrende-me a sua.

E elas esperançosas.

No altar de São João
Ai no altar de São João,
Nasceu lá uma cerejeira.
Qual será a ditosa,
Ai qual será a ditosa,
Que colherá a primeira.

Porque ele era o protetor das moças.

No altar de São João,
Ai no altar de São João,
Nasceu uma rosa amarela.
São João subiu ao céu,
Ai São João subiu ao céu,
A pedir pelas donzelas.

Todos dançavam e as fogueiras mais animadas eram as que tinham as melhores cantadeiras e as moças mais bonitas e reinadias.
Marcou-se encontro com o São Pedro, na esperança de repetir a festa.

São João e o São Pedro,
Ai São João e o São Pedro,
São dois amigos compadres.
São João levava o cálice,
Ai São João levava o cálice,
São Pedro levava a chave.

E a noite terminou numa marouva anunciada.

Esta noite hei de ir às ginjas,
Ai esta noite hei de ir às ginjas,
Esta noite hei de ir a elas.
Quem as tem que as guarde,
Ai quem as tem que as guarde,
Senão ficará sem elas.


D. João de Mendonça, o bispo da Guarda que iniciou a construção do Jardim do Paço, em Castelo Branco, mandou lá colocar uma estátua de S. João Batista, com a seguinte inscrição:
"Das mulheres não nasceu maior homem do que S. João Batista, ao qual pregador do deserto, João entre todos o mais humilde, dedicou este retiro no ano do Senhor de 1725"

Nota:
A recolha das estrofes cantadas ao São João foi da minha irmã Maria Isabel dos Santos Teodoro, para um trabalho escolar já várias vezes aqui citado.


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