A
propósito do facto curioso de, no passado haver muitos homens que casavam com
mulheres de fora das suas terras, lembrei-me de duas situações que podem ajudar
a compreender o fenómeno, pelo menos num tempo mais recente.
Há
tempos, numa das “tertúlias“ na taberna da Amália, chegámos à conclusão de que
em meados do século passado, só no Casal da Fraga, havia umas oito mulheres da
Charneca casadas com homens de cá. Perguntei à Ti Trindade que nasceu nos
Pereiros e também por cá casou, qual seria a razão de tantos homens irem à
procura de mulher fora da terra. Ela, naquele jeito desabrido que a idade
perdoa e faz questão de exibir, respondeu-me o seguinte:
- Olhe, sabe porquê? É que naquele tempo a maior parte das raparigas da Vila iam
a servir para a Covilhã ou para Lisboa. Muitas arranjavam por lá namorados e
por lá ficavam. As que para cá tornavam vinham todas finas, vestidas à moda,
com sapatos de salto alto, água de cheiro e pó d’arroz na cara, e não queriam
casar com os rapazes que trabalhavam no campo. Por isso eles tinham que ir arranjar
namoradas por lá. Nos Pereiros, na Partida ou no Mourelo éramos umas
desgraçadas. Trabalhávamos no campo ou nos pinheiros, íamos ao terço, ao quinto
ou para a azeitona, descalças, sujas e com fome, e tínhamos que nos assujeitar ao que aparecia. Por estas e
por outras é que eu nunca tive vontade de me casar, mas os meus pais
obrigaram-me a casar, mesmo descontra
vontade…
Claro
que esta é apenas uma opinião e, se calhar, nem corresponde à verdade, mas
acho-a interessante porque ajuda a entender a perceção que as mulheres da
Charneca tinham das mulheres da Vila. Provavelmente a opinião das de cá,
relativamente a elas, também não era grande coisa…
Também
ainda a este propósito, calhou há tempos perguntar a uma vizinha como é que
ela, sendo do Violeiro, tinha conhecido e casado com um homem do Casal da
Serra. Contou-me a seguinte história, mais ou menos por estas palavras:
- O meu homem tinha um primo
que corria as terras todas por aí a negociar em gado e em peles. Um dia disse-lhe
se não queria ir com ele ao Violeiro porque havia lá festa e havia de haver por
lá muita pele de cabra e borrego para vender. O meu, que gostava muito de festas,
disse logo que sim e foram os dois. Quando lá chegaram, correram as casas todas
a ver quem tinha peles para vender e quando chegaram à casa do meu pai já era à
hora do jantar e o meu pai disse-lhes se eles não queriam comer com a gente.
Eles disseram que sim e lá estiveram a comer do que havia. Contaram de que
terra é que eram, quem eram as famílias deles, e o meu pai até conhecia a
família do outro. Ao fim, lá foram à vida deles.
À tarde, eu fui com as minhas
irmãs e as minhas primas até ao largo da festa e eles ainda por lá andavam e
fartaram-se de olhar para nós. À noite, quando começou o baile, um deles veio-me
tirar para dançar, mas como eu era um bocado envergonhada disse que não, porque
não sabia dançar. Ele teimou, teimou tanto, que lá fui. Mas o raio do homem
dançava tão bem que dançámos a noite toda e ao fim disse-me se eu não queria falar
para ele. Eu disse-lhe que não, porque não o conhecia de parte nenhuma e tinha
que ter ordem do meu pai para namorar, se não levava uma sova, se ele soubesse.
E as coisas ficaram assim.
Passado uns tempos, o homem
aparece outra vez lá na terra e foi falar com o meu pai, para lhe pedir ordem
para falar para mim. O meu pai disse que sim, mas tinha de ser tudo com muito
respeito, porque tinha quatro filhas e não queria que nenhuma andasse falada na
boca do povo; e era para casar logo, porque eu já tinha idade! Começámos a
namorar e nem chegou ao fim de seis meses já estávamos casados.
M. F. Fereira
3 comentários:
Eu acho que a Charneca começa na ribeira e inclui já o Casal da Fraga:
A família dos Teodoros tem antepassados do Vale de Figueiras e dos Pereiros; no Casal da Fraga fazem-se maranhos e na Vila não...
É bem provável que a Charneca comece da Ribeira para cá porque o Casal já é um mundo à parte. O modo de vida, quase medieval, que as pessoas daqui ainda preservam, faz com que, muito frequentemente, quando acordo, encontre um saco de couves ou de batatas à porta e às vezes nem chegue a saber quem o deixou. Por mais que me esforce, muito dificilmente conseguirei retribuir a generosidade dos meus vizinhos.
Quanto aos maranhos, já os comi cá, mas foram feitos por essa vizinha do Violeiro, casada com o homem com Casal da Serra. E se estavam bons!...
Também comi botelha de leite. As saudades que tenho do tempo em que era a minha mãe que a fazia!... Mas a da Ti Eulália não lhe fica atrás…
É por estas e por outras que, quando tenho que ir à Vila ou a outro lado qualquer, me dá uma pringueirice que tenho dificuldade em sair de cá…
M. L. Ferreira
Eu também casei com um charneco, que me diz também que a charneca já começa depois da ribeira.
Deliciava-me com os maranhos que a minha sogra fazia, nunca mais os comi tão bons, desde que ela partiu. E o esparregado de flor de abóbora, de favas (com a vagem tenrinha)...tanta coisa boa, das quais algumas tento continuar a fazer para não se perderem estas iguarias.
E a tecelagem das mantas, do linho, que já se fazem pouco e é uma pena.
E também a simpatia das pessoas, a simplicidade e solidariedade.
São assim os charnecos e devem sentir-se orgulhosos por isso.
Albertina Prata Teodoro
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